19 de mar. de 2011

O Silêncio de Hitchcock




“O cinema
son
oro inventou
o silêncio”

 

Robert Bresson



Música Demais Atrapalha!


Em seus primeiros filmes falados, Alfred Hitchcock colocou pouca trilha sonora musical. Com o advento do cinema falado a música de fundo tomou um novo impulso e o cineasta não estava alheio a isso – independentemente de sua conturbada relação com o produtor David O. Selznick, que fazia questão de “encher” os filmes com música. Hitchcock tinha uma relação problemática com os maestros encarregados das trilhas musicais de seus filmes. Jean-Pierre Eugène acredita que o temperamento do cineasta o impedia de admitir que algum elemento do filme não fosse responsabilidade (e mérito) dele. Por outro lado Franz Waxman, um de seus colaboradores, chegou a dizer que “Hitchcock fazia somente 60% de um filme, eu o terminava para ele” (1). Por outro lado, afirmou Eugène, a maior parte dos músicos que trabalharam com Hitchcock compunha num estilo clássico hollywoodiano (2). Hitchcock era econômico na hora de utilizar trilha musical, a presença dela teria de ser justificada e não gratuita. Contudo, Eugène se confessou instigado por alguns momentos de silêncio que encontro na obra de Hitchcock (3). Em Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940) cobre a quase totalidade do filme. Porém Eugène chama atenção para quatro breves seqüências de total silêncio. Momentos onde ocorre mudança de situação, um encontro inesperado da nova senhora de Winter com um personagem ou um diálogo importante. (as duas imagens à esquerda são de Intriga Internacional; os vídeos: Os Pássaros, Cortina Rasgada e Psicose)


O primeiro momento acontece quando antes de sair às pressas do hotel a futura senhora de Winter procura ficar mais uma vez ao lado de Maxime de Winter, por quem ela está apaixonada. Na opinião de Eugène, ausência de música nesta curta seqüência se justifica pelo fato de que Maxime não responde aos telefonemas dela (ou ele está ausente ou tomando banho). Mais tarde, o silêncio ocupa o espaço do momento ates dele pedi-la em casamento. Os planos anteriores a essas seqüências multiplicam os clichês musicais para sublinhar algum suspense. É então que Franz Waxman, o maestro que cuida da música neste filme, inseriu um silêncio para tornar o desfecho (o pedido de casamento) mais eficaz. Depois do pedido Waxman faz soar o tema da senhora de Winter – ela agora terá de suportar sem música as alfinetadas de sua governanta, com ciúmes de seu casamento. A reunião imprevista com irmã de Maxime e seu marido e depois com Jack Favell, o primo de Rebecca, também não tem acompanhamento musical – a senhora de Winter escuta escondida enquanto eles falam dela. As duas outras passagens sem música são: a seqüência da revisão da instrução sobre a morte de Rebecca e o telefonema de Favell para a governanta avisando sobre o suicídio de sua antiga patroa – o que a levará a incendiar Manderley. Eugène esqueceu da conversa entre Maxime e a esposa quando o corpo de Rebecca foi achado – ele confessa que a matou.

O Silêncio Vale Ouro


Os ruídos (incluíd
o
também o silêncio) como
equivalentes  sonoros  de
toda a encenação




Em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955), o final da noite traz quase um minuto e meio de silêncio entre o final do baile e a busca no telhado. No final da festa, resta apenas um casal dançando, um deles é “o Gato”. O maestro faz sinal para os músicos pararem de tocar, policiais disfarçados como dançarinos lá estão à volta, e o expectador se pergunta o que vai acontecer. Será que vão conseguir interceptar o ladrão de jóias na propriedade? Os policiais vão desmascará-lo? Um profundo silêncio perpassa toda a seqüência. Em Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), a explosão do avião no episódio da estrada chega após uma seqüência muito longa que, sem ser silenciosa, é não apenas desprovida de diálogos (o homem que espera no carro não é exatamente um tagarela), mas também de música. Como declarou Bernard Hermann, o maestro que trabalhou com Hitchcock neste filme, “se você é pintor, nada o impede de utilizar o branco, e ali o som é branco” (4). Com efeito, conclui Eugène, se esta seqüência é tão célebre, é pela ação que transcorre ali, mas também pela forma como ela é encenada. O suspense é fornecido pelo silêncio e pelos ruídos (carros, avião), equivalentes sonoros da encenação imaginada pelo cineasta.

Mas Eugène sugere que é em Cortina Rasgada (Torn Curtain, 1966) que encontraremos o caso mais interessante a propósito da escolha entre a música e o silêncio. A seqüência do assassinato de Gromek, o agente da ex-Alemanha Oriental, é totalmente muda – fora as reclamações de Gromek. Na opinião de Eugène, em Psicose (Psycho, 1960), com exceção da música durante a fuga de Marion e durante os assassinatos, parece que estamos diante de um filme mudo – ainda que tenha muitas músicas. Os Pássaros (The Birds, 1963) provoca o mesmo efeito, embora neste caso seja devido à utilização de um Trautonium para os efeitos sonoros. Em Quando Fala o Coração (Spellbound, 1945) cujo tema é a psicanálise, Miklos Rozsa utilizou um Theremin – pontuando os momentos delirantes com um clima um tanto próximo de filmes de terror ou invasão espacial. Eugène sugere que Hitchcock deveria ter problemas em admitir que Bernard Hermann, um maestro com que trabalhou muito, pudesse roubar seus méritos – parece que a escolha de fundo musical para Psicose chegou a gerar uma discussão entre eles. Mas Eugène conclui que “tanto Hitchcock quanto Hermann sabiam, sobretudo, que para que uma trilha sonora seja rica, ela não deve se limitar à música, aos ruídos e aos diálogos. O silêncio vale ouro” (5).
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1. EUGÈNE, Jean-Paul. La Musique Dans les Films d’Alfred Hitchcock. Paris: Dreamland Éditeur, 2000. P. 17.
2. Idem, p. 165.
3. Ibidem, pp. 162-5.
4. Ibidem, p. 164.
5. Ibidem, p. 165.