como os nazistas, consideram
o diferente inferior. Algumas
pessoas, por outro lado, são
tão obcecadas pela imagem
do diferente que terminam por
anular justamente suas próprias
características originais, que
as tornam diferentes
Espelho, Espelho Meu...
Faz alguns anos que assistimos à disseminação de mais uma bizarria contra o corpo humano. Especialmente na China, um país onde a estatura das pessoas é menor do que no Ocidente, faz sucesso uma cirurgia ortopédica para aumentar a altura das pessoas. E adivinhem em que grupo essa prática faz mais sucesso? Os jovens. Esta cirurgia já existe a uns cinqüenta anos, sendo indicada basicamente para correção de deformações físicas. Mas o caso Chinês tem uma motivação bem diferente. Com a dominância do modelo de beleza ocidental, os chineses começam a discriminar suas próprias características físicas. Não querem mais ser baixos, como a natureza os fez e com isso deu-lhes características próprias.

Resultado, para ganhar alguns centímetros a mais, as mulheres chinesas submetem-se a sofrimentos talvez ainda maiores do que aqueles decorrentes do comportamento anoréxico e bulímico que se alastra no mundo em proporções epidêmicas. A cirurgia consiste em quebrar as pernas em vários lugares, mas apenas a camada externa do osso, deixando a medula intacta. Fios de aço ligam os ossos a uma estrutura metálica que envolve a perna. Essa estrutura é reajustada quatro vezes por dia, esticando o osso. A cada ajuste, o corte feito no osso se abre e o espaço é preenchido com tecido ósseo no processo de regeneração. Detalhe, o processo não é indolor. (imagem no início do artigo, Ministro do Tempo, 1976. Roberto Magalhães)


A Tirania Cronológica: A Vida Como Tic-Tac
O problema não é que eles pensem o que quiserem pensar, mas que acabem decidindo não comprar os produtos oferecidos. Já pensou se alguém ganha mais quarenta anos de vida e a indústria descobre que essa pessoa nunca vai consumir seus produtos? Seria o caos mercadológico! Desta forma, as pessoas que consomem esses produtos se adaptam à idéia de que “remoçar” é regredir no tempo. E também aceitam que “regredir” é uma coisa boa.
O “comportamento jovial” de alguém que física e cronologicamente não é mais um jovem não deveria indicar uma tendência regressiva, mas é justamente a isso que induz o ponto de vista cronológico. Assim, primeiramente a ênfase no ponto de vista cronológico nos faz sentir inferiores (atacando nossa auto-estima), já que nosso exterior não é mais jovem. Em seguida, o próprio ponto de vista cronológico vende para nós a solução – e “vender” é o verbo correto para ser empregado aqui. Qual é a solução? Reverta a cronologia de seu exterior, fique mais jovem por fora, disfarce a maturação de seu corpo físico, disfarce sua velhice!
Para tentar romper com o ponto de vista cronológico, talvez “comportamento jovial” não tenha que entrar em contradição com o corpo físico. Jovial é aquele que aprende a viver a soma da juventude, da maturidade e da velhice (passado, presente e futuro) como simultaneidades. Cair de cabeça na indústria do rejuvenescimento, pensar cronologicamente a vida, é instrumentalizar demais coisas que não são materiais. A jovialidade é um sentimento e, como tal, não poderia ser fruto de uma plástica ou de um produto químico. Tomar viagra ou fazer plástica não é a questão. A questão é reforçar o sentimento de juventude-maturidade-velhice enquanto simultaneidade que está dentro de nós o tempo todo – sim, inclusive no bebê e na criança. Ser jovem, maduro e idoso, são sentimentos concomitantes em nosso presente e afloram o tempo todo de acordo com os humores de cada momento. Enfatizar apenas um em detrimento dos outros é como tentar andar com apenas uma perna. É esquecer que nosso andar depende não só da outra perna, mas também da coluna, da bacia, dos braços, da cabeça, dos músculos e do sangue. Nesse sentido, passado, presente e futuro se intercambiam para formar o sentimento do viver.
Quando seu corpo será suficiente?
Esculpir o Tempo, Fluir a Vida

O tempo deveria
ser entendido como
um aliado de nossos corpos.
A passagem do tempo deveria
ser um alívio e não uma fonte
de desnorteio. Mas este tipo
de raciocínio não é lucrativo
para o mercado de consumo
(que nos consome)
O tempo não está aí para ser esquartejado e transformado em produto para vender. O tempo está aí para ser esculpido. Deveríamos nos preocupar em esculpir não nossos corpos, mas nossas vidas. Naturalmente, eu percebo que o tempo se esculpe em nossos corpos. Mas, quem sabe, talvez sejamos nós que o esculpimos em nossos corpos, mesmo que não tenhamos preocupações quanto ao rejuvenescimento. Ou talvez não, quem sabe é ele mesmo se esculpindo em nossos corpos. Talvez ele esteja tentando dialogar conosco. Talvez o tempo esteja procurando uma forma de nos dizer que ele não é um problema, mas parte da solução. Mas não ouvimos. Preferimos não ouvir! Preferimos acreditar que ele lança sobre nós uma maldição cronológica. E alguém nos fez preferir lutar com as mesmas armas cronológicas. (imagem acima, Mulher do Futuro, 1975. Roberto Magalhães)
Mas o tempo não para, não para não! O tempo cronológico não, mas esta é apenas uma das facetas do tempo. Ele flui também, em todas as direções simultaneamente. O fluir de um rio, por exemplo, não é apenas cronológico. Sim, ele segue sempre uma direção, mas enquanto isso ele se bate em todas as direções possíveis. A questão é que essas direções possíveis no interior de sua correnteza deveriam importar mais do que o fato inexorável de que ele sempre terminará no mar. Sim, o rio passa sim! Mas é o seu fluir que importa. A passagem do rio (tempo) esculpi as margens e a paisagem (nossos corpos físicos?), o turbilhão da correnteza esculpe seu interior! O rio esculpe as margens enquanto esculpe a si mesmo. Mas essa escultura interior que o rio faz de si mesmo depende da firmeza com que as margens são marcadas solidamente na terra e na rocha. Portanto existe uma interação entre o interior e o exterior, entre o tempo que flui e o tempo cronológico. Um não existe sem o outro, o rio só seguirá em frente se tiver um turbilhão – se tiver vida interior. Só terá um turbilhão interior seguindo em frente, para o mar que o dominará fisicamente.
Quando seu corpo será suficiente?
Notas:
1. Os Chineses querem Crescer. Cirurgia Ortopédica Para Aumentar a Estatura Vira Obsessão na China. Natasha Madov. Revista Veja, 22 de maio de 2002.
2. Australian councillor, Hajnal Ban, has legs broken to become taller. Sophie Tedmanson. Times online, 01/05/2009. Disponível em: http://women.timesonline.co.uk/tol/life_and_style/women/article6196646.ece Acessado em: 28/05/2009.