11 de jun. de 2011

Rostos da Ópera de Pequim





A maquiagem facial
delibe
radamente distorce
as linhas do rosto do ator na
ópera chinesa
. Primeiro não se
acredita que reflita seu caráter
,
e também porque é preciso
fazer surgir o carát
er
do personagem
(1)




As maquiagens da Ópera chinesa se dividem entre jing (rostos pintados) e chou (palhaços). Sua forma, cores e padrões simbolizam as características de papéis específicos. Desta forma, uma platéia informada poderá facilmente diferenciar o herói e o vilão, um sábio de um idiota, aqueles que devem ser amados ou odiados, respeitados ou ridicularizados. Nesse contexto artístico, seria apropriado se referir ao rosto pintado como “um espelho da alma” (2). Segundo consta, os padrões de pintura facial evoluíram da mistura de duas formas anteriores de disfarce facial ou decoração usada em performances teatrais: a máscara usada pelo daimian (um papel estilo jing) numa dança da dinastia Tang (618-907) e o tumian (“rosto lambuzado”), do papel sub-jing na ópera Cajun – um tipo de sátira popular, durante as dinastias Tang e Song (960-1279). Wong Ouhong explicou em 1988 que o embrião dos rostos pintados da ópera chinesa era o totem primitivo. Com o tempo, esse totem evoluiu para uma máscara usada pelos dançarinos nas cerimônias de sacrifício ao Deus Exorcista durante a primavera e o outono.



Na ópera chinesa,
a maquiagem facial
tomaria   o   lug
ar da
máscara
, pois é mais
eficiente ao mostrar
expressões faciais


Posteriormente, a máscara se desenvolveu sucessivamente no daimian (“rosto substituto”, um tipo mais elaborado de máscara) das dinastias Han e Tang, o tumian (“rosto lambuzado”) das dinastias Song e Yuan, e o lianpu (rosto pintado, literalmente “padrão facial”) das dinastias Ming e Qing. Contudo o rosto pintado, afirmou Ouhong, não substituiu totalmente a máscara nos palcos chineses, ambos ainda são utilizados. Com seu simbolismo e exageros, os rostos pintados que aparecem na ópera de Pequim representam o caráter de um personagem. Muitas vezes olhos, sobrancelhas e bochechas são retratados como morcegos, borboletas, ou asas de andorinhas, que juntas com bocas e narizes exagerados produzem as expressões faciais desejadas. Um personagem otimista geralmente é retratado com olhos claros e sobrancelha lisa, enquanto alguém enlutado ou cruel aparece com olhos semi-serrados e sobrancelha enrugada.




Tudo  teria  começado
com   uma   homenagem
à bravura de um príncipe
que escondeu seu rosto de
linhas suaves por trás de
uma máscara medonha



Segundo reza a lenda, o príncipe Lanling era um grande guerreiro da dinastia Tang, mas tinha um rosto muito feminino. Para assustar seus inimigos, ele usada uma máscara horripilante no campo de batalha. Seu povo tinha tanto orgulho da bravura dele que compôs música e dança em sua homenagem, onde os atores usavam máscaras. A partir daí, começa o costume de os atores usarem máscaras. Essas máscaras podem ser consideradas fósseis vivos na história da maquiagem facial da ópera chinesa. Elas perderam importância para a maquiagem porque com esta os atores podiam melhor mostrar expressões faciais. No começo, apenas três cores contrastantes eram utilizadas: vermelho, branco e preto. Olhos, orelhas, nariz e contornos do rosto eram claramente delineados, e os elementos mais característicos de cada personagem eram exagerados – sobrancelhas grossas, olhos grandes, nariz arrebitado e boca grande. Entre o final do século 18 e começo do seguinte, a arte da maquiagem facial estava se desenvolvendo rapidamente. As diferenças entre os personagens ficaram mais evidentes e muitos “rostos novos” foram criados, retratando personagens históricos e lendários.



Classificam-se os
personagens a partir
de um código visual que
traduz seu temper
amento.
A natureza humana será 
traduzida na mistura
de todas as cores


Na medida em que mais cores foram sendo usadas, gradualmente adquiriram significados simbólicos. Em geral, o vermelho é a cor da lealdade e da coragem; púrpura, da esperança, bravura e da firmeza; preto, lealdade e integridade; branco aquoso, crueldade e traição; branco oleoso, alguém empolado e dominador; azul, valor e determinação; verde, cavalheirismo; amarelo, brutalidade; vermelho escuro, um guerreiro leal e testado pelo tempo; cinza, um patife. Ouro e prata são usados nos rostos e corpos de divindades, Budas, espíritos e demônios, porque seu brilho produz efeitos sobrenaturais. Entretanto, essa divisão entre as cores não é rígida. O que faz muito sentido (simbólico), já que na ópera de Pequim as cores são utilizadas para simbolizar a natureza humana. Apesar da profusão de cores, não existe mais do que uma dúzia de tipos de rostos pintados, porém muitos subtipos são criados a partir de empréstimo e intercâmbio de cores e padrões. Os subtipos são baseados nas diferenças de temperamento, nas linhas e cores da maquiagem de personagens com a mesma função, que, entretanto, desempenham suas partes de forma distinta. Como cada personagem é dotado de individualidade, não existem dois rostos pintados iguais.

Notas:

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1. JIQING, YAN; MENGLIN, Zhao. Peking Opera Painted Faces. With notes on 200 operas. Beijing: Mourning Glory Publishers, 1996. P. 25.
2. Idem, pp. 11-5.