5 de mai. de 2009

As Mulheres, Entre Ocidente e Oriente (II)


O Inferno na Terra

Os números são assustadores, 6000 casos por dia, perto de 2 milhões por ano. Cerca de 135 milhões de mulheres já foram submetidas a esta tortura. Até pouco tempo esta tortura era chamada de circuncisão, mas agora recebeu a classificação de Mutilação Genital Feminina, pelo comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres. Diga-se de passagem, desde 1981 a Anistia Internacional alertou para o problema na reunião do Conselho Internacional da ONU, mas só entrou na pauta em 1985... Então, em 1996... a ONU se moveu, através do citado comitê, rejeitando a tese do relativismo cultural e passando a considerar a mutilação como crime contra os direitos humanos.

As mutilações estão sendo consideradas motivo justo para pedido de asilo em alguns países. Estados Unidos, Canadá e Suécia estão entre os que receberam mulheres que fugiam desse destino. Em função da imigração, nos países ocidentais estão ocorrendo cada vez mais casos. Na França, mas de 20.000 mulheres são mutiladas por ano. Em 1982 foi criada a CAMS-F, Comissão de Abolição de Mutilações Sexuais na França, a partir da criminalização do ato. O tema também foi discutido no 15° Congresso Mundial de Sexologia, em Paris, em junho de 2001. São três as formas da mutilação: Clitoridectomia, Excisão e Infibulação. (imagem acima, a modelo internacional Waris Dirie. Nascida na Somália em 1965, teve sua vagina mutilada aos cinco anos de idade. Hoje é uma embaixadora das Nações Unidas e combate a mutilação genital feminina. Escreveu um livro, Flor do Deserto, onde conta sua experiência)

“Qual a diferença entre a mulher com tpm e um pitbull? Batom”

Clitoridectomia
, circuncisão simples ou suna. Extirpação total ou parcial do clitóris. Praticada na África, alguns pontos da Ásia, Indonésia, Malásia e no Oriente Médio (principalmente península arábica). Excisão, extirpação do clitóris e dos lábios menores total ou parcialmente. Certas etnias cauterizam o clitóris a fogo: os órgãos são friccionados com uma espécie de urtiga, que aparentemente deixa a região intumescida, o que facilita a visualização da área a ser cauterizada.

Pratica-se: 1) na África oriental: Egito, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão, Tanzânia, Uganda; na África ocidental: Benin, República dos Camarões, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Burkina Fasso, Libéria, Mali, Mauritânia, Niger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Togo; 2) na África central: República Centro-Africana, Chade, Zaire; 3) na península arábica: principalmente nas costas do Iêmen do Sul e Omã.

“Por que a mulher
cruzou a rua?
Quem se importa!
O que ela está
fazendo fora
da cozinha?”



Infibulação
, ou circuncisão faraônica, extirpação de todos os genitais externos, costurando-se (com espinhos) quase todo o orifício vaginal, as pernas podem permanecer amarradas por até 40 dias – deixa-se aberta uma pequena passagem para urina e menstruação, geralmente da espessura de um palito de fósforo. No caso das mulheres infibuladas, o sofrimento pode ser ainda maior. Na eventualidade de um parto, a vagina precisa ser reaberta (com uma navalha, por exemplo), a demora pode gerar pressão no crânio e na coluna da criança, e geralmente é fatal. Quando a mãe não faz a abertura da vagina, a saída do bebê do útero pode provocar cortes que vão da vagina ao anûs. Pratica-se na África oriental: Dijbuti, Etiópia, Somália, Sudão, Quênia; África ocidental: Mali, Burkina Fasso, Nigéria.

Pedaços de vidro, tampas de lata, tesoura, navalha ou gilete, este são os instrumentos mais utilizados nas “cirurgias”. Dores, hemorragia, infecções urinárias crônicas, abscessos, pedras na bexiga e na uretra, tétano, gangrena, obstrução do fluxo menstrual, choque cardíaco, sangramentos e hemorragias que podem levar à morte, problemas em orgãos vizinhos, hematomas e queimações ocasionadas pela passagem da urina geram retenção urinária, esterilidade provocada por infecções...

“Pesquisas comprovam que
a cerveja contém hormônios femininos
.
A prova disso é que os homens, quando bebem muita cerveja, falam muita
besteira e dirigem mau”

As mulheres não mutiladas são consideradas sujas
, acredita-se que um homem pode morrer caso seu pênis toque nesta região. Esse toque também é a crença para a morte de bebês no parto. Na tradição do Mali, o céu fecundou a terra antes de sua excisão dando origem ao chacal (um parente africano do lobo e da raposa), semeador da desordem no mundo. Assim, a criança nascida de uma mulher não excisada vem anunciar a desordem e o azar.

A origem da mutilação é desconhecida, é anterior tanto ao cristianismo quanto o islamismo, não sendo preceito de nenhuma das grandes religiões. Carlos Alberto Idoeta, diretor da Seção brasileira da Anistia Internacional, critica o que chama de um relativismo indiscriminado, visão multiculturalista que cria obstáculos ao universal. Segundo Idoeta, devemos antes de mais nada ouvir as vítimas. Deveríamos também preservar valores universais que minam a legitimidade de valores e práticas baseados na dominação e discriminação. Colocar-se contra aqueles que dizem que ir contra estes costumes seria uma causa eurocêntrica, que despreza os valores de outras culturas! (1)

Notas:

1. IDOETA, Carlos Alberto. Mutiladas In FERRAZ, Eduardo. Ocidente tenta coibir o ritual milenar africano de extirpação do clitóris de crianças e adolescentes. Disponível em: http://www.oocities.com/realidadebr/rn/mulcumana/m201196.htm Acessado em: 26/08/2010, publicado originalmente na Revista Isto É de novembro de 1996. MULHER, suplemento da Folha de São Paulo, ano 1 - n°47, São Paulo, 27 de fevereiro de 1983. O exemplo da mutilação genital feminina In HOGEMANN, Edna Raquel R. S. Direitos humanos: Sobre a Universalidade Rumo ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/brasil/textos/dh_univ.htm Acessado em: 04/05/2009. DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinsk. Luta Contra a Excisão, por. Revista Espaço Acadêmico, Ano I, nº3, 08/2001. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/003/03col_celuy.htm Acessado em: 04/05/2009.