3 de jul. de 2010

O Olho e o Corpo: Erotismo em Pablo Picasso


“O olhar
é a
ereção
do olho”

Jean Clair (1)


Da minhoca com seu corpo anelado ao homem com suas vértebras, a simetria se torna mais e mais obrigatória à medida que a variedade dos seres vivos enriquece. Picasso ataca a simetria, ataca a harmonia das formas, desorganiza as articulações naturais do corpo. A anatomia explode (2). Bem antes disso, o erotismo já estava presente na pintura de Picasso desde a infância (3). Não é para menos, ele era espanhol! O “pecado da carne” tem um lugar na tradição literária daquele país. Evidentemente, esse “mau amor” está em oposição direta ao “bom amor”, fundado sob o espírito cristão do amor de Deus – e de uma Igreja que queimava quem não concordava. (imagem acima, Femme Nue Allogée [Les Voyeurs], também conhecida como Grand Nu Alogé, ou ainda, como Suzanne et les Vieillards, 1955; tudoisso para enfatizar as figuras escondidas na janela, olhando para o corpo nu da mulher)

Robert Rosenblum sugere que por alguns momentos deixemos nossa imaginação se soltar em Les Demoiselles d’Avignon (1907). Sem levar em consideração toda a questão por trás das máscaras africanas que Picasso usou como modelos para os rostos, poderíamos pensar numa cena de palco de teatro com mulheres nuas (imagem ao lado). Em Salomé (1905) (imagem acima, à direita), Picasso já nos havia dado sua interpretação da “mulher fatal”. Ele inventou um espetáculo erótico que escapa em parte ao espectador da obra. Ao contrário das Demoiselles, vemos apenas as costas dela enquanto se mostra integralmente a Herodes. Apenas ao rei Salomé expõe seu sexo sem pudores. De acordo com Robert Rosenblum, esse tipo de voyeurismo era muito comum no Picasso dessa época. Entre 1905-7, ele desenhava muitas mulheres com as coxas bem abertas. Sua obra será marcada por uma “franqueza ginecológica”. Sabemos agora que Les Demoiselles d’Avignon retrata na verdade o salão de uma casa onde se expunham as prostitutas a um cliente eventual (4).

Les Demoiselles d’Avignon sintetiza um grande número de convenções da diversão erótica e integra também os dispositivos cênicos que os pintores utilizavam no tempo da juventude de Pablo Picasso para representar a vida nos bordéis. Enfim, não era incomum a exposição das mulheres aos olhos dos compradores. Muito tempo depois, em 1968, Picasso cria um desenho blasfematório - especialmente do ponto de vista de um espanhol. Em Raphaël et la fournarina. III: Avec le Pape em Voyeur Caché (imagem ao lado), o pintor representa o próprio Papa como um voyeur dos prazeres da carne - os prazeres do "mau amor". Chamando atenção para este pequeno desenho, Rosenblum nos lembra que mesmo velho, e ainda mais do que em sua juventude, Picasso continuava a colocar em cena o teatro sexual que formigava em sua imaginação.

Notas:

Fonte das imagens: on-line Picasso Project

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Buñuel, o Blasfemador (I), (II), (final)

1. Érotique de l’art. Paris: Taschen, 1993. P. 56. Citado em ROEGIERS, Patrick. Le Braquemart, La vulve et l ‘Oeil Exorbité du Peintre In Picasso Erotique. Paris : Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 2001. P. 72. Catálogo de exposição.
2. CLAIR, Jean. Leçon d’Abîme. In Op. Cit., Picasso Erotique. P. 23.
3. OCAÑA, Maria Teresa. Del “Mal Amour” In Op. Cit., Picasso Erotique. P. 86.
4. ROSENBLUM, Robert. Les Demoiselles d’Avignon et le Théâtre Érotique de Picasso In Op. Cit., Picasso Erotique. Pp. 94, 97 e 99.