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Roberto Acioli de Oliveira

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22 de jun. de 2010

Picasso e as Cabeças das Mulheres


“Quando alguém começa com o retrato naturalista e, através de constante redução procura chegar à forma pura, o volume vazio sem acidentes, chega necessariamente ao ovo. Da mesma forma, quando alguém começa pelo ovo, necessariamente alcança o objetivo oposto, o retrato. Mas, em minha opinião, arte é mais do que apenas esse procedimento simplista de mover-se de um extremo para
o outro
. Acima de tudo, alguém deve
ser capaz de parar a tempo”

Pablo Picasso (1)

A partir da década de 30 do século passado, a escultura começa a assumir uma nova função na obra de Picasso (2). Enquanto Cabeça de Mulher (Marie-Thérèse) (1931) (última imagem do artigo), lembra o classicismo do templo de Zeus em Olímpia e a melancolia do rosto virado para baixo de La Pensée (1886), de Rodin, as obras que seguiram questionaram essa imagem clássica. As quatro Cabeças modeladas por Picasso em 1931 revelam seu interesse nesta nova fase de seu trabalho. Em Cabeça de Mulher e Busto de Mulher (imagens abaixo, à esquerda, ao lado do comentário de um observador) , o artista experimenta a assimetria, opondo as duas metades da cabeça. Noutra Cabeça de Mulher (imagem seguinte, abaixo, imagem do canto esquerdo), a escultura parece composta de partes removíveis – nariz, bochechas, olhos. A situação muda ainda noutra Cabeça de Mulher (imagem seguinte, abaixo, imagem do canto direito) e Busto de Mulher (imagem acima). Aqui a topografia da face não é mais levada em conta. Nariz e testa fundem-se numa forma global poderosa que ecoa nas saliências do cabelo (3).




Muitas foram

as cabeças de mulher
que Picasso esculpiu
. As deformações nas figuras são
no fundo um elogio
, assim ele incluiu as mulheres em
sua própria busca por
uma arte nova




A questão do ponto de vista se torna secundária, já que as esculturas apresentam impressões viáveis a partir de todos os ângulos. Não existe ponto de vista privilegiado. Os diferentes e mutuamente exclusivos campos de visão que se abrem à medida que alguém caminha em torno delas produz um contínuo plástico absolutamente novo. Entretanto, isso não é novo, isso já havia sido introduzido na escultura do século 20 ocidental por trabalhos não naturalistas de fora da Europa. O que é novo, Werner Spies ressalta, é assimetria total, que priva o espectador da possibilidade de antecipar o ângulo de visão seguinte. Os detalhes mais impressionantes dessas esculturas a combinação do nariz e da testa numa protuberância maciça já aparecia em 1907, em desenhos inspirados nas mascaras de dança Nimba, da Nova Guiné, no sul do Oceano Pacífico. O nariz fálico que domina as três esculturas possui numerosos paralelos na arte etnológica não-européia. Spies observou que as edições de 1926 e 1927 do Cahiers d’Art revelam um grande número de exemplos de partes do corpo exageradamente grandes e deslocadas. O nariz fálico é particularmente impressionante numa máscara japonesa Gigaku do século XVIII. Picasso, também poderia ter sido inspirado, insiste Spies, pelo trabalho de Brancusi, como a Princesa X, de 1916.

“As fantásticas metamorfoses de Picasso são (...) narcisistas; sua própria ereção projetada no corpo de sua amante como uma imagem na tela, o corpo dela re-formado na forma do desejo dele”

Comentário de
um observador (4)

Pouco antes de 1910 a rejeição da arte de seu tempo começa a se tornar evidente na obra de Pablo Picasso. O problema com as pessoas que tentam gostar sem entender Picasso é que não conseguem interpretar os rostos que ele pinta ou modela. De acordo com Spies, ao procurar abandonar o padrão artístico da arte de seu tempo, Picasso não pode mais ser compreendido em função desse prisma. É por isso que os rostos que pinta não poderiam ser vistos como deformações (5). Sua obra, Spies insiste, nega os conceitos de deformação e perfeição. Seu sistema não inclui monstros ou espécimes ideais, apenas variações formais. Em 1906, Picasso se deixa influenciar por objetos desenterrados por arqueólogos na Espanha. Picasso também se deixou influenciar pela aventura de Paul Gauguin para longe da arte européia. Além deste, Cézanne também foi uma influência.



A partir
de 1905
, Picasso
se volta par
a os corpos em
busca da saída para longe da
arte de seu tempo
. Entre o
rosto e o corpo nu
, a
mulher continua em
seu foco
(6)






Notas:

Fonte das imagens: on-line Picasso Project

Leia também:


Conexão Seios (I)
, (II), (III), (epílogo)
Arte e Cultura (I), (II), (III)
O Corpo Suficiente (I), (II), (final)
Arte do Corpo: Carolee Schneemann e o Olho/Corpo
Arte do Corpo: Shigeko Kubota e a Vagina-Pincel
Rosto Sem Rosto: Prosopagnosia
O Rosto que Temos e Aquele que Vemos (I), (II), (final)

1. SPIES, Werner (ed.) Picasso. The Sculptures. Bonn: Hatje Cantz Publishers, 2000. P. 188. Catálogo de exposição.
2. Idem, p. 187.
3. Ibidem, p. 192.
4. Ibidem, p. 193.
5. Ibidem, p. 32.
6. Ibidem, p. 35.

21 de jun. de 2010

Cabelos: Uma Tragédia Grega


“Os textos da Antiguidade
clássica - grega e romana -
aludem com freqüência ao cabelo.
Ao descrever Aquiles a caminho do combate, Homero observa que o
vento levantava os orgulhosos
anéis de cabelo que lhe
aureolavam a cabeça”
(1)

Conta-se que Medusa era uma jovem lindíssima e muito orgulhosa de sua cabeleira. Tendo ousado competir em beleza com Atena, esta fez nascerem serpentes em sua cabeça e transformou-a em Górgona. Depois que Perseu matou e degolou Medusa, Atena colocou a cabeça desta no centro de seu escudo. Os inimigos que olhassem para ela se tornariam pedra. A visão de uma só mecha da outrora lindíssima cabeleira da Górgona era o suficiente para afugentar um exército (2).

Seu olhar era penetrante que podia literalmente petrificar aqueles que a encarassem. No topo de sua cabeça, uma cabeleira formada por uma multidão de serpentes. Em O Escudo de Hércules, Hesíodo escreveu sobre “cabeças de terríveis serpentes” que espalhavam o terror entre os homens. Quando as serpentes das Górgonas foram lançadas aos calcanhares de Perseu, elas “dardejavam a língua e rangiam os dentes com furor, lançando olhares selvagens”. Quando Aquiles está em combate, no “furor do morticínio”, seu rosto é como a máscara das Górgonas (3). (imagem acima, Medusa, pintada por Caravaggio, 1598; abaixo, à direita, outra Medusa, pintada por artista holandês não identificado, século 16)

Os guerreiros deveriam manter seus cabelos longos, o que deveria fazê-los parecer maiores e mais terríveis. Especialmente durante o perigo, os jovens guerreiros tratavam de seus cabelos. Naquela Grécia, existia uma relação entre as crinas dos cavalos de guerra e o louro acobreado dos cabelos que o jovem guerreiro agita como uma crina. A selvageria do guerreiro macho se manifesta em sua cabeleira longa e esvoaçante como a crina de um cavalo (4). Numa batalha, entre os lacedemônios e os argivos, estes foram vencidos e passaram a raspar as cabeças. Os primeiros, vitoriosos, promulgaram uma lei impondo a cabeleira longa.


Os cabelos raspados denotam nesse contexto vergonha da derrota, luto. Os cabelos longos são sinônimos de vitória, celebração. A beleza viril do guerreiro, Vernant sugere, realçada por uma cabeleira longa e esvoaçante comporta um aspecto terrificante. O efeito deste último no campo de batalha era um sinal de vitória (5). Os homens de Esparta tinham como tradição raptar mulheres para se casarem. Elas teriam seus cabelos raspados e eram enfiadas em roupa masculina. Um ritual de inversão da condição sexual – um rito de passagem. A virilidade dos homens seria garantida caso o sinal estivesse presente – uma cabeleira longa. Raspando-se a cabeça da jovem noiva tira-se dela o que ainda pode haver de masculino e guerreiro em sua feminilidade. Evita-se assim a introdução no lar, sob a máscara da mulher casada, da face da Górgona Medusa – o “rosto” da Górgona é o sexo feminino tornado máscara (6). Do ponto de vista dos homens, ao cortar-se os cabelos das recém-casadas, exorciza-se nelas um inquietante elemento. Trata-se da selvageria que Atena e Ártemis, as duas virgens excluídas do casamento, preservam cada uma de um jeito. Atena, a guerreira, pela face de Gorgó que ostenta no peito. Ártemis, aquela que cuida de todos os rebentos, a selvagem, pelo lado gorgônico de seu personagem e pelas máscaras que intervêm nos ritos de iniciação de jovens presididos por ela (7).

Pela cabeleira, o guerreiro se aproxima da animalidade, das serpentes ou dos cavalos. A cabeleira de réptil ou de cavalo é um dos atributos da Górgona por ser pavoroso, representa uma viagem para a terra do Pavor. Ao contrário de Freud, Jean-Pierre Vernant não vê o tema da castração relacionado à Górgona – a questão da necessidade de raspar a cabeça da noiva para “extirpar-se dela o que pode haver de másculo e de guerreiro em sua feminilidade”. (abaixo, A Cabeça de Medusa de Peter Paul Rubens, 1617)

As serpentes na cabeça dela não são pênis. A raiva furiosa que toma conta do rosto do guerreiro no combate não remete à virilidade, mas um poder de morte que o invade. Os temas do Pavor, do Horror, da Morte têm um alcance muito maior aqui do que a virilidade. Portanto, conclui Vernant, em sua opinião a decapitação de Medusa por Perseu também não constituiria uma castração, disfarçada ou não (8). Fálicas ou não, as serpentes estão na cabeça da Medusa, poderiam estar em outro lugar qualquer do corpo! Poderiam?



Notas:

Leia também:

A Cegueira da Visão (I)
Pênis Guerreiro
Masculinidade e Violência
Entre o Rosto e o Corpo

1. DESLANDES, Yvonne; FONTANÈS, Monique. Historia das Modas do Toucado In POIRIER, Jean (org.) História dos Costumes. Tradução Manuel Ruas. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Volume II, As Técnicas Corporais. P. 217.
2. BRANDÂO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: vozes, vol.1, 2ª ed., 1986. P. 239.
3. VERNANT, Jean-Pierre. A Morte nos Olhos. Figuração do Outro na Grécia Antiga. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2ª ed., 1991. P. 53.
4. Idem, p. 59.
5. Ibidem, pp. 55-7.
6. Ibidem, p. 41.
7. Ibidem, pp. 59-60.
8. VERNANT, Jean-Pierre. Entre Mito & Política. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Edusp, 2001. Pp. 77-82.

20 de jun. de 2010

Se Cabelo Fosse Só Pêlo...


Certo dia da década de 40 do século passado, uma polonesa corta seus longos cabelos louros em troca de dinheiro. Quem vai comprar é uma judia cujo cabelo não cresce mais desde que foi libertada de um dos campos de extermínio dos nazistas. Antes de cortar, o barbeiro faz uma longa traça, para que o cabelo saia mais organizado daquela cabeça. Enquanto corta, ele pergunta se o marido sabe o que ela está fazendo. Certamente, a pergunta dele denota o machismo presente na cultura polonesa, e talvez tenha relação também com a preocupação da judia em recompor sua silhueta. Por falar em silhueta, no final da Segunda Guerra Mundial, além das surras e humilhação pública, por toda a Europa as prostitutas, e outras colaboradoras em geral, que se relacionaram com o ocupante alemão, tiveram seus cabelos raspados em praça pública. No caso da polonesa, trata-se da cena de Katyń (direção Andrzej Wajda, 2007). No segundo caso, podemos presenciar tal cena em Mallena (direção Giuseppe Tornatore, 2000).

Um pouco antes disso, a pintora mexicana Frida Kahlo está a construir mais um de seus tantos auto-retratos. Sentada e vestindo terno, segura uma tesoura olha para nós. Seu corte de cabelo é masculino, à sua volta muitas madeixas espalhadas dão testemunho de sua feminilidade esparramada. Frida se representou como homem, o corte de cabelo talvez fale mais alto nessa direção do que a vestimenta masculina. Era fascinada pela androginia, mas desejou também misturar seus traços com os de Diego Rivera. O pintor e muralista mexicano era o amor da vida dela e já no diário de Frida encontra-se o desenho de um rosto dividido em duas metades. O lado esquerdo, ostentando longos cabelos, representa uma mulher. O lado direito, um homem de cabelos curtos (1). Dois episódios num oceano infinito de exemplos que evidenciam uma obsessão em relação aos cabelos. Obsessão que talvez vá além da simples indução ao consumo de cosméticos ou do narcisismo de uma sociedade em crise de valores.




"Olha
,
se te amava
,
era pelo teu cabelo
.
Agora que estás
careca
, não
te amo
mais"



Frida Kahlo,
escrito sobre a pauta musical em seu
Auto-Retrato com Cabelo Cortado
, 1940



Nota:

Leia também:

Retrato e Auto-Retrato
Imagem Corporal e Satisfação

O Rosto e a Ética na Televisão

1. BERNHEIM, François; KAMMER, Samuel; PEREGO, Elvira. Quelques Notes par... In GASCAR, Pierre. Le Cheveu Essentiellement. Paris: Nathan/Delpire, 1998. P. 102. 

Postagens populares (última semana)

Quadro de Avisos

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