“Os textos da Antiguidade
clássica - grega e romana -
aludem com freqüência ao cabelo.
Ao descrever Aquiles a caminho do combate, Homero observa que o
vento levantava os orgulhosos
anéis de cabelo que lhe
aureolavam a cabeça” (1)
clássica - grega e romana -
aludem com freqüência ao cabelo.
Ao descrever Aquiles a caminho do combate, Homero observa que o
vento levantava os orgulhosos
anéis de cabelo que lhe
aureolavam a cabeça” (1)
Conta-se que Medusa era uma jovem lindíssima e muito orgulhosa de sua cabeleira. Tendo ousado competir em beleza com Atena, esta fez nascerem serpentes em sua cabeça e transformou-a em Górgona. Depois que Perseu matou e degolou Medusa, Atena colocou a cabeça desta no centro de seu escudo. Os inimigos que olhassem para ela se tornariam pedra. A visão de uma só mecha da outrora lindíssima cabeleira da Górgona era o suficiente para afugentar um exército (2).
Seu olhar era penetrante que podia literalmente petrificar aqueles que a encarassem. No topo de sua cabeça, uma cabeleira formada por uma multidão de serpentes. Em O Escudo de Hércules, Hesíodo escreveu sobre “cabeças de terríveis serpentes” que espalhavam o terror entre os homens. Quando as serpentes das Górgonas foram lançadas aos calcanhares de Perseu, elas “dardejavam a língua e rangiam os dentes com furor, lançando olhares selvagens”. Quando Aquiles está em combate, no “furor do morticínio”, seu rosto é como a máscara das Górgonas (3). (imagem acima, Medusa, pintada por Caravaggio, 1598; abaixo, à direita, outra Medusa, pintada por artista holandês não identificado, século 16)
Os guerreiros deveriam manter seus cabelos longos, o que deveria fazê-los parecer maiores e mais terríveis. Especialmente durante o perigo, os jovens guerreiros tratavam de seus cabelos. Naquela Grécia, existia uma relação entre as crinas dos cavalos de guerra e o louro acobreado dos cabelos que o jovem guerreiro agita como uma crina. A selvageria do guerreiro macho se manifesta em sua cabeleira longa e esvoaçante como a crina de um cavalo (4). Numa batalha, entre os lacedemônios e os argivos, estes foram vencidos e passaram a raspar as cabeças. Os primeiros, vitoriosos, promulgaram uma lei impondo a cabeleira longa.
Os cabelos raspados denotam nesse contexto vergonha da derrota, luto. Os cabelos longos são sinônimos de vitória, celebração. A beleza viril do guerreiro, Vernant sugere, realçada por uma cabeleira longa e esvoaçante comporta um aspecto terrificante. O efeito deste último no campo de batalha era um sinal de vitória (5). Os homens de Esparta tinham como tradição raptar mulheres para se casarem. Elas teriam seus cabelos raspados e eram enfiadas em roupa masculina. Um ritual de inversão da condição sexual – um rito de passagem. A virilidade dos homens seria garantida caso o sinal estivesse presente – uma cabeleira longa. Raspando-se a cabeça da jovem noiva tira-se dela o que ainda pode haver de masculino e guerreiro em sua feminilidade. Evita-se assim a introdução no lar, sob a máscara da mulher casada, da face da Górgona Medusa – o “rosto” da Górgona é o sexo feminino tornado máscara (6). Do ponto de vista dos homens, ao cortar-se os cabelos das recém-casadas, exorciza-se nelas um inquietante elemento. Trata-se da selvageria que Atena e Ártemis, as duas virgens excluídas do casamento, preservam cada uma de um jeito. Atena, a guerreira, pela face de Gorgó que ostenta no peito. Ártemis, aquela que cuida de todos os rebentos, a selvagem, pelo lado gorgônico de seu personagem e pelas máscaras que intervêm nos ritos de iniciação de jovens presididos por ela (7).
Pela cabeleira, o guerreiro se aproxima da animalidade, das serpentes ou dos cavalos. A cabeleira de réptil ou de cavalo é um dos atributos da Górgona por ser pavoroso, representa uma viagem para a terra do Pavor. Ao contrário de Freud, Jean-Pierre Vernant não vê o tema da castração relacionado à Górgona – a questão da necessidade de raspar a cabeça da noiva para “extirpar-se dela o que pode haver de másculo e de guerreiro em sua feminilidade”. (abaixo, A Cabeça de Medusa de Peter Paul Rubens, 1617)
As serpentes na cabeça dela não são pênis. A raiva furiosa que toma conta do rosto do guerreiro no combate não remete à virilidade, mas um poder de morte que o invade. Os temas do Pavor, do Horror, da Morte têm um alcance muito maior aqui do que a virilidade. Portanto, conclui Vernant, em sua opinião a decapitação de Medusa por Perseu também não constituiria uma castração, disfarçada ou não (8). Fálicas ou não, as serpentes estão na cabeça da Medusa, poderiam estar em outro lugar qualquer do corpo! Poderiam?
As serpentes na cabeça dela não são pênis. A raiva furiosa que toma conta do rosto do guerreiro no combate não remete à virilidade, mas um poder de morte que o invade. Os temas do Pavor, do Horror, da Morte têm um alcance muito maior aqui do que a virilidade. Portanto, conclui Vernant, em sua opinião a decapitação de Medusa por Perseu também não constituiria uma castração, disfarçada ou não (8). Fálicas ou não, as serpentes estão na cabeça da Medusa, poderiam estar em outro lugar qualquer do corpo! Poderiam?
Pênis Guerreiro
Masculinidade e Violência
Entre o Rosto e o Corpo
1. DESLANDES, Yvonne; FONTANÈS, Monique. Historia das Modas do Toucado In POIRIER, Jean (org.) História dos Costumes. Tradução Manuel Ruas. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Volume II, As Técnicas Corporais. P. 217.
2. BRANDÂO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: vozes, vol.1, 2ª ed., 1986. P. 239.
3. VERNANT, Jean-Pierre. A Morte nos Olhos. Figuração do Outro na Grécia Antiga. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2ª ed., 1991. P. 53.
4. Idem, p. 59.
5. Ibidem, pp. 55-7.
6. Ibidem, p. 41.
7. Ibidem, pp. 59-60.
8. VERNANT, Jean-Pierre. Entre Mito & Política. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Edusp, 2001. Pp. 77-82.
Masculinidade e Violência
Entre o Rosto e o Corpo
1. DESLANDES, Yvonne; FONTANÈS, Monique. Historia das Modas do Toucado In POIRIER, Jean (org.) História dos Costumes. Tradução Manuel Ruas. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Volume II, As Técnicas Corporais. P. 217.
2. BRANDÂO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: vozes, vol.1, 2ª ed., 1986. P. 239.
3. VERNANT, Jean-Pierre. A Morte nos Olhos. Figuração do Outro na Grécia Antiga. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2ª ed., 1991. P. 53.
4. Idem, p. 59.
5. Ibidem, pp. 55-7.
6. Ibidem, p. 41.
7. Ibidem, pp. 59-60.
8. VERNANT, Jean-Pierre. Entre Mito & Política. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Edusp, 2001. Pp. 77-82.