“É só um filme divertido.
É divertido. Para mim não
há nenhuma consequência.
É divertido, divertido,apenas divertido”
Jamie Lee Curtis,
atriz de True Lies
Uma Coisa é Uma Coisa...
O Agente Especial Harry está numa festa luxuosa na Suíça, cercado por alguns “tediosos bilionários árabes do petróleo”. Sua missão é identificar “vilões” transportando armas. Os terroristas roubaram as armas de uma ex-república soviética falida e deram um ultimato: a menos que o governo dos Estados Unidos retire suas tropas em nações árabes, eles irão detonar seis bombas nucleares sobre cidades norte-americanas. Ao mesmo tempo, Harry está deprimido com a possibilidade de sua esposa o estar traindo. Procurando acalmá-lo, seu amigo Gib exclama: “vamos pegar alguns terroristas e vamos acabar com eles. E você vai se sentir bem melhor”.
“A mensagem de Gib
é assustadora: deprimido?
Pulverize um árabe!”
Jack Shaheen
No final do filme, num opulento salão de baile, a elite presente é formada por norte-americanos, asiáticos, africanos, gente falando francês, e nenhum árabe. De acordo com Jack Shaheen, a mensagem de mais um filme de Hollywood é clara: quando o mundo estiver livre dos árabes, estaremos seguros afinal. Na opinião de Shaheen, True Lies (direção James Cameron, 1994) é um exemplo perfeito quando se deseja saber o quanto um filme pode perpetuar estereótipos negativos – neste caso, em relação aos árabes.
Mais especificamente, ali os palestinos são mostrados como seres sujos, demoníacos e desprezíveis. Terroristas fanáticos espreitando os Estados Unidos com bombas atômicas – aliás, este foi o primeiro filme a mostrar árabes explodindo esse tipo de coisa naquele país. Antes disso em vários filmes, entre eles De Volta Para o Futuro (Back to the Future, direção Robert Zemeckis, 1985; nesse caso são terroristas líbios), os árabes só haviam tentado. Houve protestos contra o filme na época, mas nada que impedisse o faturamento de 62 milhões de dólares nas duas primeiras semanas de exibição – para um filme que custou 110 milhões foi um bom começo.
Também acontece um striptease da atriz principal, mas a presidente da Organização Nacional para Mulheres desabafou que comparadas com os árabes, neste filme as mulheres se dão relativamente bem! Pouca diferença fez também que no filme se desse a entender que Jihad é sinônimo de violência. Como esclareceu William Stoddart:
“Outro conceito islâmico muito conhecido é o de ‘guerra santa’ (Jihād). Esta se refere exteriormente à defesa da comunidade islâmica. Interior ou espiritualmente, refere-se à guerra oculta contra o eu. O profeta mostrou a relação destes dois aspectos da guerra santa quando, depois de uma batalha, observou aos seus companheiros: ‘Regressamos da guerra santa menor (contra os nossos inimigos externos) para a guerra santa maior (contra nós mesmos) ‘“ (1)
A Fox, estúdio que produziu o filme, pagou uma entidade especializada em direitos dos animais para acompanhar os procedimentos da produção. O estúdio também convidou críticos de cinema para assistir a obra antes do lançamento. Porém, o estúdio se recusou a consultar ou reunir-se com especialistas árabes e muçulmanos residentes nos Estados Unidos – ou fora dele. Nem foram convidados a assistir o filme antes do lançamento. Pouco tempo depois do lançamento do filme, o estúdio fez uma débil tentativa para acalmar espectadores preocupados. Adicionaram uma advertência: “Este filme é uma obra de ficção e não representa as ações ou crenças de uma cultura ou religião particular”.
O problema é que a frase aparece apenas no final dos créditos, no final do filme. Shaheen declarou que, quando assistiu ao filme no cinema, ele foi o único que permaneceu na cadeira até o final dos créditos – poderíamos perguntar aqui quantas vezes vimos os créditos dos filmes rodarem até o final na televisão aberta brasileira, onde, diga-se de passagem, os enlatados norte-americanos inundam as telas.
Alguns dizem, afirma Shaheen, que esse tipo de advertência deveria vir antes do filme começar. Mas ele acredita que tanto faz, no começo ou no final, o repúdio será desprezado. Aparentemente foi a partir de 1972, em O Poderoso Chefão (The Godfather, direção Francis Ford Coppola), que a indústria cinematográfica começou a se preocupar com isso, pressionada pela comunidade italiana nos Estados Unidos. Então esse tipo de advertência começou a aparecer em filmes que apresentam estereótipos de cubanos e chineses residentes naquele país. O diretor James Cameron disse que não se sentia culpado de vilificar os árabes em True Lies. Afirmou ainda necessitar de algum “vilão conveniente”. Além disso, completou ainda, qualquer um que se refugie no terrorismo, independente de sua origem étnica ou religião, está moralmente errado e, portanto, os árabes são a escolha certa em qualquer filme. Com este tipo de afirmação, Cameron não só demonstra uma incompreensão absoluta da situação no Oriente Médio como parece desconhecer o fato de que seu próprio país foi o único a lançar bombas atômicas desde que elas foram inventadas. Parece desconhecer também que as duas bombas lançadas pelos Estados Unidos sobre o Japão durante a Segunda Guerra Mundial atingiram apenas população civil.
A Fox, estúdio que produziu o filme, pagou uma entidade especializada em direitos dos animais para acompanhar os procedimentos da produção. O estúdio também convidou críticos de cinema para assistir a obra antes do lançamento. Porém, o estúdio se recusou a consultar ou reunir-se com especialistas árabes e muçulmanos residentes nos Estados Unidos – ou fora dele. Nem foram convidados a assistir o filme antes do lançamento. Pouco tempo depois do lançamento do filme, o estúdio fez uma débil tentativa para acalmar espectadores preocupados. Adicionaram uma advertência: “Este filme é uma obra de ficção e não representa as ações ou crenças de uma cultura ou religião particular”.
O problema é que a frase aparece apenas no final dos créditos, no final do filme. Shaheen declarou que, quando assistiu ao filme no cinema, ele foi o único que permaneceu na cadeira até o final dos créditos – poderíamos perguntar aqui quantas vezes vimos os créditos dos filmes rodarem até o final na televisão aberta brasileira, onde, diga-se de passagem, os enlatados norte-americanos inundam as telas.
Alguns dizem, afirma Shaheen, que esse tipo de advertência deveria vir antes do filme começar. Mas ele acredita que tanto faz, no começo ou no final, o repúdio será desprezado. Aparentemente foi a partir de 1972, em O Poderoso Chefão (The Godfather, direção Francis Ford Coppola), que a indústria cinematográfica começou a se preocupar com isso, pressionada pela comunidade italiana nos Estados Unidos. Então esse tipo de advertência começou a aparecer em filmes que apresentam estereótipos de cubanos e chineses residentes naquele país. O diretor James Cameron disse que não se sentia culpado de vilificar os árabes em True Lies. Afirmou ainda necessitar de algum “vilão conveniente”. Além disso, completou ainda, qualquer um que se refugie no terrorismo, independente de sua origem étnica ou religião, está moralmente errado e, portanto, os árabes são a escolha certa em qualquer filme. Com este tipo de afirmação, Cameron não só demonstra uma incompreensão absoluta da situação no Oriente Médio como parece desconhecer o fato de que seu próprio país foi o único a lançar bombas atômicas desde que elas foram inventadas. Parece desconhecer também que as duas bombas lançadas pelos Estados Unidos sobre o Japão durante a Segunda Guerra Mundial atingiram apenas população civil.
“Alguns espectadores reconhecem que filmes ajudam a formar atitudes. Por exemplo, no outono de 1993 [ano em que True Lies foi lançado], crimes de ódio estavam em elevação contra árabes e muçulmanos norte-americanos. De fato, a cidade de Natchez, Mississipi, estava planejando um ‘Dia Nacional de Exercício de Segurança’, apresentando um ataque terrorista simulado por um grupo fictício chamado ‘Árabes contra [norte-]americanos’. O exercício militar estava planejado para todo o Estado; a diretriz de Natchez veio diretamente da Agência de Gerenciamento de Emergência Estadual. Mais tarde, por sua conta, o prefeito de Natchez e diretor da Agência mudou o nome do grupo terrorista simulado para ‘Qualquer um contra a América [do Norte]’. Além disso, mandaram uma carta de desculpas para o Comitê Árabe-Americano Anti-Discriminação” (2)
Em 1995 houve um atentado terrorista nos Estados Unidos. Reportagens especulativas na imprensa, e anos de estereótipos nocivos, resultando em mais de 300 crimes de ódio contra norte-americanos de origem árabe (3). No final, o terrorista era um norte-americano. Apesar disso: se é árabe, está decretado que é criminoso e seu único objetivo na vida é destruir a nós e nossa propriedade. Esta pode ser uma lição valiosa para certos países latino-americanos onde, ao invés dos árabes, é a pobreza que é criminalizada.
Em 1995 houve um atentado terrorista nos Estados Unidos. Reportagens especulativas na imprensa, e anos de estereótipos nocivos, resultando em mais de 300 crimes de ódio contra norte-americanos de origem árabe (3). No final, o terrorista era um norte-americano. Apesar disso: se é árabe, está decretado que é criminoso e seu único objetivo na vida é destruir a nós e nossa propriedade. Esta pode ser uma lição valiosa para certos países latino-americanos onde, ao invés dos árabes, é a pobreza que é criminalizada.
Leia também:
Notas:
1. STODDART, William. O Sufismo. Doutrina Metafísica e Via Espiritual no Islão. Tradução Iva Vicente Flores. Edições 70, coleção Esfinge, 1976. P. 30.
2. SHAHEEN, Jack G. Reel Bad Arabs. How Hollywood Vilifies a People. Massachusetts: Olive Branch Press, 2º ed., 2009. P. 539. A Ênfase é minha.
3. Idem, p. 13.