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Roberto Acioli de Oliveira

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24 de mai. de 2009

Rosto sem Rosto: Prosopagnosia


Tomamos o sentido da visão como um dado em si. Tendemos a acreditar que olhar e ver, ou olhar e compreender aquilo que se olha, são coisas equivalentes. O máximo que fazemos com relação à visão é distingui-la do estado de cegueira, seja parcial ou absoluta. Ou nascemos já cegos, ou desenvolvemos a perda da visão ao longo da vida. O mais comum é percebermos a perda progressiva ao longo da vida em relação à capacidade de distinguir detalhes. Na cultura ocidental contemporânea tudo gira em torno da visão. Tudo é muito “visual”. Considere então a existência de uma disfunção orgânica que, ainda que não faça você perder a capacidade de ver, impede que seu cérebro organize as imagens permitindo que você possa reconhecer os rostos das pessoas à sua volta – incluindo aqueles de seus próprios familiares e amizades.


Prosopagnosia é o nome científico desta disfunção, que se caracteriza pela incapacidade em distinguir rostos. O termo é grego, prosopo (rosto) + agnosia (incapacidade para reconhecer). Podemos chamar de “cegueira facial”. Existe um pequeno ponto no centro do cérebro com apenas uma função, reconhecer um rosto em um décimo de segundo. A cegueira facial é uma disfunção deste pequeno ponto. Para quem tem cegueira facial, todo rosto é o rosto de um estranho. A pessoa não consegue fazer a leitura da linguagem não-verbal que nós normalmente fazemos quase automaticamente. É possível reconhecer um sorriso, mas não dá para saber se é um sorriso sarcástico, forçado ou feliz. Toda a carga não-verbal das mensagens que podemos passar pelo olhar (olhos tristes, por exemplo) não é captada por alguém com cegueira facial.

Documentada desde centenas de anos antes de Cristo, só foi nomeada em 1947, sendo considerada uma condição muito rara. Atualmente, o diagnóstico já é possível, mas ainda é muito difícil. Existe a hipótese de que haja uma ligação com autismo ou Síndrome de Asperger. Não há cura, apenas métodos para o reconhecimento de rostos. Por exemplo, podem se concentrar nas vozes das pessoas, movimentos característicos, cortes de cabelo, barba. Compreende-se então porque as pessoas que tem cegueira facial dizem ter grandes problemas com uniformes. Para ficar claro, não é a visão de alguém que é ruim, mas sua capacidade de reconhecer os rostos das pessoas. É como quando temos pouca capacidade de distinguir vozes, podemos ouvi-las perfeitamente, apenas não conseguimos ligar cada som a uma pessoa em particular – mesmo que seja uma pessoa próxima.

12 de mai. de 2009

Abismo Labiríntico


“Oh face estranha aí
no espelho! Companheiro
libertino,
sagrado anfitrião,
oh meu bufão varrido pela dor, 
que responder? Oh vós miríade 
que labutais, brincais, passais,
zombais,   desafiais,   vos
contrapondo!  Eu?
Eu? Eu? E vós?”

Sobre sua própria face num espelho

Ezra Pound



Embora nossa racionalidade negue, somos seres do abismo. Ao percebermos o abismo, nosso lado racional nos faz perder o controle e o tomamos por um delírio, desequilíbrio, desastre, doença. Não é que não seja exatamente assim. O ponto é percebermos que a questão é aprender a entrar e sair de si mesmo, entrar e sair do abismo. Exatamente para percebê-lo como tal e reconhecer o fato de que só sabemos dele quando saímos. Porém, fora dele, sempre o reencontramos – como se nunca o deixássemos.

Saímos dele a cada descoberta, a cada ultrapassagem de barreiras que impomos a nós mesmos e que não percebíamos como nossos verdadeiros algozes. Mas nunca terminamos de sair. Nunca terminamos de nos descobrir em nossos limites e na potência de superá-los.

Hora de sofrimento. Como um renascimento doloroso a cada instante que não reencontramos a saída. Na falta de um mapa, nos guiamos pelos ruídos que roçam nossas lembranças, nossas esperanças, nossos delírios. Ruídos do ser. Ruídos do ser do abismo. Delírios de esperanças, de lembranças, de poder e dominação, de amor e ódio. Ambições.

A posse de si mesmo, de sua alma (1). Ambição de quem pensa que os fantasmas dos quais tenta resgatar a si não são ele mesmo – ou parte dele mesmo, o que seria outra coisa, como uma roupa que se veste e tira, mas sem a qual não nos sentimos confortáveis. Como uma máscara, que se veste e tira, mas sem a qual... Às vezes para sentirmos dó de nossos fantasmas e solidão quando pensamos em abandoná-los. Como se sem nossos fantasmas não houvesse ninguém em casa. Ou, talvez pior, é como perceber que ninguém veio nos ver. (imagem acima, cena de O Carteiro e o Poeta, Il Postimo, 1994, direção de Michael Radford)

Purgados sempre novamente, os fantasmas não param de voltar – pois nunca saíram. Como as bordas do próximo abismo, que sucedem uma à outra. Presença na ausência, nossos próprios fantasmas se misturam àquelas pessoas que odiamos, que amamos, que não sabemos que amamos – sem esquecer os amores impossíveis. (imagem abaixo, autor Luis Fernando Veríssimo, JB, Revista de Domingo, 20/08/89)

Talvez não seja uma questão de encontrar a última saída do abismo – ou o último fantasma. Somos seres da andança. Nômades, apenas vamos. Navegantes sem mapa e sem sextante. A direção, devemos arrancar de nós mesmos, de nossas experiências em nossos abismos, nossas perdições, nossas perguntas sem resposta.

“Temos a arte
para que a verdade
não nos destrua”


Friedrich Nietzsche



Se for a respeito disso ou daquilo que ainda não nos testamos, então é isto que há a fazer. Não fugir da dor, por mais que doa! A recompensa? A posse de si na superação do medo do desconhecido, reconhecendo em nós mesmos o mais desconhecido – portanto o mais imprevisível, mas também e por isso mesmo a maior novidade. (imagem abaixo, um homem, abordado pela Morte, propõe uma partida de xadrez com o objetivo de ganhar tempo nesse mundo; mas ele tem um problema, está perdendo a fé. Cena de O Sétimo Selo, Det Sjunde Inseglet, 1956, direção de Ingmar Bergman)

Ruído mais ensurdecedor do ser, a imprevisibilidade quanto à quando saberemos mais de nós mesmos atordoa nossos sentidos – é a navegação sem rumo certo. O medo da dor nos afasta da imprevisibilidade, confundimos segurança e fim da busca. Sentidos atordoados em nossa sensibilidade e falta de sentido em nossa razão. Haverá sentido a buscar ?

Mas só a aceitação da imprevisibilidade (o imponderável, a novidade) nos leva às respostas. A segurança vem quando se percebe que respostas têm como função nos levar a novas perguntas. Como a saída do abismo não nos leva para fora dele, senão para outras de suas bifurcações. Como um labirinto sem fim. Busca sem fim, mostrará o melhor e o pior em nós. No final, não importa quantas mãos nos foram estendidas pelo caminho, será sempre apenas por nossas próprias que agiremos em direção a nós mesmos!

Uma arte do fazer-se. Como fazer um auto-retrato. Pelas próprias mãos modelar-se e remodelar-se. Um quadro sempre em tinta fresca, um desenho sempre a completar, uma escultura com o barro sempre molhado. Que não se enganem, esculturas em pedra ou ferro de nós mesmos não seriam como auto-retratos mais sólidos, muito pelo contrário. Nossa fluidez não está na tinta fresca ou no ferro duro, mas na força que os materiais têm para intensificar a sensação de si para nós mesmos.

É como jogar consigo mesmo. Ou, reaprender a jogar, reencontrar o caminho das sensações perdidas. Reencontrar o sentido das ações ou, o sentido que há (ou não) em fazer sentido. Uma tensão consigo mesmo e uma atenção aos sinais espalhados e disfarçados no labirinto. Jogar um jogo de dados, onde a certeza não existe. Mas é só quando a certeza não existe que podemos (se não temos medo da incerteza, da novidade) apostar no acaso. Apenas correndo o risco do acaso encontramos por nós mesmos aquilo que nos é próprio. “Lá onde nasce o perigo, cresce também o que salva” (Hölderlin). Ou, como diz Fernando Pessoa...

“O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas olhando para a direita e para a esquerda, e de vez em quando olhando para trás... e o que vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto, e eu sei dar por isso muito bem... sei ter o pasmo essencial que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras... sinto-me nascido a cada momento para
a eterna novidade do Mundo..."

Notas:

1. Na cena final do filme Platoon. “Agora, olhando para trás, eu acho que não lutamos contra nossos inimigos, lutamos contra nós mesmos. O inimigo estava em nós. Para mim a guerra acabou agora, mas sempre estará presente pelo resto da minha vida. Assim como Elias também estará lutando contra Barnes, como Rá falou, pela posse de minha alma. Desde então eu me sinto como uma criança que nasceu desses dois pais. Mas, seja como for, nós que sobrevivemos temos a obrigação de recomeçar. Ensinar aos outros o que aprendemos e... e tentar, com o que restou de nossas vidas, encontrar a bondade e o sentido desta vida”. 

6 de mai. de 2009

As Mulheres, Entre Ocidente e Oriente (final)


Nós Tratamos Bem Nossas Mulheres!

“Por que as mulheres
fecham os
olhos durante
o sexo? Elas não suportam
ver homem se divertindo”



Em seu livro, O Monstruoso Feminino, (1) Bárbara Creed nos mostra como, a partir do universo dos filmes de ficção científica, se dá a satanização da figura feminina no Ocidente. A misoginia também encontra seus elementos no gigantismo. Neste particular, mulheres, aranhas gigantes e extraterrestres concorrem quanto a maior monstruosidade. Vale lembrar também O Ataque da Mulher de 10 Metros (Attack of the 50-foot Woman, 1957), de Natan Hertz (imagem ao lado). Neste filme, uma esposa traída encontra um extraterrestre verde gigante que passava pelo nosso planeta em um disco voador, é transformada num enorme monstro vingador que estripa o marido infiel com as próprias mãos.


Que a mulher esteja associada a algo negativo não seria novidade no ocidente cristão. É como se na guerra tivéssemos a atualização de um rito de sacrifício masculino frente a alteridade feminina. E a ditadura da beleza (física)? Espartilhos, cremes anti-rugas e anti-celulite, plástica... Esticar é preciso? Por quê? Ah! Para realçar a juventude da alma... Por que pintar os cabelos brancos, que deveriam ao contrário ser motivo de orgulho, cada um deles. Ah! Para realçar a juventude da alma... Lipoaspiração... Lembremos da modelo Claudia Liz, que entrou em coma durante uma dessas invasões. Afinal, qual é a diferença entre a burka e o espartilho? A artista americana Alice Matkin pinta quadros de mulheres velhas nuas como forma de chamar atenção contra essa ditadura da “jovem, magra, beleza exterior”.

“Por que não se pode
confiar nas mulheres?
Como alguém pode
confiar em algo que
sangra p
or cinco dias
e não morre?”


Felix Guattari descreve a experiência das Mirabelles (grupo de teatro musical), que buscam incitar a exploração do movimento de transformação. Trata-se de um movimento de devir outro que pretende fugir daquilo que o corpo social repressivo nos impôs. O que significa buscar uma relação verdadeira com o desejo. É a idéia de viver essa relação ao nível dos corpos. (imagem acima, A Mulher Vespa, 1960; imagem abaixo, à esquerda, A Monstra, 1957. Juntamente com O Ataque da Mulher de 10 Metros, A Mulher Demônio de Marte, e tantos outros títulos, o cinema de ficção científica disseminava uma representação de mulher bem ao gosto do puritanismo norte-americano; na imagem ao lado, Jonsey, uma senhora de 64 anos pintada pela artista norte-americana Alice Matkins; imagem abaixo, detalhe de O Nascimento da Vênus, de Botticelli, 1485)


"O que é a mulher? O motor da vassoura"


“A questão não é mais a de saber se vamos desempenhar o papel feminino contra o masculino, ou o contrário, e sim fazer com que os corpos, todos os corpos, consigam livrar-se das representações e dos constrangimentos do ‘corpo social’, bem como das posturas, atitudes e comportamentos estereotipados, da ‘couraça’ de que falava Wilheim Reich. A alienação sexual, que é um dos fundamentos do capitalismo, implica na polarização do corpo social na masculinidade, enquanto que o corpo feminino se transforma em objeto de cobiça, em mercadoria, um território ao qual só se poderá ter acesso na culpabilidade e submetendo-se a todas as engrenagens do sistema (casamento, família, trabalho, etc...)” (2)

“Se mulher fosse bom,
Deus tinha uma”



Como se pode dizer que é um horror o tratamento que os muçulmanos dispensam às mulheres quando vulgarizamos as nossas, quando vendemos sua nudez, quando as chamamos de cachorras? Qual é exatamente a diferença entre obrigar mulheres a cobrir (Islã) ou descobrir (Ocidente) totalmente o corpo? A mistura entre sexo e violência parece ter se tornado uma ética/estética banal. Qual seria a motivação por trás desse excesso de visibilidade do corpo feminino no Ocidente? A pornografia, em seus vários graus, faz das mulheres objeto ou sujeito nas relações homem-mulher? Numa sociedade machista, com grandes doses de donjuanismo, poderíamos concluir que a mulher é objeto. E se provocássemos o falocentrismo sugerindo que esse desejo obcecado deriva do desejo de ser mulher, mais do que possuí-la?

“O que têm cerca de 20
centímetros de
comprimento,
mais ou menos cinco de
largura e deixa as mulheres
malucas? Dinheiro”

Temos também o futebol, bastião da masculinidade brasileira. Já repararam na maioria das comemorações de vitória em campo? Beijos, abraços, corpos sobre corpos, beijos, beijos, homens suados se tocando... Por outro lado, e para falar de Brasil, temos o turismo sexual e a cada vez mais descendente faixa etária das meninas que começam a carreira de modelo e manequim – por agora, 12 anos de idade. Nem vou questionar o fato de que a sociedade deveria preferir que nesta idade essas crianças utilizassem seu tempo para a escola e os estudos. (ao lado, A Mulher Demônio de Marte, 1954)

“Por que as mulheres
esfr
egam os olhos de manhã
quando acordam? Elas não
têm um saco para coçar”


Afinal, qual é a chave para compreender o papel da superexposição da mulher no seio de uma sociedade machista como a ocidental, e na brasileira em particular? Alguém pode dizer que a mulher tira a roupa e posa nua porque quer, ela não é obrigada. Havendo machismo lá como cá, a questão não parece ser mais quem mostra o que quiser. A questão parece ser quem manda, impõe, obriga a mostrar ou não! Coberta por uma burka ou pelada, a mulher sempre foi objeto. Tanto faz tirar-lhe ou não toda roupa. A liberdade delas foi sufocada muito antes. (na imagem ao lado, a burka)

“O que uma mulher de 75
anos tem entre os seios que uma de 25 não tem? O umbigo”

Heloneida Studart, comentou sobre o hábito machista de chamar uma mulher de cachorra. Aos 15 anos escreveu 3 artigos contra a frase “a mulher é um corpo lindo”. No colégio de freiras em que estudava as madres aprovaram. Porém, ela não via pelo prisma religioso, para o qual a mulher nem devia ter corpo, só espírito. Seu ponto de vista ia além, a mulher seria também caráter, emoção, intelecto e inteligência... (ao lado, deformações causadas pelo espartilho)


“Qual é
a melhor
parte do
sexo
oral?
10 minutos
de silêncio”



Entretanto, eleita ao posto de cachorra, a mulher passaria a ser literalmente (posto que indiretamente sempre fora) identificada com um animal que lambe a mão do dono mesmo depois de espancada, e que no cio aceita 10, 15 ou 20 cães ao mesmo tempo. Heloneida chama atenção para os anos de luta pela valorização feminina que estariam sendo renegados pelas próprias mulheres ao permitirem ser apelidadas de cachorras. Termina dizendo que “ter convicções é urgente. Antes que, depois de sermos chamadas de cachorras, passemos a ser tratadas como baratas” (3). Por que os homens não se questionam a respeito das piadas que fazem sobre mulheres... no Ocidente? Talvez porque alguns homens não são suficientemente machos para deixar de tomar atitudes misóginas e preconceituosas!

Notas:

Leia também:

As Deusas de François Truffaut

1. CREED, Barbara. The Monstrous-Feminine. Film, Feminism, Psychoanalysis. London: Routledge, 1993.
2. GUATTARI, Felix. Revolução Molecular: Pulsões Políticas do Desejo. Tradução Suely Belinda Rolnik. São Paulo: Ed. Brasiliense S A, 3a ed. 1987. P.43.
3. STUDART, Heloneida. Mulher não é cachorra. Rio de Janeiro: LÚMEN – Boletim Cultural do Colégio Rio de Janeiro. Ano LXIII – Abril-Maio-Junho/2001.

5 de mai. de 2009

As Mulheres, Entre Ocidente e Oriente (II)


O Inferno na Terra

Os números são assustadores, 6000 casos por dia, perto de 2 milhões por ano. Cerca de 135 milhões de mulheres já foram submetidas a esta tortura. Até pouco tempo esta tortura era chamada de circuncisão, mas agora recebeu a classificação de Mutilação Genital Feminina, pelo comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres. Diga-se de passagem, desde 1981 a Anistia Internacional alertou para o problema na reunião do Conselho Internacional da ONU, mas só entrou na pauta em 1985... Então, em 1996... a ONU se moveu, através do citado comitê, rejeitando a tese do relativismo cultural e passando a considerar a mutilação como crime contra os direitos humanos.

As mutilações estão sendo consideradas motivo justo para pedido de asilo em alguns países. Estados Unidos, Canadá e Suécia estão entre os que receberam mulheres que fugiam desse destino. Em função da imigração, nos países ocidentais estão ocorrendo cada vez mais casos. Na França, mas de 20.000 mulheres são mutiladas por ano. Em 1982 foi criada a CAMS-F, Comissão de Abolição de Mutilações Sexuais na França, a partir da criminalização do ato. O tema também foi discutido no 15° Congresso Mundial de Sexologia, em Paris, em junho de 2001. São três as formas da mutilação: Clitoridectomia, Excisão e Infibulação. (imagem acima, a modelo internacional Waris Dirie. Nascida na Somália em 1965, teve sua vagina mutilada aos cinco anos de idade. Hoje é uma embaixadora das Nações Unidas e combate a mutilação genital feminina. Escreveu um livro, Flor do Deserto, onde conta sua experiência)

“Qual a diferença entre a mulher com tpm e um pitbull? Batom”

Clitoridectomia
, circuncisão simples ou suna. Extirpação total ou parcial do clitóris. Praticada na África, alguns pontos da Ásia, Indonésia, Malásia e no Oriente Médio (principalmente península arábica). Excisão, extirpação do clitóris e dos lábios menores total ou parcialmente. Certas etnias cauterizam o clitóris a fogo: os órgãos são friccionados com uma espécie de urtiga, que aparentemente deixa a região intumescida, o que facilita a visualização da área a ser cauterizada.

Pratica-se: 1) na África oriental: Egito, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão, Tanzânia, Uganda; na África ocidental: Benin, República dos Camarões, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Burkina Fasso, Libéria, Mali, Mauritânia, Niger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Togo; 2) na África central: República Centro-Africana, Chade, Zaire; 3) na península arábica: principalmente nas costas do Iêmen do Sul e Omã.

“Por que a mulher
cruzou a rua?
Quem se importa!
O que ela está
fazendo fora
da cozinha?”



Infibulação
, ou circuncisão faraônica, extirpação de todos os genitais externos, costurando-se (com espinhos) quase todo o orifício vaginal, as pernas podem permanecer amarradas por até 40 dias – deixa-se aberta uma pequena passagem para urina e menstruação, geralmente da espessura de um palito de fósforo. No caso das mulheres infibuladas, o sofrimento pode ser ainda maior. Na eventualidade de um parto, a vagina precisa ser reaberta (com uma navalha, por exemplo), a demora pode gerar pressão no crânio e na coluna da criança, e geralmente é fatal. Quando a mãe não faz a abertura da vagina, a saída do bebê do útero pode provocar cortes que vão da vagina ao anûs. Pratica-se na África oriental: Dijbuti, Etiópia, Somália, Sudão, Quênia; África ocidental: Mali, Burkina Fasso, Nigéria.

Pedaços de vidro, tampas de lata, tesoura, navalha ou gilete, este são os instrumentos mais utilizados nas “cirurgias”. Dores, hemorragia, infecções urinárias crônicas, abscessos, pedras na bexiga e na uretra, tétano, gangrena, obstrução do fluxo menstrual, choque cardíaco, sangramentos e hemorragias que podem levar à morte, problemas em orgãos vizinhos, hematomas e queimações ocasionadas pela passagem da urina geram retenção urinária, esterilidade provocada por infecções...

“Pesquisas comprovam que
a cerveja contém hormônios femininos
.
A prova disso é que os homens, quando bebem muita cerveja, falam muita
besteira e dirigem mau”

As mulheres não mutiladas são consideradas sujas
, acredita-se que um homem pode morrer caso seu pênis toque nesta região. Esse toque também é a crença para a morte de bebês no parto. Na tradição do Mali, o céu fecundou a terra antes de sua excisão dando origem ao chacal (um parente africano do lobo e da raposa), semeador da desordem no mundo. Assim, a criança nascida de uma mulher não excisada vem anunciar a desordem e o azar.

A origem da mutilação é desconhecida, é anterior tanto ao cristianismo quanto o islamismo, não sendo preceito de nenhuma das grandes religiões. Carlos Alberto Idoeta, diretor da Seção brasileira da Anistia Internacional, critica o que chama de um relativismo indiscriminado, visão multiculturalista que cria obstáculos ao universal. Segundo Idoeta, devemos antes de mais nada ouvir as vítimas. Deveríamos também preservar valores universais que minam a legitimidade de valores e práticas baseados na dominação e discriminação. Colocar-se contra aqueles que dizem que ir contra estes costumes seria uma causa eurocêntrica, que despreza os valores de outras culturas! (1)

Notas:

1. IDOETA, Carlos Alberto. Mutiladas In FERRAZ, Eduardo. Ocidente tenta coibir o ritual milenar africano de extirpação do clitóris de crianças e adolescentes. Disponível em: http://www.oocities.com/realidadebr/rn/mulcumana/m201196.htm Acessado em: 26/08/2010, publicado originalmente na Revista Isto É de novembro de 1996. MULHER, suplemento da Folha de São Paulo, ano 1 - n°47, São Paulo, 27 de fevereiro de 1983. O exemplo da mutilação genital feminina In HOGEMANN, Edna Raquel R. S. Direitos humanos: Sobre a Universalidade Rumo ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/brasil/textos/dh_univ.htm Acessado em: 04/05/2009. DAMÁSIO, Celuy Roberta Hundzinsk. Luta Contra a Excisão, por. Revista Espaço Acadêmico, Ano I, nº3, 08/2001. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/003/03col_celuy.htm Acessado em: 04/05/2009.

4 de mai. de 2009

As Mulheres, Entre Ocidente e Oriente (I)



“Por que Deus fez
o homem primeiro?
Ele não
queria
uma mulher
dando palpite”




Relativismo Cultural

Segundo a postura do Relativismo, as pessoas de uma cultura não podem utilizar seus próprios pontos de vista para questionar a “validade ética” de costumes praticados por uma outra cultura. Para além do fato de que somos todos seres humanos, a visão de mundo de um grupo social não poderia ser considerada “mais humana” do que a de outro grupo – e portanto não poderia ser utilizada para estabelecer o que é certo e o que é errado para todos os outros grupos -, não importando em relação a que costume se esteja elogiando ou criticando. Hábitos que são normais em certas culturas, como, por exemplo, fazer guerra de comida em programas televisivos ocidentais, é considerado um sacrilégio para os árabes. Nem por isso ouvimos países árabes questionando a humanidade de pessoas que no Ocidente cristão utilizam comida para isso.

A pergunta que se pode fazer é, seria o universal uma invenção européia? Critica-se a infibulação das mulheres nas culturais não ocidentais, mas porque a ONU não toma medidas mais enérgicas para dar um fim à indústria armamentista em nome da preservação de direitos universais? Porque a ONU não questiona a crueldade, a pusilanimidade, dos valores norte-americanos que preservam a todo custo o que eles chamam de “direito de cada cidadão possuir uma arma de fogo”?

“Por que as mulheres têm
seios? Assim os homens
falam com elas”


Nas sociedades que compõem a cultura Ocidental não há infibulação, mas por um bom número de séculos a mulher casada que esboçasse algum prazer sexual era vista como prostituta. Onde está a lógica ao se censurar outra cultura por desumanidade quando somos piores que eles (mesmo não obrigando à infibularem-se as mulheres)? Claro, essas mulheres sofrem. Para elas o Ocidente significa liberdade. Não poderia censurá-las por nos considerar um mundo livre. Mas... sabemos que não somos! A propósito, não é no Ocidente que acontecem cirurgias de reconstituição do hímem?

Tudo aqui gira em torno de uma misoginia sufocante. A burka, aquele capuz que as mulheres são obrigadas a usar em alguns países muçulmanos, é apenas um dos exemplos. Nos países muçulmanos em geral, a vida das mulheres está nas mãos dos homens. Literalmente, elas podem ser assassinadas caso desobedeçam a certos mandamentos de Alá, o misericordioso. Mulheres e meninas não freqüentaram escolas enquanto o Talibã dominou o Afeganistão (não que isso seja possível caso seus inimigos consigam expulsá-los do poder). (imagem no início do artigo, Toilet, de Fernando Botero, 1989; imagem acima, Alegoria com Vênus, de Agnolo Bronzino, 1545; ao lado, A Bela Rosina, de Antine Wiertz, 1847)

“Como você faz sua esposa gritar
por uma hora depois do sexo?
Limpa seu bilau [pênis] na cortina”




O exemplo do tratamento dado aos terroristas que se explodem também é bastante didático. Uma revisão mais cuidadosa das reportagens e comentários da mídia mostraria claramente a ênfase no detalhe das 72 virgens que estariam à espera dos Shahid quando adentrassem o paraíso (quando explodissem). Desqualificou-se o heroísmo e o altruísmo do ato de suicidar-se, sugerindo ser pueril e/ou libidinoso o objetivo que moveu os terroristas-suicidas (1) (a não ser que o suicida seja um Ocidental lutando pelo governo). Ora, o comentário é feito decididamente a partir da visão que o Ocidente construiu sobre as mulheres e a virgindade. Entrementes, apesar de todos os avanços, sabemos que, da mesma forma, a mulher no Ocidente ainda é basicamente um objeto. Cabe perguntar então, por que a mãe de Jesus era virgem? Seria uma... exigência, um costume baseado na discriminação? O que significa uma virgem para o islã, alguém se perguntou? (2)

Notas:

1. Sobre o papel de subserviência da mídia, internacional e nacional, às diretivas do governo norte-americano nesse caso, duas fontes interessantes são os artigos “De olho na imprensa” e “A escória da mídia”. Ambos no suplemento especial “Por trás da guerra”, de dezembro de 2001, da Revista Caros Amigos. Pp. 33-35.

2. Um grupo de mulheres afegãs afirmou que nada vai mudar depois que o Talibã sair do poder, abrindo espaço para a Aliança do Norte. Nada vai mudar, entenda-se, para a condição feminina. Rawa: 'Os crimes dos Talibãs são os mesmos da Aliança do Norte', quinta-Feira , 22/11/2001 - 14h49m - GloboNews.com

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