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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

3 de fev. de 2009

Os Biblioclastas (final)


Um Mundo Bizarro 

Na opinião de Fernando Báez, geralmente todo esse ódio totalitário e apocalíptico contra o livro parte de pessoas com tendências muito específicas: são porta-vozes de tentações coletivistas ou de utopias milenaristas, podem ter também preconceito de classe e/ou um comportamento despótico, burocrático e servil. Esses biblioclastas, os destruidores de livros, curiosamente possuem um livro que seguem e que julgam eterno. Sendo eterno, seu conteúdo adquire uma condição categórica que legitima sua procedência divina (seja Corão, Bíblia, ou o programa de um movimento religioso, social, artístico ou político) (1). Nem só de ignorantes são formadas as fileiras da Inquisição biblioclasta. Báez confessa que, após 12 anos de estudo, concluiu que quanto mais culto é um povo, um homem ou uma mulher, mas disposto se mostra a eliminar livros e se deixar dominar por mitos apocalípticos.

Foram biblioclastas René Descartes, David Hume, o Movimento Futurista, os poetas nadaístas colombianos, Vladimir Nabokov e Martin Heidegger. Além disso, parece que em alguns países é costume os alunos queimarem seus livros e textos de estudo como cerimônia não oficial de conclusão do ensino médio. Mas isso supostamente acontece também num ritual secreto na famosa Universidade de Harvard – lá onde estudou Barack Obama, o atual presidente do mundo.

Em 1982, na cidade de Monticello, no Estado Norte-Americano de Minnesota, três líderes fundamentalistas organizaram uma queima. Em 30 de dezembro de 2001, numa cidade do sudoeste dos Estados Unidos, uma comunidade religiosa queimou centenas de exemplares de Harry Potter. Jack Brock, o pastor, advertia que esses livros eram ruins para jovens, porque estimulavam a feitiçaria. Segundo Brock, Harry Potter é o diabo. Lançaram ao fogo também romances de Stephen King (2). Em 2001, membros da Assembléia de Deus na Pensilvânia cantavam enquanto queimavam livros, cd’s e vídeos que julgavam ofensivos a seu Deus. (imagem ao lado)

O Mundo da Internet

Desde que a internet se disseminou pelo mundo, podemos cada vez mais escrever nossos livros e textos e opiniões na rede mundial de computadores (World Wide Web: www). Se por um lado a virtualização do texto escrito facilita a difusão de informações e de conhecimento, por outro facilita também a vida dos inquisidores. Uma vez que possuam em suas fileiras ovelhas que entendam de navegação na rede, podem invadir e destruir os sítios particulares, ou de grupos e empresas. Portanto, a perseguição continua! A mesma sensação de pavor que causa a invasão do domicílio de alguém pode voltar quando se vê todo seu trabalho ir por água abaixo por obra de um invasor eletrônico. (imagem abaixo, durante o golpe do general Pinochet no Chile em 1973, soldados queimam livros proibidospelo novo Senhor)

Num certo sentido, a intolerância pode se disseminar através da rede com muito mais velocidade do que pelos meios normais. Alguém no Brasil pode destruir um sítio no Egito ou Paris. Além disso, como são países diferentes, o destruidor, se e quando for descoberto, poderá ficar impune caso esteja protegido pela legislação de seu país de origem. Neste ponto, o comentário de Báez está desatualizado quando ele afirma que “não está longe o dia em que no lugar do fogo os biblioclastas utilizarão programas informáticos destrutivos, limpos e devastadores” (3). De fato, constitui grande desafio para alguns espíritos dogmáticos compreender o que significa a afirmação de que todo cidadão tem direitos e deveres, e que ninguém poderá ser privado de amplo direito de defesa (de si mesmo e de suas idéias) (4).

Notas:

Leia também:

François Truffaut e Seus Livros

1. BÁEZ, Fernando. História Universal da Destruição dos Livros. Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque. Tradução Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. P. 25.
2. Idem, p. 305.
3. Ibidem, p. 321.
4. 
Intellectual Freedom? Yes! Censorship? No!

2 de fev. de 2009

Os Biblioclastas (II)



(...) Onde
queimam
livros,
acabam queimando
homens
(...)

Heinrich Heine,
Almansor, 1821




Pedantocracia

O Holocausto foi precedido por um Bibliocausto. A barbárie começou já em 30 de janeiro de 1933, quando Hitler subiu ao poder. Em 4 de fevereiro uma Lei de Proteção do Povo Alemão restringiu a liberdade de imprensa e confiscou tudo que fosse considerado perigoso para o bom funcionamento da sociedade, segundo o ponto de vista nazista (1). No dia seguinte, as sedes do Partido Comunista foram atacadas e suas bibliotecas destruídas. No dia 27 o Parlamento alemão (Reichstag) foi incendiado em circunstâncias controversas. Isso propiciou um aprofundamento da Lei de Proteção, fim da liberdade de reunião e opinião. Joseph Goebbels é nomeado para o recém criado Ministério do Reich para a Educação do Povo e para a Propaganda. Ele tinha total controle sobre os currículos escolares e universitários.

Ideologia Opressora Latente do Povo


“Na idade Média eles
teriam me queimado
.
Agora se contentam em
queimar
meus livros.

Sigmund Freud



Adolf Hitler tinha grandes planos para a Alemanha. Nos acostumamos a lembrar dele a partir de imagens clichê de megalomanias militares. Entretanto, sua megalomania ia bem mais além dos simples jogos de guerra, a noção de pureza racial guardava uma relação direta com a estética - talvez mais do que com um comportamento móbido. Purificar a raça significava também reencontrar a pureza germânica que havia sido relegada ao mundo da arte. Pelo menos, de uma certa arte... A partir de 1933, Hitler resolve mostrar ao povo alemão aquilo que estaria contaminando a pureza germânica também em seu último reduto. Chamou-se Arte Degenerada ao conjunto das exposições de arte contemporânea onde Hitler pretendia mostrar ao povo alemão toda a degenerescência a que a cultura estava sujeita. Todos os expressionistas, os dadaístas, Picasso e tantos outros foram mostrados como gente demente. No mundo da literatura e da ciência havia também, segundo Hitler, uma degeneração que contaminava a alma do povo alemão.

A 8 de abril Goebbels envia um memorando às organizações estudantis nazistas propondo a destruição dos livros considerados perigosos. Mas já no mês anterior livros foram queimados na Schillerplatz, num lugar chamado Kaiserslaultern. Em 1º de abril, queimas e saques de livros ocorreram nas cidades de Düsseldorf e Wuppertal – nessa última, em Brausenwerth e Rathausvorplatz (2) (vou colocando os nomes caso alguém resolva fazer uma peregrinação pelas esquinas da Alemanha). Em 2 de maio, foram destruídos textos na Gewerkschaftshaus de Leipzig. Estudantes da Universidade de Colônia invadiram a biblioteca, recolheram e queimaram todos os livros de autores judeus. (todas as imagens deste artigo mostram algumas dessas fogueiras, ou então os momentos que antecederam a algumas dessas queimadas públicas)

Em 10 de maio membros da Associação de Estudantes Alemães queimaram cerca de 25 mil livros retirados de bibliotecas universitárias, institutos de pesquisa e bibliotecas particulares de judeus. Uma multidão se concentrou ao redor dos estudantes e da grande fogueira. Goebbels estava lá e discursou triunfante (terceira imagem abaixo, à direita). Exaltou o papel da juventude nessa “limpeza” da cultura alemã (como sempre, a prepotência fruto da inexperiência da juventude, facilmente consegue transformar os jovens em monstros). Algumas das cidades alemãs onde se queimaram livros nesse dia foram: Bonn, Braunschweig, Bremen, Breslau, Dortmund, Dresden, Frankfurt/Main, Göttingen, Greifswald, Hannover, Hannoversch-Münden, Kiel, Königsberg, Marburg, Munique, Münster, Nuremberg, Rostock e Worms. Todos cantavam enquanto lançavam livros ao fogo ao final de cada estrofe, em seguida citavam os nomes dos condenados à fogueira:


“Contra a decadência em si e a decadência moral. Pela
disciplina, pela decência na família e na propriedade”:

Heinrich Mann, Ernst Glaeser, E. Karstner

“Contra o pensamento sem princípios e a política
desleal. Pela dedicação ao Povo e ao Estado”:

F.W. Foester


“Contra o esfacelamento da alma e o excesso de ênfase
nos instintos sexuais. Pela nobreza da alma humana”:

Escola de Freud

“Contra a distorção de nossa história e a diminuição
das grandes figuras históricas de nosso passado”:

Emil Ludwig, Werner Hegemann



“Contra os jornalistas judeus democratas, inimigos do Povo.
Por uma cooperação responsável para reconstruir a nação":

Theodor Wolff, Georg Bernhard

“Contra a deslealdade literária perpetrada contra os soldados da [1ª]Guerra Mundial. Pela educação da nação no espírito do poder militar”:

E. M. Remarque


“Contra a arrogância que arruína o idioma alemão.
Pela conservação do mais precioso direito do Povo”:

Alfred Kerr

“Contra a impudicícia e a presunção. Pelo respeito
e a reverência devida à eterna mentalidade alemã”:

Tucholsky, Ossietzky


É curioso notar como algumas frases correspondem ao que muitos acreditam também faltar no Brasil de hoje. Isso mostra como é fácil uma boa intenção ser distorcida e manipulada em nome de interesses inconfessáveis. Toda ideologia opressora sabe muito bem que a manipulação de algumas reivindicações populares básicas de moralidade e respeito à cidadania (e mesmo as preconceituosas, como o anti-semitismo), permite a domesticação das massas (ou de pequenos grupos que funcionam como células terroristas que vão espalhando suas palavras de ordem por meio da intimidação).

Essa domesticação molda o pensamento das ovelhas de acordo com os interesses dos poderosos ou dos chefes de um bando de manipuladores. Seguramente, pelo mundo afora, muitas perseguições a idéias e seus autores são perpetradas em nome das mesmas estrofes citadas acima. No fundo, muita coisa que o regime nazista fez o povo aplaudir não foi imposta, tratava-se apenas da técnica de aprofundar algo que já se encontrava latente nos costumes do povo – como o anti-semitismo e o clamor por ordem numa sociedade que estava moralmente em frangalhos desde o final da 1ª Guerra Mundial. Os fins justificam os meios: esse tipo de manipulação é típica daqueles que se apresentam como salvadores da pátria.

O Mundo Cinza dos Carrascos

Suspeita-se que foram destruídos os livros de mais de 5.500 autores. Segundo consta, em 1933 existiriam 469 coleções de livros judaicos na Europa, com mais de 3.307,000 volumes: na Polônia, 251 bibliotecas com 1.650.000 livros; na Alemanha, 55 bibliotecas, com 422 mil livros; na ex-União Soviética, 7 bibliotecas, com 332 mil livros; na Holanda, 17 bibliotecas, com 74 mil livros; na Romênia, 25 bibliotecas com 69 mil livros; na Lituânia, 19 bibliotecas, com 67 mil livros; na ex Tchecoslováquia, 8 bibliotecas, com 58 mil livros. No final da Segunda Guerra Mundial, não teria sobrado nem 1/4 desse total. Os livros judaicos eram considerados “inimigos do povo”.

Na Polônia, o bibliocausto foi particularmente eficiente. Os nazistas atearam fogo na biblioteca talmúdica do Seminário Teológico Judaico da cidade de Lublin – o fogo durou 20 horas. Toda semana, de 1939 a 1945, uma biblioteca ou museu era atacado na Polônia. A biblioteca Raczynsky, a biblioteca do famoso matemático Waclaw Sierpinski, a biblioteca da Sociedade Científica, a biblioteca da Catedral, a biblioteca Nacional de Varsóvia, a biblioteca militar, a biblioteca Pública de Varsóvia, a biblioteca Tecnológica da Universidade de Varsóvia, todas foram destruídas e os livros queimados. Segundo os especialistas, cerca de 15 milhões de livros desapareceram na Polônia durante a Segunda Guerra. A Tchecoslováquia, que já estava invadida pelos alemães desde 1938, tinha 2 milhões de livros a menos no final de 1945. Longa também é a lista de autores censurados, vetados ou eliminados pelos nazistas, na Alemanha, Polônia, França e outros pontos da Europa ocupada (3). Sua reprodução é um tributo, e também é necessária para lembrar que nenhum de nós está livre dos biblioclastas e seus cães de guarda lobotomizados:

Nathan Asch, Scholem Asch, Henri Barbusse, Max Brod,

Richard Beer-Hofmann, Georg Bernhard, Martin Buber,

Günther Birkenfeld, Bertold Brecht, Hermann Broch,

Robert Carr, Hermann Cohen, Otto Dix, Alfred Döblin,

Casimir Edschmid, Ilia Ehrenburg, Albert Ehrenstein,


Albert Einstein, Lion Feuchtwanger, Georg Fink, Friedrich

W. Foerster, Bruno Frank, Sigmund Freud, Rudolf Geist,

Fiodor Gladkow, Ernst Glaeser, Iwan Goll, Oskar Maria

Graf, George Groz, Karl Grünberg, Jaroslav Hasek, Walter

Hasenclever, Werner Hegemann, Heinrich Heine,


Ernst Hemingway, Georg Hermann, Arthur Holitscher,

Albert Hotopp, Heinrich Eduard Jacob, Franz Kafka, Georg

Kayser, Alfred Kerr, Egon Erwin Kish, Kurt Kläber,

Alexandra Kollantay, Karl Kraus, Michael A. Kusmin Peter

Lampel, Else Lasker-Schuler, Vladimir Ilich Lênin,


Wladimir Lidin, Sinclair Lewis, Mechtilde Lichnowsky, Heins

Liepmann, Jack London, Emil Ludwig, Heinrich Mann,

Klaus Mann, Thomas Mann, Karl Marx, Erich Mendelsohn,

Robert Musil, Robert Newmann, Alfred Neumann, Iwan

Olbracht, Carl von Ossietzky, Ernst Ottwald, Leo Perutz,


Kurt Pinthus, Alfred Polgar, Theodor Pliever, Marcel

Proust, Hans Reimann, Erich Maria Remarque, Ludwig

Renn, Joachim Ringelnatz, Iwan A. Rodionow, Joseph Roth,

Ludwig Rubiner, Rahel Sanzara, Alfred Schirokauer

Schlump, Arthur Schnitzler, Karl Schroeder, Anna Seghers,


Upton Sinclair, Hans Sochaczewer, Michael Sostschenko,

Fyodor Sologub, Adrienne Thomas, Ernst Toller, Bernard

Traven, Kurt Tucholsky, Werner Türk, Fritz von Unruh,

Karel Vanek, Jakob Wassermann, Arnim T. Wegner, H. G.

Wells, Franz Werfel, Ernst Emil Wiechert, Theodor Wolff,

Karl Wolfskehl, Émile Zola, Stefan Zweig, Arnold Zweig.


Notas:

1. BÁEZ, Fernando. História Universal da Destruição dos Livros. Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque. Tradução Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. P. 241.
2. Idem, p. 242.
3. Ibidem, pp. 249-50. Fontes originais, Enciclopédia Britânica e Enciclopédia Espasa-Calpe.

1 de fev. de 2009

Os Biblioclastas (I)


“Aqueles que
ignoram o seu
passado   estão
condenados a
 repeti-lo”
George Santayana


Uma Religião Para se Orgulhar 


Em matéria de perseguição religiosa e extermínio do pensamento discordante, nada suplanta o terror da Inquisição. Tortura institucionalizada, condenações sem direito de defesa, censura e destruição de livros (e as idéias neles contidas), eis a herança que a Igreja Católica legou para o mundo Ocidental. Após a queda do Império Romano e a cristianização de suas cinzas, a consolidação do “império cristão” começa a esbarrar na pluralidade do pensamento e das vontades. Ou melhor, incisivamente ou apenas com sua simples presença, os livres pesadores, religiosos e/ou ateus, os movimentos religiosos de vários matizes nascentes ou remanescentes de formas arcaicas, começam a questionar a “força cristã”.

A Inquisição tinha como objetivo mapear esses movimentos de idéias contrárias aos seus dogmas e dissuadi-los por meio da excomunhão, tortura, ordálio (ou prova de Deus), queima de hereges (alcunha negativa que denomina todos que atacam a Igreja ou, simplesmente, discordam), chegando ao ataque a populações inteiras. Com o surgimento da Reforma Protestante de Martinho Lutero (que por sua vez teria pregado também o anti-semitismo) no século XVI, a bestialidade da Inquisição se institucionaliza. Muito já se falou a respeito das torturas e fogueiras de gente.

Em seu livro, História Universal da Destruição dos Livros. Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque (1), Fernando Báez mostra como ao lado de todas as formas autoritárias de governo, e das mortes de seres humanos que eles patrocinam, existe um outro crime contra a humanidade do qual pouco se fala. Báez mostra como a queima de livros sempre foi um empreendimento levado muito a sério pelos donos do poder em cada época da história. Não tanto pela destruição física do livro, pergaminho ou folheto, mas pela tentativa de destruir as idéias neles contidas. Um capítulo convenientemente pouco divulgado da Inquisição passa por essa forma de destruição da cultura humana. Muitas foram as listas de livros proibidos e de bibliotecas particulares destruídas, juntamente com seus donos.


Situação que lembra muito outro livro, Fahrenheit 451 (1953) (imagens acima), de Ray Bradbury, que ganhou uma versão para cinema em 1966, pelas mãos do cineasta francês François Truffaut. A história se passa num tempo futuro, onde as pessoas são perseguidas por possuírem livros. Os bombeiros, que hoje apagam incêndios, têm como função juntar os livros descobertos e queimá-los – fahrenheit 451 é a temperatura que deve ser atingida pelo fogo para queimar os livros com mais eficiência.

Para o Estado Totalitário que vigiava a todos, o perigo da disseminação de idéias novas (que poderiam levar ao questionamento de seus dogmas políticos) tornava a busca, apreensão e destruição (tanto dos livros quanto de seus donos) uma tarefa imprescindível. E assim era para uma Igreja Católica desvairada ao longo de alguns séculos, influência nefasta que chegou até o século 19 em alguns lugares onde ela ainda mostrava suas garras. Seja no livro, no filme, ou na Inquisição real, a desqualificação do discurso e das idéias de alguém (pelo fato de ter sido questionado por essas forças do obscurantismo) já funciona como uma mordaça.

O Santo Ofício e a Censura aos Livros 

O controle pelo medo é a arma da intolerância religiosa, que durante alguns séculos foi pregada por uma Inquisição cujo objetivo parecia ser instalar uma indigência do pensamento em sua área de influência. O questionamento de todas as visões de mundo que, direta ou indiretamente, contradiziam os dogmas da Santa Igreja gerou grandes listas negras. Em 1542, o Papa Paulo III constituiu o Santo Ofício. De modo geral, a Inquisição perseguia a todos que pudessem causar problemas políticos para a Igreja. O Santo Ofício, que fora criado em função da proliferação do protestantismo, se concentrava nos teólogos e sacerdotes, que eram rastreados por espiões e mercenários (2).

Em 1520, uma bula do Papa Leão X excomungou Martinho Lutero e publicamente proibiu a difusão, leitura ou citação de qualquer de seus escritos. A população, a maior vítima, passou a queimar os livros e efígies de Lutero (por medo de ser questionada ou por uma fé genuína que respeitava a autoridade da Igreja), que por sua vez mandou destruir a bula numa fogueira (3). Em 1529, foi proibida a impressão de livro não autorizado por um órgão sacerdotal. Em 1220 uma lei que autoriza o confisco dos bens dos hereges, facilitando a queima dos “teimosos”.


Em 1252, Inocêncio IX nomeou duas ordens eclesiásticas encarregadas do cumprimento das penas contra os hereges: dominicanos e franciscanos. Foi um dominicano fanático, Bernardo Guidonis, que em 1323 escreveu o primeiro manual de instruções para o combate as heresias. (imagem acima, à direita, Librorum Prohibitorum, 1559-1964, uma lista de livros proibidos publicada pelo Vaticano)

Espanha, o Inferno na Terra

A Inquisição na Espanha constitui um capítulo à parte, a perseguição contra toda opinião contrária era frenética! Em 1478, o rei Fernando II e a rainha Isabel I se destacaram na formulação de uma monarquia inquisitorial. Felipe II, em seguida, instaurou a censura católica. Judeus e Árabes foram perseguidos, aquele que não se convertia ao catolicismo era executado. Autores de livros e seus editores foram enforcados. Em 1570, criou-se um catálogo espanhol próprio de obras proibidas, o que permitiu o confisco e destruição de milhares de livros em toda a Europa. Em 1583, a Universidade de Salamanca elaborou um índice que especificava tanto obras quanto trechos proibidos. Assim, poderiam se suprimir frases, parágrafos e partes de um livro, como condição para permitir sua circulação. Esse índice circulou até 1790.

Em 1558 foi expressamente proibida a importação de livros e o contrabando deles era punido com penas elevadas. Os livros de Lutero e Calvino, o Talmude, o Corão, livros de adivinhação, superstições, alusões sexuais ou necromancia, foram todos proibidos. Na França, já a partir de 1563, a intimidação a impressores, vendedores e autores de livros era franca e aberta – imagine-se o quanto se poderia intimidá-los caso naquela época já existisse a televisão!


Como observou Turberville, não bastava proibir, era necessário comprovar que não se liam livros proibidos. A Inquisição utilizava agentes para fiscalizar as livrarias e as bibliotecas particulares (4).

Na América espanhola era a mesma coisa, Peru, México, Colômbia, Venezuela, de norte a sul a Inquisição se fez presente através do Santo Ofício, queimando homens e livros até a primeira década do século XIX. Havia até visitas domiciliares para interrogatório dos proprietários de livros. Equipes de busca fuçavam as cidades atrás de livros proibidos ou considerados questionáveis segundo o ponto de vista distorcido da Inquisição. “Um país se faz com homens e livros”, já disse Monteiro Lobato a respeito do Brasil. Não precisamos somente de livros, mas de leitores, livreiros, editores e autores livres. Como podemos ler naquela gravura do espanhol Francisco Goya (acima à esquerda): “o sono da razão produz monstros”.

Notas:

1. BÁEZ, Fernando. História Universal da Destruição dos Livros. Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque. Tradução Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
2. Idem, p. 160.
3. Ibidem, p. 159.
4. Ibidem, p. 162.


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Quadro de Avisos

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