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Roberto Acioli de Oliveira

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16 de out. de 2008

Pênis e Racismo


Há algum tempo as forças militares norte-americanas que invadiram o Iraque foram parar nas manchetes da imprensa escrita e televisada. Desta vez, o escândalo se referia às imagens de maus tratos aos prisioneiros por parte dos militares sob o comando do presidente Bush filho – incluindo participação ativa das mulheres que faziam parte da tropa. As imagens dos episódios de humilhação de prisioneiros incluíam o toque nas partes íntimas. Tais detalhes desses eventos não seriam dignos de nota se Hollywood, com seus tentáculos ainda curtos, porém já letais, não tivesse tocado de leve no assunto. Temos a tendência ingênua de pensar que quando o cinema ainda era mudo as coisas se resumiam às comédias de Charles Chaplin ou Buster Keaton.


Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915), famoso filme dirigido pelo norte-americano D.W. Griffith, faz um resumo histórico da formação dos Estados Unidos após a Gerra Civil, apresentando os negros como degenerados que estavam destruindo uma nação pura-branca (imagem abaixo). Baseado no romance de Thomas Dixon, The Clansman, o filme mostra os esforços da família Cameron, brancos do sul do país, sitiados por negros livres e aventureiros. (acima e ao lado, imagens da patética diversão das mulheres do exército norte-americano com os prisioneiros e seus cadáveres no Iraque; as duas imagens no final do artigo são cenas reais de linchamentos de negros na Amérca do Norte, em 1919 e 1935, respectivamente)

Uma das seqüências mostra a filha virgem da família sendo perseguida por Gus, um negro com a boca espumando – o ator era um homem branco pintado de preto. Gus estupra a virgem, depois é julgado pela Ku Klux Klan. Ao som da Pastoral de Beethoven, um dos homens enfia sua espada nas partes íntimas de Gus, movimentando-a ao ritmo dos tambores da música. Griffith corta para um close do rosto do negro, sangue jorrando pela boca e olhos girando agonizantes. Griffith faz um zoom no rosto contorcido de Gus, ele está morto. E castrado (1).


Griffith apresentou o filme para seu amigo Woodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos. Um sulista de nascimento e de temperamento, como Griffith, Wilson reafirmou que também acreditava na tendência do negro ao desejo “bestial” por mulheres brancas – a castração de Gus não foi lamentada pelo presidente. Pouco depois, Griffith apresentou sua obra ao Presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos que, em sinal de incontestável apoio à Griffith disse, “fui membro da Klan, senhor”. Censores queixaram-se da violência do filme e uma versão alternativa apresentou a virgenzinha jogando-se de um penhasco para não ser pega pelo tarado sexual negro (2).

Citando o filme de Griffith, David Friedman pretende chamar atenção para o componente sexual na formação dos Estados Unidos. Segundo ele, a visão do negro livre, macrofálico, hipersexuado, foi incutida na cultura popular americana justamente por este filme. Trazida da Europa, essa visão distorcida em relação aos negros já existia, o filme apenas potencializou a coisa a partir do instrumento de massa que o cinema estava se tornando. Os brancos não temiam apenas o negro, temiam o pênis negro. “A paranóia branca em relação ao pênis negro era tão exagerada que se acreditava que o orgão negro causava uma experiência única e terrível à mulher branca” (3).



Vários são os relatos a respeito das seções de tortura e morte perpetradas pela Klu Klux Klan enfocando especificamente o interesse dos homens brancos pelo pênis do negro que estivesse sendo destruído.

“(…)Somente privando o ‘animal’ de seu poder primevo essa força poderia ser transferida para o homem branco, onde era o seu lugar. Testemunhas oculares contam que muitos linchadores levavam tempo examinando o pênis dos negros que estavam prestes a matar. O professor Calvin C. Hernton constatou um aspecto estranhamente religioso nessa cerimônia soturna. ‘É uma forma simulada de adoração, um rito primitivo de adivinhação pornográfico’, escreve em Sex and Racism in America. ‘Ao tomarem a genitália do homem negro, os homens encapuzados, vestidos de branco, estão amputando a parte de si mesmos que, secretamente, consideram vil, imunda e, sobretudo, inadequada.[…] Por meio da castração, os homens brancos esperam adquirir os poderes grotescos que atribuíram ao falo negro, que, simbolicamente, exaltam no ato de destruí-lo’ “. (4)

Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
O Triângulo Amoroso de Jean Eustache

1. FRIEDMAN, David M. Uma Mente Própria. A História Cultural do Pênis. Tradução Ana Luiza Dantas Borges. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. P.118.
2. Esta é a versão que você vai encontrar nas locadoras, lançada no Brasil pela Continental Home Video.
3. FRIEDMAN, David M. Op. Cit., p.116.
4. Idem, p. 117. Maiores comentários a respeito de linchamentos de negros nos Estados Unidos da América do Norte, incluindo imagens de linchamentos que eram distribuídas como cartões postais: Without Sanctuary. Disponível em: http://withoutsanctuary.org/ Acessado em: 16/10/2008.

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