21 de abr. de 2011

Chaplin e o Macarthismo


Charles Chaplin considerava Monsieur Verdoux (1947) seu filme mais brilhante. Trata-se da história de um assassino em série que termina guilhotinado. A idéia foi sugerida por Orson Welles, para um documentário em forma de novela sobre Henri Désiré Landru. Executado em 1922, após ter matado dez esposas, um cachorro e um rapaz. Chaplin comprou a idéia de Welles e levou quatro anos para escrever um roteiro. Durante a cena do julgamento, Chaplin faria uma comparação entre o assassinato privado e o público. “Com relação ao assassinato em série”, declara Verdoux, “não é algo que o mundo encoraja? Não se fabricam armas com a intenção de matar milhares de pessoas? Um assassinato faz um vilão. Milhões, fazem um herói. Os números santificam”. Imagine alguém criticar a destruição em massa apenas dois anos depois do final da Segunda Guerra Mundial. Imagine alguém criticar armas de destruição em massa apenas dois anos após os Estados Unidos lançarem duas bombas atômicas sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Começam aqui os problemas de Charles Chaplin, que após uma longa e próspera carreira (para si mesmo e para o cinema norte-americano) o levarão a deixar os Estados Unidos para sempre.


O cineasta francês
Claude Chabrol também
f
aria um filme sobre Landru.
Mas  como  Chabrol  mesm
o
disse
,  seu  Landru  era  um
“cara esquisito”
, enquanto
o Verdoux de Chaplin
era um filósofo


No final da década de 40 do século passado, quando os Estados Unidos não precisavam mais que a população apoiasse a União Soviética para que Hitler fosse derrotado, o sentimento anticomunista cresce naquele país. Inicialmente, o roteiro foi censurado por completo, sob alegação de que criticava a estrutura social contemporânea. A estréia de Monsieur Verdoux aconteceu durante o auge da paranóia política da “caça as bruxas”. A primeira entrevista coletiva foi marcada por questionamentos hostis por parte de jornalistas comprometidos (ou pressionados) pela ultra-direita, queriam saber por que Chaplin (nascido na Inglaterra) nunca havia se naturalizado norte-americano, sobre suas simpatias políticas e seus impostos. Foram organizados piquetes na frente dos cinemas que projetavam o filme, obrigado a United Artists a suspender as projeções – em tempo, esse estúdio foi fundado por Chaplin, pela atriz Mary Pickford e pelo cineasta D.W. Griffith, reconhecido concomitantemente como um dos pais do cinema e como o diretor de um dos filmes mais racistas de todos os tempos, O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915). O calvário de Chaplin duraria até 1952, quando deixaria a “terra das oportunidades” para sempre.



Verdoux se compadece de 
uma moça que ele iria usar
como cobaia de um veneno
novo e a deixa viver
,  ela  se
casa  com um industrial  de
armamentos  e  enriquece




Em 1940, no começo da guerra, Chaplin lançaria O Grande Ditador (The Great Dictator). Monsieur Verdoux foi seu filme seguinte, lançado no começo de 1947. Dois filmes que, poderíamos dizer, marcam o alfa e o ômega da opinião do governo norte-americano a respeito de Chaplin. Durante a guerra, Chaplin havia apoiado a aliança dos Estados Unidos com a União Soviética contra Hitler. Mas essa atitude o colocou na alça de mira da ultra-direita norte-americana, que o catalogou como comunista ou simpatizante. Curiosamente, na sociedade Ocidental, quando uma pessoa se suicida é um problema. Mas quando centenas, milhares ou milhões se lançam ao suicídio, são convencidos pelo governo de que são heróis. A sociedade que transformou o suicídio num tabu é a mesma que investe pesadamente na indústria de armas e onde a morte e a violência sempre foram banalizadas. Todo mundo percebe que se trata da mesma sociedade onde matar não constitui um problema. (as três imagens pertencem a Monsieur Verdoux)

Leia também:

Grotesco da Vida ou da Mídia?




Se o horror
pudesse realmente
ser most
rado claramente todos compreenderiam
a total insanidade
da matança?





As imagens da guerra se tornaram parte de nosso cotidiano, mas a consciência do sofrimento é construída – sobretudo em função da maneira como as câmeras registram as imagens. Vivemos numa cultura onde o choque se tornou um estímulo para o consumo: as imagens se encontram como choque e como clichê. Nas palavras de Susan Sontag, as informações do que se passa longe de nossas casas, que alguns chamam de “notícias”, sublinham conflito e violência – a busca do Ibope através do grotesco. A Guerra Civil Espanhola (1936-39) foi a primeira guerra testemunhada no sentido moderno: através de um corpo de fotógrafos profissionais na linha de frente, cujo trabalho era imediatamente visto nos jornais do mundo. A Guerra do Vietnã foi apresentada pelas câmeras de tevê na sala de estar dos norte-americanos. Desde então, explica Sontag, batalhas e massacres filmados na hora em que acontecem tornam-se um ingrediente rotineiro no fluxo incessante de entretenimento televisivo doméstico: “A compreensão da guerra para as pessoas que não vivenciaram uma guerra é, agora, sobretudo um produto do impacto dessas imagens” (1). E assim, a imagem dos eventos passa a definir os próprios eventos. O que fica patente no relato de sobreviventes quanto de pessoas que viram de perto o atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001, que se referiram ao acontecimento como “irreal”, “surreal”, “como um filme” (2). (imagem acima, Non Violence, escultura de Karl Fredrik Reutersward, exposta em frente ao prédio das Nações Unidas, em Nova York)



Os norte-america
nos
não mostram os rostos
de seus soldados mortos
,
já os do inimigo... (3)




Sontag se refere a uma iconografia do sofrimento, onde imagens de corpos nessa condição têm uma demanda tão grande quanto imagens de corpos nus. Durante séculos, uma necessidade satisfeita pela arte cristã com as representações do inferno e/ou martírios em geral. A representação de sofrimentos atrozes passará a ser deplorada quando o tema for o sofrimento de uma população civil nas mãos de um exército de militares sádicos, um tema que surge no século XVII (4). Sontag também chama atenção para o fato de que imagens de sofrimento padecido durante uma guerra são tão comuns hoje em dia que torna fácil esquecer como esse tipo de representação é recente. Se dependesse dos governos, as imagens da guerra continuariam sendo de exaltação da atividade guerreira. De fato, afirma Sontag, a fotografia de guerra começa exatamente com essa função vergonhosa durante a Guerra da Criméia (1853-6), com o objetivo de torná-la uma menos impopular entre os ingleses. Somente a partir da Guerra do Vietnã, que transmitida pela televisão, passou-se a ter a certeza de que as fotografias da guerra retratavam acontecimentos reais (não encenados) (5). (imagem acima, famosa fotografia de uma cena filmada no Vietnã durante um ataque das tropas norte-americanas, pelo menos a menina nua parece que sobreviveu; na imagem abaixo, poderíamos dizer que aconteceu no Rio de Janeiro, mas poderia ser também em nossa esquina, Jornal A Notícia, Joinville, Santa Catarina, 20/10/2009)




Imagens de
sofrimento
e
guerra competem com
as de nudez e esportes na preferência popular
(6)





Ernst Friedrich foi um daqueles que se recusou a pegar em armas na Primeira Guerra Mundial. Em 1924 ele publicou Guerra Contra a Guerra! (Krieg dem Kriege!), um libelo pacifista em forma de tratamento de choque. Trata-se de um álbum com 180 fotografias retiradas de arquivos militares e consideradas então impublicáveis. O livro se inicia com uma ironia bizarra, soldados e canhões de brinquedo, e termina com imagens de cemitérios militares. Entre esses dois extremos, o leitor se depara com um desfile horripilante dos resultados dessa guerra que foi precipitadamente chamada de “a guerra para acabar com todas as guerras”. Na opinião de Susan Sontag, quase todas as fotografias em Guerra Contra a Guerra! são difíceis de olhar. Contudo, ao que parece os corpos dos soldados mortos apodrecendo não são nada perto dos 24 closes de soldados com imensos ferimentos no rosto. Sontag chama atenção que Friedrich não “cometeu o erro de supor” que as fotografias nauseantes falariam por si mesmas e inseriu legendas em alemão, francês, holandês e inglês. Com o apoio de associações de veteranos e organizações patrióticas, o governo alemão se apressou a denunciar o livro, que em algumas cidades foi retirado das livrarias pela polícia. Em 1938, o cineasta francês Abel Gance dirigiria o pacifista Eu Acuso (J’Accuse). Onde os soldados desfigurados mortos se levantam e aterrorizam os vivos. Mas parece que não é só no Brasil que a memória é curta, apenas um ano depois Hitler invade a Polônia e começa a Segunda Guerra Mundial (7).

Notas:

Leia também:
A Família Alemã e o Cinema Nazista (I), (II), (final)

1. SONTAG, Susan. Diante da Dor dos Outros. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. P. 22.
2. Idem, pp. 21, 23-4, 26.
3. Ibidem, p. 61.
4. Ibidem, p. 39.
5. Ibidem, pp. 43, 50.
6. Ibidem, pp. 38, 43.
7. Ibidem, pp. 18-9.

16 de abr. de 2011

Distopia


Governos,
instituições  e conglomerados de
mídia  q
ue  insistem
em  tratar  psicopata
homicida como caso

de  polícia  devem
estar  ruins  da
cabeça



Antônimo de utopia, a palavra distopia designa o pior dos mundos. Em sentido estrito, “utopia” significa “lugar nenhum” ou “não lugar”. Na prática, utopia virou sinônimo de “lugar bom”, como no título homônimo da famosa obra publicada por Thomas More em 1516, onde se propõe uma sociedade ideal. De acordo com John Carey, esse significado é fruto de uma confusão da primeira sílaba “u” com o grego “eu”, como em eufemismo ou eulogia. Como resultado seria inventada a palavra “distopia”, significando lugar ruim. O primeiro exemplo conhecido dessa confusão veio em 12 de março de 1868, quando John Stuart Mill fez seu discurso na Câmara dos Comuns a respeito do debate sobre a igualdade religiosa na Irlanda, chamando o governo de distópico, ou cacotópico. Posto que utópica é alguma coisa boa demais para ser praticável, ao passo que o governo favorecia algo muito ruim para ser praticável.




Talvez em nenhuma
outra época a cultura do
medo foi um produto tão lucrativo  para  os  donos
do poder e dos meios de comunicação de massa






Cinqüenta anos antes Jeremy Bentham empregou o termo “cacotopia” em seu Plano de Reforma Parlamentar, na Forma de Um Catecismo (1818): “Como um complemento para a utopia (ou o assento imaginado do melhor governo) supõe uma cacotopia (ou o imaginado assento do pior governo) descoberta e descrita”. A raiz de cacotopia deriva do grego kakos (mal), como em cacofonia. Referindo-se à palavra inventada por Bentham, Mil homenageia seu mentor e professor na teoria do Utilitarismo. O mesmo Bentham que dotou nossas distopias contemporâneas com um de seus símbolos mais perenes, o sistema perfeitamente “racional” de vigilância conhecido como Panóptico. (imagens acima, à esquerda, Maria-robô em Metrópolis, 1927, direção Fritz Lang; à direita, em Fahrenheit 451, 1966, a missão dos bombeiros é queimar todos os livros, direção François Truffaut, adaptação da obra de Ray Bradbury. Imagens abaixo, à esquerda, Alphaville, direção Jean-Luc Godard, 1965, onde a poesia vai criar problemas para o computador que controla todo mundo; à direta, thx 1138 foge do mundo subterrâneo controlado e consegue encontrar a liberdade, THX 1138, direção George Lucas, 1970)




Adolf Hitler deve
estar se c
ontorcendo de inveja no inferno







Carey faz uma distinção bastante objetiva de tudo isso: quando fruto da imaginação, bons e maus lugares são a mesma coisa, utopias ou não-lugares. Para ser uma utopia, um lugar imaginário deve ser a expressão de um desejo. Por outro lado, para ser considerado distopia, deve ser a expressão do medo. As jornadas em direção a esses lugares imaginários tornaram-se um elemento básico da imaginação moderna. Por todo o século XX, essas jornadas surgiram do desejo de controlar o futuro e imaginar técnicas para alcançá-lo, apenas para que a seguir se estabeleça o medo de perder o controle dessas técnicas. Na opinião do historiador da arquitetura Lewis Mumford, qualquer um que conheça a literatura utópica dos dois últimos séculos teria uma idéia melhor sobre como as coisas virão do que um leitor de jornal que siga as notícias diariamente. Em 1960, o romancista britânico Kingsley Amis concluiu algo semelhante em seu estudo sobre a literatura de ficção científica.





O totalitarismo
já mudou de roupa faz
tempo
. As fardas estão
fora de moda








Em sua opinião, enquanto há 20 anos (portanto, na década de 40) se localizariam sociedades totalitárias em Vênus ou no século 13, na década de 60 elas são localizadas na Terra (em algum lugar nos próximos 100 anos ou mais). Os equipamentos de opressão não serão mais propriedade de tipos pseudo-aristocráticos decadentes em vestimentas cerimoniais (como o vilão Imperador Ming em Flash Gordon, 1936), mas por figuras engravatadas bem equipadas com a última tecnologia e técnicas psicológicas para a prevenção e detecção dos inimigos e/ou das potenciais ovelhas. A distopia veio à tona em meados do século XX, empurrada pelos pesadelos especulativos de gente como Yevgeny Zamyatin (Nós, My, 1924), Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo, Brave New World, 1932) e George Orwell (1984, 1949). Outros poderiam ser citados, mas o importante é compreender que o cenário distópico não é exclusividade da ficção científica. Durante as décadas de 50 e 60 chamou-se distópica a uma tendência na literatura e no cinema, focada nos medos em relação ao mundo moderno: em relação à automação, destruição atômica, padronização e consumismo.