Afinal, Com Quem ele Deveria se Parecer?

Luther Link sugere que, em função da dificuldade em se encontrar modelos da figura do Diabo, a arte medieval achou o que copiar não na realidade ou em sonhos, mas nos palcos: encenações dos mistérios da Bíblia, ora elogiados ora criticados pelos clérigos entre os séculos X e XIII. O rosto e a forma do Diabo teriam essa como sua fonte mais importante, embora não se possa descartar que também o drama medieval possa ter sido influenciado pela pintura. Sabe-se lá por que, somente a partir do Século XIII é que as asas de morcego substituem as asas de anjo com as quais o Diabo era às vezes representado (2).
O Dilema de Giotto


(imagem acima, à esquerda, São Miguel e o Dragão, Rafael, 1505; imagem acima, à direita, A Traição de Judas, Giotto, 1304-6; ao lado e abaixo, dois detalhes de O Juízo Final, Giotto, 1306)
A transformação de um anjo num animal negro com patas é um das características que definem o tem dos anjos rebeldes, essa idéia fixa regada à falta de imaginação é mais comum até o século XV. Mas então aparecem os Livros de Horas. Destinados aos aristocratas e comerciantes, produzidos por artistas contratados, tinham mais a ver com a transmissão do status de seus donos do que com a palavra divina. Embora girassem em torno dos mistérios da fé, muitos foram perdendo essa característica inicial. De acordo com Link, foi a partir do livro de horas do duque de Berry, produzido pelos irmãos Limbourg, que ocorre uma transformação decisiva na figura de Satã, assim como a mais notável queda de Lúcifer (5).
Se o Diabo podia ser tanto um micróbio quanto um anjo caído, qual seria seu rosto? Não poderia ter um rosto, pois não passava de uma abstração! Deveria ser mostrado como uma “pessoa” para poder ser entendido como força maligna. “Era um homem com apenas uma máscara (e nisso nem mesmo era um homem)”. Essa condição facilita descrever o inimigo, pois o Diabo tem o “rosto” do oponente. Na falta de clareza, o Diabo poderia ser tudo. A Igreja (seja qual for) sempre soube disso. “O Diabo sem rosto é um modo eficaz de evitar levar em consideração a oposição e automaticamente colocar Deus do próprio lado” (6).
“Nenhuma outra criatura
nas artes com uma história
tão longa é assim tão vazia
de significado intrínseco (...)
E se a aparência do Diabo
quase sempre foi determinada
[pela roupa usada] para
personificá-lo, isto é adequado:
o Diabo é apenas [uma roupa],
mesmo que se tenha tornado
inseparável da pele daqueles
que [a] usam” (7)
Notas:
1. LINK, Luther. O Diabo. A Máscara sem Rosto. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. P. 72.
2. Idem, p. 82 e 86.
3. Ibidem, p. 137 e 148.
4. Ibidem, p. 151.
5. Ibidem, p. 174 e 179.
6. Ibidem, p. 193.
7. Ibidem, p. 205. Link, ou a tradutora, utiliza a palavra “costume” onde me referi a “roupa”.
A Máscara dos Homens
Se o Diabo podia ser tanto um micróbio quanto um anjo caído, qual seria seu rosto? Não poderia ter um rosto, pois não passava de uma abstração! Deveria ser mostrado como uma “pessoa” para poder ser entendido como força maligna. “Era um homem com apenas uma máscara (e nisso nem mesmo era um homem)”. Essa condição facilita descrever o inimigo, pois o Diabo tem o “rosto” do oponente. Na falta de clareza, o Diabo poderia ser tudo. A Igreja (seja qual for) sempre soube disso. “O Diabo sem rosto é um modo eficaz de evitar levar em consideração a oposição e automaticamente colocar Deus do próprio lado” (6).

nas artes com uma história
tão longa é assim tão vazia
de significado intrínseco (...)
E se a aparência do Diabo
quase sempre foi determinada
[pela roupa usada] para
personificá-lo, isto é adequado:
o Diabo é apenas [uma roupa],
mesmo que se tenha tornado
inseparável da pele daqueles
que [a] usam” (7)
Notas:
1. LINK, Luther. O Diabo. A Máscara sem Rosto. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. P. 72.
2. Idem, p. 82 e 86.
3. Ibidem, p. 137 e 148.
4. Ibidem, p. 151.
5. Ibidem, p. 174 e 179.
6. Ibidem, p. 193.
7. Ibidem, p. 205. Link, ou a tradutora, utiliza a palavra “costume” onde me referi a “roupa”.