3 de fev. de 2009

Os Biblioclastas (final)


Um Mundo Bizarro 

Na opinião de Fernando Báez, geralmente todo esse ódio totalitário e apocalíptico contra o livro parte de pessoas com tendências muito específicas: são porta-vozes de tentações coletivistas ou de utopias milenaristas, podem ter também preconceito de classe e/ou um comportamento despótico, burocrático e servil. Esses biblioclastas, os destruidores de livros, curiosamente possuem um livro que seguem e que julgam eterno. Sendo eterno, seu conteúdo adquire uma condição categórica que legitima sua procedência divina (seja Corão, Bíblia, ou o programa de um movimento religioso, social, artístico ou político) (1). Nem só de ignorantes são formadas as fileiras da Inquisição biblioclasta. Báez confessa que, após 12 anos de estudo, concluiu que quanto mais culto é um povo, um homem ou uma mulher, mas disposto se mostra a eliminar livros e se deixar dominar por mitos apocalípticos.

Foram biblioclastas René Descartes, David Hume, o Movimento Futurista, os poetas nadaístas colombianos, Vladimir Nabokov e Martin Heidegger. Além disso, parece que em alguns países é costume os alunos queimarem seus livros e textos de estudo como cerimônia não oficial de conclusão do ensino médio. Mas isso supostamente acontece também num ritual secreto na famosa Universidade de Harvard – lá onde estudou Barack Obama, o atual presidente do mundo.

Em 1982, na cidade de Monticello, no Estado Norte-Americano de Minnesota, três líderes fundamentalistas organizaram uma queima. Em 30 de dezembro de 2001, numa cidade do sudoeste dos Estados Unidos, uma comunidade religiosa queimou centenas de exemplares de Harry Potter. Jack Brock, o pastor, advertia que esses livros eram ruins para jovens, porque estimulavam a feitiçaria. Segundo Brock, Harry Potter é o diabo. Lançaram ao fogo também romances de Stephen King (2). Em 2001, membros da Assembléia de Deus na Pensilvânia cantavam enquanto queimavam livros, cd’s e vídeos que julgavam ofensivos a seu Deus. (imagem ao lado)

O Mundo da Internet

Desde que a internet se disseminou pelo mundo, podemos cada vez mais escrever nossos livros e textos e opiniões na rede mundial de computadores (World Wide Web: www). Se por um lado a virtualização do texto escrito facilita a difusão de informações e de conhecimento, por outro facilita também a vida dos inquisidores. Uma vez que possuam em suas fileiras ovelhas que entendam de navegação na rede, podem invadir e destruir os sítios particulares, ou de grupos e empresas. Portanto, a perseguição continua! A mesma sensação de pavor que causa a invasão do domicílio de alguém pode voltar quando se vê todo seu trabalho ir por água abaixo por obra de um invasor eletrônico. (imagem abaixo, durante o golpe do general Pinochet no Chile em 1973, soldados queimam livros proibidospelo novo Senhor)

Num certo sentido, a intolerância pode se disseminar através da rede com muito mais velocidade do que pelos meios normais. Alguém no Brasil pode destruir um sítio no Egito ou Paris. Além disso, como são países diferentes, o destruidor, se e quando for descoberto, poderá ficar impune caso esteja protegido pela legislação de seu país de origem. Neste ponto, o comentário de Báez está desatualizado quando ele afirma que “não está longe o dia em que no lugar do fogo os biblioclastas utilizarão programas informáticos destrutivos, limpos e devastadores” (3). De fato, constitui grande desafio para alguns espíritos dogmáticos compreender o que significa a afirmação de que todo cidadão tem direitos e deveres, e que ninguém poderá ser privado de amplo direito de defesa (de si mesmo e de suas idéias) (4).

Notas:

Leia também:

François Truffaut e Seus Livros

1. BÁEZ, Fernando. História Universal da Destruição dos Livros. Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque. Tradução Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. P. 25.
2. Idem, p. 305.
3. Ibidem, p. 321.
4. 
Intellectual Freedom? Yes! Censorship? No!