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Roberto Acioli de Oliveira

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7 de dez. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (final)





“Nos E
stados Unidos [em 1994 existiam] mais
de 140,000 revendas autorizad
as de armas de fogo. Existem menos livrarias e escolas do que lojas
de armas, uma situação que teria chocado o morador mais durão
da antiga fronteira Americana”

Michael Bellesiles (1)





Um País de “?º” Mundo

Em 24 de março de 1998, Andrew Golden (11 anos) e Mitchell Johnson (13 anos) ligaram o alarme de incêndio da escola em Jonesboro, Arkansas. Enquanto todas as crianças se apressavam em sair do prédio, eles dispararam suas armas de fogo (três rifles e 7 pistolas) sobre elas. Em menos de quatro minutos, com vinte e dois tiros disparados, eles mataram quatro alunas e uma professora, ferindo mais onze crianças. Em 6 de abril, as revistas Time e Newsweek se faziam as mesmas perguntas de sempre (que repetiriam um ano depois, em 20 de abril de 1999, por ocasião de outro massacre na escola, desta vez em Columbine, Colorado):

“Como chegamos lá? Como os Estados Unidos chegaram a um ponto em que crianças atiram e matam? Como chegamos a uma cultura onde o Papai Noel dá uma espingarda de natal para uma criança de seis anos? De natal?” (2)

Com seis anos de idade, os pais de Andrew presentearam a criança com uma espingarda. Aos três anos, ele já posava para fotografias com uniformes camuflados e armas mortais (imagem acima). Ele e Mitchell cresceram com as armas de fogo e com Deus. Mitchell era ativo em sua igreja e impressionava os adultos por sua religiosidade. Um alto nível de violência pessoal separa os Estados Unidos das outras nações industrializadas. Níveis semelhantes de violência interpessoal, somente em países em guerra civil ou caos social (3) (como o Brasil?).

Os jornais estão cheios de histórias de tiros por motivos fúteis (como no Brasil?), como o caso do trabalhador de Michigan que atirou no amigo porque este pegou um de seus biscoitos sem pedir. Nos Estados Unidos, os médicos militares treinam em hospitais civis para ganhar experiência, dada a quantidade de ferimentos com armas letais (como no Brasil? A única diferença neste caso é que o exercito brasileiro não tem guerras para ir). Tornou-se comum nos Estados Unidos a colocação de detectores de metal na entrada das escolas, na busca por revólveres e facas (como no Brasil?). (imagem acima, video game Crackdown)

A cultura da arma nos Estados Unidos se traduz no “amor e afeto” (4) com que a sociedade vê suas armas. A mídia reforça a noção de que a solução de seus problemas cabe na sua mão. Vídeo games tornam acessível para qualquer criança um simulador de matanças, que irá treiná-lo a atirar sem a menor hesitação. Toda uma geração está sendo condicionada a matar. Nos Estados Unidos você não precisa registrar sua arma, por esta razão ninguém sabe quantas existem no país. O FBI estima em 250 milhões de armas de fogo em mãos de particulares, e 5 milhões são compradas a cada ano (5).

Somos Todos Civilizados Aqui no 1º Mundo...

“Em uma sociedade orgulhosa de suas contribuições à liberdade humana, a arma se tornou o ícone de uma civilização selvagem”

Michael Bellesiles (6)

Aquele país se resignou a acreditar que essa violência é imutável, fruto de seu passado de guerras com outros países, ou entre eles, e com os índios. A “necessidade da violência” na fronteira selvagem dos primeiros tempos da colonização vem da fé de que “a regeneração vem através da violência”. A conclusão: os norte-americanos sempre foram assassinos. Essa herança hobbesiana de cada um contra todos está na base da aceitação da freqüente violência nos Estados Unidos. Portanto, e convenientemente, nada poderia ser feito para alterar a cultura da arma na América do Norte...

Na verdade, uma análise mais profunda mostra que a posse de armas de fogo sempre fora algo incomum do século 17 ao começo do 19, mesmo na fronteira selvagem do oeste. Elas só começaram a se tornar uma mercadoria comum com a industrialização do país em meados do século 19, mesmo assim com uma concentração nas áreas urbanas. “A cultura da arma cresceu com a indústria da arma”. Desde o principio, o governo norte-americano trabalhou para armar seus cidadãos (7).

Sempre a Prostitu... A Propaganda

Nesta cultura da arma norte-americana, as revistas de armas estão longe de fornecer artigos críticos em relação a elas. Ao contrário das revistas sobre automóveis, onde se podem encontrar criticas a indústria automobilística ou aos modelos de novos carros, nas revistas sobre armas de fogo nunca se encontra uma palavra sequer contra qualquer arma ou fabricante. Todas as armas de fogo (norte-americanas) são ótimas e maravilhosas. A única voz que pode criticar alguma arma nessas revistas vem dos representantes das marcas, que criticam umas as outras para convencer o cliente que o seu produto é melhor. Na edição da revista Guns & Ammo de dezembro de 1998, uma propaganda mostrava Papai Noel camuflado e com rifles saindo do saco, ele colocava pistolas e munição numa arvore de natal enquanto uma menininha sorri para ele.

Mesmo assim, os defensores da posse de armas de fogo pela população sentem-se acuados pelo que eles chamam de “liberais fanáticos” que querem desarmar todo mundo e até a polícia. Neste mesmo ano, um defensor das armas de fogo afirmou que criar leis não é a maneira correta de resolver a questão. A solução é mudar a Constituição, que em sua 2ª Emenda decreta o direito de qualquer cidadão norte-americano possuir armas de fogo sem licenças, permissões ou taxas.

Charlton Heston, famoso ator de Hollywood (imagem abaixo), ex-presidente da Associação Nacional do Rifle (National rifle Association, NRA), coloca a culpa na mídia. Segundo ele, a obsessiva repetição de uma programação televisiva e cinematográfica cheia de brutalidade, terror e sangue, é o que na verdade alimenta a violência que a própria mídia noticia e publica. Heston tinha um ponto de vista um tanto monolítico, mas deve-se admitir que só nos Estados Unidos possam existir calendários de mulheres belas e gostosas com biquínis e armas de fogo (8).

Somos Todos Assassinos?







“Nada na história é imutável”

Michael Bellesiles (9)






As armas de fogo são centrais para a identidade dos norte-americanos. Da programação de televisão à novela, dos romances baratos à literatura da elite, as armas são empregadas para relacionar o essencial do caráter norte-americano: impaciência, franqueza, barulhento, independente e sujeito a explosões de brutalidade. Os sinais dessa cultura da arma estão em toda parte, nas letras de música, nos jornais, pôsteres de filmes, capas de livros e cd’s, saídas de emergência e blocos de papel da polícia. Alguns Estados norte-americanos aprovaram projetos proibindo seus cidadãos de processar a indústria de armas. Nenhum outro fabricante recebe tal proteção estatal.

As pesquisas sobre ferimentos a bala são sistematicamente boicotadas nos Estados Unidos. O Estado de Washington estava tão preocupado com as evidências estatísticas de que a posse de armas de fogo aumenta a probabilidade de alguém levar um tiro, que colocou os arquivos policiais fora dos limites dos estudiosos (“policiólogos”?) e epidemiologistas (como no Brasil?). “A arma deve ser protegida da pesquisa” (10).

Michael Bellesiles defende a hipótese de que toda essa “história” da necessidade da arma desde sempre (incluindo a pré-história) é uma construção. Trata-se de uma tradição inventada. Uma leitura da história do passado a partir dos interesses do presente (como no Brasil?). Os Estados Unidos não foram sempre voltados para uma cultura da arma. A coisa não “foi sempre assim”. Foi após a Guerra Civil Americana que surgiu essa noção de que um povo bem armado sustentaria o sonho americano. A partir desse preciso momento, surgiu uma cultura da arma. Bellesiles afirma que se trilhou um longo caminho desde uma sociedade indiferente às armas de fogo (que só tinha preocupações religiosas e liberais) até a total aceitação delas (11).

Notas:

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. P. 14.
2. Idem, p. 4.
3. Ibidem.
4. Ibidem.
5. Dados de 1992.
6. BELLESILES, Michael A. Op. Cit., p. 15.
7. Idem, p. 5.
8. Ibidem, p. 7.
9. Ibidem, p. 16.
10. Ibidem, p. 9.
11. Ibidem, pp. 9-16.

6 de dez. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (V)


Uma Revol
ução e...

Em 1775, milhares de homens se apresentaram para confrontar o Império Britânico. A Revolução Americana apresentou a primeira oportunidade para o estabelecimento de uma cultura da arma entre os brancos nos Estados Unidos. Vencido o inimigo, ninguém estava mais interessado em armas, nem mesmo um governo federal que agora tinha muitos problemas financeiros para fazer o país funcionar. O arsenal acabou apodrecendo. Sabemos que a França era inimiga do inimigo dos futuros norte-americanos. Foi ela que forneceu o arsenal utilizado na luta contra os ingleses – embora também houvesse armas holandesas e até inglesas roubadas. Os especialistas sabiam, entretanto, que manter a dependência em relação a outro país colocava o futuro da nação numa posição precária (1).

Os esforços para se criar uma fonte estável de armas de fogo para os Estados Unidos inicia um longo processo por parte do governo federal pra armar seus cidadãos brancos. Esta se provaria uma tarefa extremamente difícil e frustrante que levaria 70 anos. O primeiro receio que surgiu já no período inicial, como havia acontecido na Europa antes, foi o medo da elite de que os pobres pudessem utilizar, “de forma incorreta”, as armas que o governo federal queria distribuir. Outro problema era a resistência em admitir o controle por parte de uma milícia federal, pois alguns acreditavam que os Estados se arriscam a perder sua soberania (2). No final, todos concordaram que só o governo federal poderia manter uma milícia bem armada e treinada.

...Uma Constituição

O artigo I, seção 8 da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, garantiu a autoridade do Congresso Federal quanto ao controle de uma milícia nacional que faria valer as Leis da União, suprimiria insurreições e repeliria invasões do território nacional. Ainda havia críticas, que sugeriam que isso era um cheque em branco para o governo federal reprimir qualquer desafio a sua autoridade. Já em 1787, um argumento se tornaria o centro da crença norte-americana. Mais difícil de determinar era a relação entre a noção da milícia enquanto suporte dos Estados e a posse de armas de fogo. (imagem ao lado, assinatura da declaração de independência)

Segundo especialistas, há uma relação direta entre a posse individual de armas de fogo e a milícia, uma relação que informa a 2ª Emenda. Segundo o texto da Emenda, os Estados e o Governo Federal mantiveram a tradição britânica de controlar o suprimento e o acesso a armas de fogo (3). Em 1780, a Constituição de Massachusetts declarou que “o povo tem o direito de possuir e usar armas para proteção”. Mas este direito não coloca o indivíduo acima do Estado porque, “como em tempo de paz exércitos são perigosos para a liberdade, eles não deveram ser mantidos sem o consentimento da Assembléia Legislativa; e o poder militar deverá sempre estar subordinado a autoridade civil, e governado por ela” (4). O povo usa armas para proteção como resultado de uma suspeita natural em relação aos militares, apesar da defesa que estes fizeram do povo durante a Revolução contra os Ingleses.

A diferença marcada entre o cidadão comum armado sendo subordinado a uma milícia federal armada e treinada é que levantava as criticas daqueles que eram contra o governo federal – os anti-federalistas. Por outro lado, quando se olhava para a Europa, o que se via eram grandes exércitos e corpos bem treinados de infantaria leve varrendo os últimos remanescentes da guerra medieval. Portanto, a questão de uma milícia ou um exército “bem treinado” não tinha como objetivo isolar o cidadão comum da ação ao subordiná-lo a uma força federal especializada. A questão de fundo era, pelo menos também, relacionada como as mudanças na forma de organização das campanhas militares – uma questão com a qual os Europeus já estavam se defrontando há uns dois séculos.

Notas:

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. P. 209.
2. Idem, p. 212.
3. Ibidem, p. 214.
4. Ibidem, a ênfase é minha.

5 de dez. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (IV)

“Abençoados os pacificadores; pois eles
serão chamados as crianças de Deus”

Mateus 5:9

Nada Como Uma Guerra Para Aquecer as Vendas

Com o fim da Guerra Civil Americana, não houve um desarmamento das tropas desmobilizadas. Assim, todo o armamento foi levado para casa com os ex-soldados. A unificação do país pela guerra mostrou que a arma de fogo foi o verdadeiro ícone da União. Foram as armas que resolveram o problema da escravidão dos negros e da desunião do país. “Ninguém deve se enganar sobre o significado das armas para vencer a guerra pela liberdade nos Estados Unidos” (1).

Num primeiro momento, o excesso de armas nas mãos da população criou um problema para as fábricas. Elas que haviam enriquecido durante a guerra civil, agora estavam à beira da falência. As companhias que conseguiram atravessar este problema prosperaram e agora a América do Norte começa exportar armas de fogo.


Mas a produção de armas de fogo não é em si mesma suficiente para criar uma cultura da arma. Se assim fosse, a Inglaterra teria desenvolvido esse tipo de cultura bem antes. É necessário existir uma convicção, sustentada pelo governo, de que a posse de armas serve a um propósito social maior. Por exemplo, de que elas preservam a liberdade da nação ou a segurança da família. Os anúncios de todas as fabricantes de armas jogavam com estes dois temas, e com o incentivo de baixos preços (2). Em 1863, ainda durante a guerra civil, um acontecimento mostrou que a relação das pessoas com as armas estava mudando. Pela primeira vez na história daquele país, a polícia atirou numa multidão de trabalhadores manifestantes irlandeses que estavam depredando os escritórios de alistamento militar em Nova York. A multidão depredou também bairros negros e por fim sacou suas próprias armas e atirou de volta na polícia.

A guerra civil inspirou muitas carreiras criminosas depois que o conflito terminou. A taxa de crimes começa a aumentar nas cidades, enquanto muito da violência atribuída ao “velho oeste” não passava de mito. Mesmo quando o assunto era direitos constitucionais da população, grupos de pessoas eram capazes de fazer valer seus interesses pela força das armas. Em 1866, os Republicanos da Louisiana, supostamente apoiados pelo próprio governo Federal, reuniram-se com a intenção de escrever uma constituição dando direitos civis aos negros. Brancos enfurecidos, liderados pela polícia, atacaram o prédio e a população. Trinta e oito pessoas morreram e cento e cinqüenta ficaram feridos. Nada como isso havia ocorrido no país antes (3).

A Propaganda é a Alma do Negócio

O custo das armas de fogo começa a baixar e elas se tornam o equipamento padrão para assassinos e suicidas nos Estados Unidos. Em 1879 uma revista religiosa oferece uma pistola para cada assinatura. A oferta foi muito popular, apenas quatro pessoas reclamaram dessa relação entre religião e armas. Muitas assinaturas foram de sacerdotes. Durante boa parte do século 19, a melhor propaganda era comparar as armas produzidas por sua fábrica com os modelos ingleses. Mas a maioria dos fabricantes manipulava o medo de uma sociedade pesadamente armada. Era a idéia da proteção individual.

Em 1870, todos tinham medo de mendigos e vagabundos. Existia a convicção de que milhares deles espalhavam-se pelo país pensando apenas em assassinato. Foi lançado um revólver que cabia no bolso exatamente para esse tipo de defesa. A propaganda dizia que, mendigos, ladrões e assaltantes infestam todas as partes do país. Mas a solução era óbvia: “Todo mundo deveria se armar”. O medo se tornou o perigo e as pessoas começaram a se armar. Tiros acidentais se tornaram comuns e discussões familiares muitas vezes acabavam em fatalidades. Sem esquecer as balas perdidas.

Na mesma época, era muito bem aceita a frase que dizia que “Deus criou os homens; Coronel Colt os tornou iguais”. A crença de que dois homens armados eram iguais, na verdade, acabou criando problemas para a igualdade na América do Norte pós-guerra civil. Com a liberdade. Os negros também começaram a se armar como símbolo de sua autoridade recém conquistada. Começam a se forma milícias armadas, legais e ilegais, por todo o país. A mais famosa entre as ilegais talvez seja a milícia racista chamada Ku Klux Klan.

O fabricante de armas Samuel Colt referia-se a elas como os “pacificadores”. Em 1861, o reverendo T. C. Browell foi assaltado. No dia seguinte Colt escreveu uma carta e mandou uma cópia para a imprensa: “tomei a liberdade de mandar uma cópia do meu último trabalho em ‘Reforma Moral’, acreditando que, na hipótese de outros saques serem tentados, os perpetradores possam sentir um efeito da influência moral de meu trabalho”. Junto com a carta, Colt mandou um revólver. Em 1872, depois de sua morte, sua companhia cria um revólver chamado “O Pacificador”. A visão de Colt triunfou, naquele ano armas de fogo estavam por todo lado na América do Norte (4). *

Notas:

* As partes I a III deste artigo se encontram no arquivo de novembro de 2008.

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. P. 431
2. Idem, p. 432.
3. Ibidem, p. 435-6
4. Ibidem, p. 430.

20 de nov. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (III)


Nós Somos os Santos

As armas eram apenas uma das muitas vantagens que os europeus tinham em sua conquista da América. Apesar disso, elas não se provaram decisivas. As narrativas que falam que as batalhas contra os índios podiam matar alguns deles davam a impressão de que as armas de fogo européias picotavam suas vítimas. Estudos mostram que outras armas eram responsáveis pela maioria das mortes. Especificamente, espadas, machados e fogo eram as armas mais mortais na guerra colonial. Nem sempre os índios corriam assustados com medo das armas de fogo. As primeiras quatro tentativas espanholas de invasão da Flórida fornecem ampla evidência da habilidade dos índios em resistir às incursões européias armados apenas com arcos e flechas. Entre 1513 e 1562, a tecnologia européia em armas de fogo utilizada pelos espanhóis provou ser irrelevante (1).

Inicialmente, os franceses seguiram a política espanhola de não comerciar armas de fogo com os índios. Entretanto, em 1640, os franceses fizeram uma exceção aos Huron do Canadá, que naquela altura haviam sido cristianizados. Certa feita, os Huron encontraram seus inimigos, os Mohawk, no caminho. Os Mohawk ficaram abalados ao descobrir que índios também podiam utilizar mosquetes e fugiram. Isso levou os franceses a fornecer armas de fogo para seus aliados índios, para que os ajudassem contra outros índios e contra os competidores ingleses no sul. Os índios perceberam que, para conseguir armas de fogo, bastava abraçar a religião dos europeus. Como escreveu um jesuíta em 1644, “a utilização do arcabús, recusado aos Infiéis... e garantido aos cristãos recém batizados, é um poderoso encanto para atraí-los: parece que nosso Senhor pretende fazer uso desses meios de forma a tornar a cristandade aceitável nessas regiões” (2).

Em 1644, na região da América do Norte que correspondia à colonização inglesa, havia um mosquete para cada quatro homens – na colônia da Virgínia, essa percentagem só seria superada na Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865. A maioria das armas estava nas mãos de gente do governo e de soldados, mas se temia que de uma forma ou de outra as armas caíssem nas mãos de índios. Ao contrário dos franceses, o comercio de armas era fora da lei entre os ingleses (3). Massachusetts era a colônia inglesa mais militarista. Na medida em que os assentamentos dos ingleses se expandem na região da Nova Inglaterra, os conflitos com os índios se intensificam. Nem índios nem europeus tinham a tradição do assassinato em massa, mas essas atrocidades acabaram se tornando rotina em ambos os lados. Os ingleses costumavam dar uma salva de tiros e partir para o confronto direto empunhando espadas e queimando aldeias, preferivelmente com gente dentro das cabanas.

Todas as armas de fogo existentes na América do Norte no século 17 vieram da América do Norte. Os vários governos europeus não viam razão para implementar a produção de armas de fogo nas colônias, mesmo porque ainda estavam longe de conseguir criar número suficiente de fabricantes em seus próprios reinos. Havia também pouca evidencia de que essas armas estivessem fazendo tanta diferença nas guerras de conquista.

Na América do Norte, dois sistemas de violência estavam lentamente se articulando. Para os europeus, a violência era monopólio do Estado, enquanto para os índios era uma questão de honra individual. Essa divisão perduraria até o século 19. Por outro lado, a política de extermínio da coroa britânica vinha também articulada a uma profunda justificativa religiosa. Como estabeleceram os residentes da cidade de Milford: “votado, que a terra é o Senhor e a completude dela; votado, que a terra é dada aos Santos; votado, que nós somos os Santos” (4). *

Notas:

* A sequência deste artigo se encontra no arquivo de dezembro de 2008.

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. P. 46.
2. Idem, p. 50.
3. Ibidem, p. 58.
4. Ibidem, p. 63 e 67.

17 de nov. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (II)


A Tendência Expansionista (e o Futuro Mercado de Armas?)

Entre os séculos 15 e 16, alguns governos europeus debatiam se deveriam substituir o arco e flecha pelas armas de fogo. Na virada para o século 17 havia dois tipos de arma: o arcabús e o mosquete. Um era pouco precisão no tiro, o outro muito dispendioso. Levava-se muito tempo para carregar e disparar, enquanto o arco e flecha disparava 12 flechas durante o tempo necessário para carregar um mosquete, além de ter um alcance maior. A relutância advinha do fato de que por muito tempo o arco e flecha fora o armamento padrão, responsável por algumas das vitórias mais decisivas durante 5 séculos. Porém, em 1595, o governo inglês decidiu substituí-lo pela arma de fogo.

Entretanto, já em 1590, nem mesmo nos primeiros assentamentos da colonização britânica da América do Norte havia um consenso sobre isso (1). Por outro lado, alguns acontecimentos deixaram claro que se a Inglaterra desejava competir pelo controle internacional nessa época, deveria desenvolver exércitos altamente treinados e organizados segundo o modelo da Europa continental.

A Inglaterra concluiu que deveria aderir àquela corrida armamentista. A França e a Espanha haviam aderido às armas de fogo, o que significava que seus exércitos passariam a ser reconstruídos a partir de soldados profissionais que necessitavam de anos de treinamento. Na Inglaterra, ainda existia uma visão medieval do cidadão-soldado sem treinamento especializado (daí o sucesso do arco e flecha), defendendo uma ilha isolada. Portanto, uma postura expansionista naquele momento, significava (esse era o debate) maior competitividade militar. Mas os Ingleses que defendiam esse expansionismo compreendiam as limitações das novas armas. Todo o debate girava em torno do fato de que se propunha substituir o arco e flecha em uma época onde ele ainda era uma arma superior.

A Arma e a Conquista da América do Norte

Em 1609, quando os franceses chegaram lá no Canadá, mais especificamente em Quebec, perceberam que para sua sobrevivência a melhor coisa a fazer era estabelecer alianças com os índios. Só que não dava para ser amigo de todo mundo! No caso daquela área, os índios eram os Huron, só que eles tinham inimigos, os Mohawk. Com seus arcabuses (um mosquete pequeno), três franceses acompanharam os Huron em uma expedição contra os Mohawk naquele mesmo verão. Então aconteceu uma das poucas batalhas na América do Norte durante o século 17, e foi quando as novas armas européias se provaram decisivas. No fundo, tudo foi resolvido com apenas um tiro.

Foram dois mortos e um gravemente ferido, e o restante dos Mohawks fugiu. Passariam décadas antes que outros europeus pudessem aterrorizar tanto os índios novamente com armas de fogo. Depois dessa fase, a resistência ao europeu aumentaria, uma vez que os índios finalmente perceberam que os estrondos e explosões das armas de fogo não eram a voz de nenhum espírito. (2).

É uma crença estabelecida que, no início da conquista das Américas, as armas de fogo significavam uma vantagem tecnológica que os índios nunca poderiam superar. Na verdade, armas de fogo eram curiosidades raras no século 16 quando a Espanha conquistou o México e grande parte da América do Sul. Elas também apareceram em números muito pequenos entre ingleses, holandeses e franceses no século 17, quando essas nações estabeleceram suas primeiras bases na costa leste da América do Norte. As armas de fogo não dominariam a guerra no Ocidente até o século 19. A supremacia européia também foi causada por: elemento surpresa, controle político centralizado, uma disposição para matar inocentes, superioridade de transporte, epidemias e muitos imigrantes. Ainda que as armas de fogo fossem chamadas de “milagre da cristandade” por um arcebispo inglês, elas estavam bem no fim da lista de vantagens gozadas pelos europeus (3).

Naquela época, talvez pela demorar em recarregar e falta de precisão de tiro, as armas de fogo eram mais efetivas para a defesa. Como os europeus queriam colonizar e não apenas conquistar, construiu-se muitos fortes, o que maximizava o uso das armas. Entretanto, as armas de fogo eram mais significativas como objetos de troca com os índios. Houve uma mudança na relação entre os índios armados e seus inimigos tradicionais. Ainda se afirme que a letalidade que alcançaram tinha mais a ver com os novos métodos do que com o material. Como ocorreu na Europa, a introdução das armas de fogo implicou uma mudança de ponto de vista no que diz respeito ao campo de batalha. A organização mudou ou, diriam alguns, ela finalmente chegou.

Notas:

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. P. 23 e 26.
2. Idem, pp. 40 e 45.
3. Ibidem, 41.

7 de nov. de 2008

A Cultura da Arma na América do Norte (I)


Sempre a Europa

A noção de que a pólvora poderia ser usada para impulsionar um projétil parece ter se desenvolvido simultaneamente na Europa e na China. Foram encontrados esboços mostrando armas deste tipo em 1326 (Europa) e 1332 (China). Porém, se passariam séculos antes que as melhorias tecnológicas na área fossem vistas pelos europeus como algo mais do que curiosidades. As armas portáteis tiveram um desenvolvimento lento e foram objeto de suspeita e hostilidade. O cavalo era considerado uma ferramenta de guerra bem mais importante. Além disso, desde o começo a fascinação com as armas de fogo era um fenômeno urbano (1).

As pessoas e oficiais ligados aos armamentos militares não tinham idéia do que as armas de fogo representariam no futuro. As armas com lâminas haviam melhorado muito desde os tempos medievais enquanto o armamento tradicional com flecha demonstrava enorme potencial. O arco e flecha chinês do século 13 era letal acima de 400 metros, sendo mais letal do que os mosquetes do século 18. O arco e flecha europeu era menos eficiente, mas era largamente utilizado. A tecnologia da catapulta também foi aperfeiçoada no período medieval e seu desempenho continuou superior ao do canhão até a metade do século 15.

Tantos eram os problemas operacionais com as primeiras armas de fogo, que muitos não compreendiam a fascinação que levava os europeus a persistir acreditando que aquilo serviria para alguma coisa. Isso perdurou até o advento da baioneta no século 18. Em 1439 as armas de fogo portáteis foram utilizadas pela primeira vez, quando bolonheses abriram fogo contra seus rivais venezianos. Contudo, os venezianos venceram a batalha, imediatamente massacrando aqueles que utilizaram esta “inovação covarde e cruel”.

Entre a aristocracia européia, a crença de que as armas de fogo não eram adequadas para um cavalheiro persistiu até o século 17. A maioria dos aristocratas e dos soldados profissionais achava que armas de fogo minavam a habilidade militar e a masculinidade. Segundo esse ponto de vista, o combate deveria ser um teste de força, coragem e habilidade. Temia-se que qualquer pessoa do povo com treinamento no uso das armas de fogo poderia tornar-se perigosa para a classe dominante. Mas havia também outro motivo porque soldados profissionais odiavam armas de fogo: elas eram mortais. Muitas batalhas no final da Idade Média terminavam com poucas mortes, terminando com a rendição de um grupo para outro. Fazer prisioneiros era mais importante, ao passo que com armas de fogo não só se matava, mas nem mesmo se poderia saber quantos cairiam (2).

A transformação da guerra pelas armas de fogo veio, mas não imediatamente. Mesmo na Europa, centro do desenvolvimento das armas, os soldados carregavam uma grande variedade de armamento até o final do século 18. Foi apenas no final do século 19 que a grande virada aconteceu. O campo de batalha não mais seria formado por um conjunto de combates isolados, as armas de fogo necessitavam de mais coordenação e garantiam a um comandante muito mais controle do que qualquer líder feudal jamais exerceu. Mesmo assim, os militares se mantiveram céticos em relação às armas de fogo, normalmente considerando-as como um suplemento aos métodos tradicionais de luta.

Os governos também se mantinham reticentes em relação às armas de fogo. Acima de tudo, eles temiam a utilização dessa tecnologia pelos indivíduos e não apenas pelo exército. Nenhum monarca queria testar a hipótese de que apenas uma companhia de soldados poderia subjugar um bando de descontentes armados. As classes dirigentes não viam razão para aceitar qualquer nível de desordem social por causa da disponibilidade de armas. Como resultado, os governos integraram as armas de fogo apenas lentamente aos seus exércitos, ao mesmo tempo em que mantinham um olhar cauteloso e vigilante sobre a distribuição de armas aos civis – se é que isso aconteceu.

Portanto, somente a elite, o exército e, no caso da Inglaterra em 1541, aqueles que eram capazes de faturar mais de 100 libras por ano com suas propriedades, poderiam ter acesso às armas de fogo – a curiosidade do caso inglês é que, para ter direito de voto nas eleições municipais, a pessoa deveria possuir uma propriedade 50 vezes menos valiosa do que as 100 libras. Havia também o fato de que as armas de fogo eram mais difíceis de construir, portanto eram mais fáceis de regulamentar do que o arco e flecha (3).

Notas:

1. BELLESILES, Michael A. Arming America. The Origins of a National Gun Culture. New York: Alfred A. Knopf, 2000. Pp. 18-9.
2. Idem, p. 20.
3. Ibidem, p. 22.

23 de out. de 2008

Masculinidade e Violência

A definição da representação social da masculinidade nas sociedades tradicionais se sustentava no conceito de virilidade e sua articulação com o mundo do trabalho e da violência. Neste sentido, o homem desempregado é visto como alguém sem força viril. A perda de posses e de honra é vista como um ataque à condição masculina, a sensação de humilhação evocada aí geralmente antecede situações de violência. A perda de alteridade, decorrente da perda de poder da condição masculina, levaria o homem a reivindicar a reintegração da posse de si mesmo através de atos de violência. A cultura autoriza o uso da força física para provar sua virilidade quando não se sentir reconhecido como homem. Portanto, através de atos violentos o homem procura recuperar seu status social masculino perdido: “mato, logo existo” (1).

A perda do status que a representação social da masculinidade seria fruto da desintegração dos valores das sociedades tradicionais quando estas se metamorfoseiam em sociedades modernas. Nas sociedades tradicionais, a violência era articulada a certos rituais sagrados. Hoje tudo mudou, o patriarcado herdado desse contexto é visto como símbolo do passado e como um entrave que restringe a consolidação de uma nova sociedade. Regulada em torno do político e do informacional, a sociedade contemporânea afirma outro tipo de masculinidade. Entretanto, se antes a violência era minimamente regulável pelo sagrado, atualmente a falta de definição de um momento de transição para uma nova representação masculina leva à utilização gratuita da violência como forma de reinstalar o antigo estado de coisas.

A ligação da violência ao sagrado nas sociedades tradicionais pode ser encontrada nos rituais de passagem do menino para a idade adulta. No contexto tradicional, não é permitido haver dúvida sobre que tipo de homem se deseja ser, sob pena de desequilibrar a força formadora dos padrões culturais de determinada sociedade. A violência contra a mulher pode ser interpretada como uma resposta à perda de identidade masculina representada em uma rejeição por parte dela. Desta forma, a atitude dela estaria dizendo que um homem não é um homem. Logo, adotando o único parâmetro que lhe foi ensinado desde cedo, a resposta violenta masculina procura recuperar o território perdido: “perdê-la é perder a si mesmo, e assim sendo, reage de modo que, se não pode tê-la, então ninguém a terá” (2).

Na transição das sociedades tradicionais para a modernidade, estaria em curso uma “crise de identidade masculina”, uma desmontagem do masculino tradicional. A honra, a virilidade e a força física tornaram-se a imagem de um homem obsoleto. Por outro lado, a feminização da cultura ocidental contemporânea levaria ao que Baudrillard chamou de uma sociedade que prescinde da alteridade, do Outro. Em conseqüência, o Outro se torna o próprio Mal – e a representação que o “discurso do politicamente correto” faz do mal é masculina, branca e heterossexual. Como a crise masculina é tratada na perspectiva do sujeito e não da cultura onde são concebidas as representações sociais, a culpa de suas falhas e indefinições passa a ser imputada somente a ele e não ao espectro mais amplo dos valores culturais da sociedade que o construiu (3). Em uma comparação simplificada, poderíamos dizer que acontece da mesma forma como quando se afirma que a culpa é do indivíduo (quando quem mata é a polícia) ou que é da sociedade (quando quem mata é o bandido pobre).

No contexto tradicional, o consentimento do uso da força geralmente sempre esteve associado aos exércitos. Era uma violência consentida com vias a assegurar o domínio ou a defesa das nações. Entretanto, essa violência restrita aos campos de batalha passa na era moderna a se disseminar dentro da própria sociedade como violência doméstica, no trânsito, nas torcidas de futebol, nos assaltos e na reação policial a eles – além de outros tantos exemplos que poderiam ser citados de violência no cotidiano da cidade. Na passagem para as sociedades individualistas modernas, a força física, enquanto atributo de masculinidade vai perdendo terreno para o uso da arma. As sociedades contemporâneas têm lidado com a disseminação da violência de forma superficial, autorizando a oposição de uma “boa violência” contra uma “má violência” (4).

O curioso é que, apesar da hostilidade em relação à representação de masculinidade viril, ela é utilizada como parâmetro para as minorias reivindicarem diretos de igualdade. Os negros, as mulheres e os homossexuais, em suas reivindicações de afirmação social, aspiram à paridade com o mundo do homem, branco, heterossexual. Minorias que são vítimas dele, mas que desejam o mesmo status que ele desfruta. Na raiz disso tudo, estaria uma banalização da masculinidade articulada com o individualismo típico das sociedades contemporâneas. Para as minorias, é preciso que a representação masculina continue existindo, mas eliminando sua alteridade, para que a característica de guerreiro viril e violento não seja mais um problema. Banalizar significa destituir o sujeito de qualquer importância relativa a seu papel social. A banalização da masculinidade é também a arma do “politicamente correto” (5).

Notas:

Leia também:

As Deusas de François Truffaut

1. NOLASCO, Sócrates. De Tarzan a Homer Simpson. Banalização e Violência Masculina em Sociedades Contemporâneas Ocidentais. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. Pp. 66 e 72.
2. Ibidem, p. 71.
3. Ibidem, pp. 76, 78 e 116.
4. Ibidem, pp. 16, 31 e 33.
5. Ibidem, p. 116.

16 de out. de 2008

Pênis e Racismo


Há algum tempo as forças militares norte-americanas que invadiram o Iraque foram parar nas manchetes da imprensa escrita e televisada. Desta vez, o escândalo se referia às imagens de maus tratos aos prisioneiros por parte dos militares sob o comando do presidente Bush filho – incluindo participação ativa das mulheres que faziam parte da tropa. As imagens dos episódios de humilhação de prisioneiros incluíam o toque nas partes íntimas. Tais detalhes desses eventos não seriam dignos de nota se Hollywood, com seus tentáculos ainda curtos, porém já letais, não tivesse tocado de leve no assunto. Temos a tendência ingênua de pensar que quando o cinema ainda era mudo as coisas se resumiam às comédias de Charles Chaplin ou Buster Keaton.


Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915), famoso filme dirigido pelo norte-americano D.W. Griffith, faz um resumo histórico da formação dos Estados Unidos após a Gerra Civil, apresentando os negros como degenerados que estavam destruindo uma nação pura-branca (imagem abaixo). Baseado no romance de Thomas Dixon, The Clansman, o filme mostra os esforços da família Cameron, brancos do sul do país, sitiados por negros livres e aventureiros. (acima e ao lado, imagens da patética diversão das mulheres do exército norte-americano com os prisioneiros e seus cadáveres no Iraque; as duas imagens no final do artigo são cenas reais de linchamentos de negros na Amérca do Norte, em 1919 e 1935, respectivamente)

Uma das seqüências mostra a filha virgem da família sendo perseguida por Gus, um negro com a boca espumando – o ator era um homem branco pintado de preto. Gus estupra a virgem, depois é julgado pela Ku Klux Klan. Ao som da Pastoral de Beethoven, um dos homens enfia sua espada nas partes íntimas de Gus, movimentando-a ao ritmo dos tambores da música. Griffith corta para um close do rosto do negro, sangue jorrando pela boca e olhos girando agonizantes. Griffith faz um zoom no rosto contorcido de Gus, ele está morto. E castrado (1).


Griffith apresentou o filme para seu amigo Woodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos. Um sulista de nascimento e de temperamento, como Griffith, Wilson reafirmou que também acreditava na tendência do negro ao desejo “bestial” por mulheres brancas – a castração de Gus não foi lamentada pelo presidente. Pouco depois, Griffith apresentou sua obra ao Presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos que, em sinal de incontestável apoio à Griffith disse, “fui membro da Klan, senhor”. Censores queixaram-se da violência do filme e uma versão alternativa apresentou a virgenzinha jogando-se de um penhasco para não ser pega pelo tarado sexual negro (2).

Citando o filme de Griffith, David Friedman pretende chamar atenção para o componente sexual na formação dos Estados Unidos. Segundo ele, a visão do negro livre, macrofálico, hipersexuado, foi incutida na cultura popular americana justamente por este filme. Trazida da Europa, essa visão distorcida em relação aos negros já existia, o filme apenas potencializou a coisa a partir do instrumento de massa que o cinema estava se tornando. Os brancos não temiam apenas o negro, temiam o pênis negro. “A paranóia branca em relação ao pênis negro era tão exagerada que se acreditava que o orgão negro causava uma experiência única e terrível à mulher branca” (3).



Vários são os relatos a respeito das seções de tortura e morte perpetradas pela Klu Klux Klan enfocando especificamente o interesse dos homens brancos pelo pênis do negro que estivesse sendo destruído.

“(…)Somente privando o ‘animal’ de seu poder primevo essa força poderia ser transferida para o homem branco, onde era o seu lugar. Testemunhas oculares contam que muitos linchadores levavam tempo examinando o pênis dos negros que estavam prestes a matar. O professor Calvin C. Hernton constatou um aspecto estranhamente religioso nessa cerimônia soturna. ‘É uma forma simulada de adoração, um rito primitivo de adivinhação pornográfico’, escreve em Sex and Racism in America. ‘Ao tomarem a genitália do homem negro, os homens encapuzados, vestidos de branco, estão amputando a parte de si mesmos que, secretamente, consideram vil, imunda e, sobretudo, inadequada.[…] Por meio da castração, os homens brancos esperam adquirir os poderes grotescos que atribuíram ao falo negro, que, simbolicamente, exaltam no ato de destruí-lo’ “. (4)

Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
O Triângulo Amoroso de Jean Eustache

1. FRIEDMAN, David M. Uma Mente Própria. A História Cultural do Pênis. Tradução Ana Luiza Dantas Borges. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. P.118.
2. Esta é a versão que você vai encontrar nas locadoras, lançada no Brasil pela Continental Home Video.
3. FRIEDMAN, David M. Op. Cit., p.116.
4. Idem, p. 117. Maiores comentários a respeito de linchamentos de negros nos Estados Unidos da América do Norte, incluindo imagens de linchamentos que eram distribuídas como cartões postais: Without Sanctuary. Disponível em: http://withoutsanctuary.org/ Acessado em: 16/10/2008.

11 de out. de 2008

Pênis Guerreiro


A santidade do pênis era a idéia central do mito mais importante do Antigo Egito. O mito de Osíris e Ísis, os irmãos que governaram como rei e rainha do Egito. Seth, outro irmão, odiava Osíris e partiu o corpo do rei em 14 pedaços. Ísis achou todos, menos o pênis do rei. Numa das várias versões do mito, Ísis formou primeira múmia com esses pedaços. Transformou-se em falcão e pairou entre as pernas de Osíris. Batendo as asas produziu um novo pênis para o rei morto. Então ela se abaixa nesse órgão e recebe a semente de Osíris. O filho dessa união é Horus, de quem todos os faraós alegavam descender. Para vingar seu pai, Horus mata e castra Seth. Supondo que isso aconteceu, outra estória parecida se quer história. Foi na Judéia, onde um homem dizia ter nascido de Deus e de uma virgem, oferecendo a salvação àqueles que acreditassem que o filho de deus havia se levantado dos mortos. No Egito Antigo, um mito sagrado preconizava a salvação de uma cultura inteira através da morte e renascimento do pênis de um deus (1).

Portanto, no mundo do além do Antigo Egito, o pênis era capaz de derrotar a morte. Para os inimigos do Egito de então, a ligação entre derrota e impotência sexual teve conseqüências implacáveis. Uma inscrição nos muros de Karnak, pelo faraó Merneptah em cerca de 1200 a.C., falava sobre o triunfo em batalha: 6 pênis de generais líbios, 6.359 pênis decepados de líbios, 222 pênis decepados de sicilianos, 542 pênis de etruscos, 6.111 pênis de gregos oferecidos ao rei. Três mil anos depois, quando o presidente norte-americano Lyndon Johnson não tinha mais argumentos para os repórteres que questionavam por que o país ainda combatia no Vietnã, ele abriu a braguilha, puxou seu pênis para fora e disse: “Isto é o porquê!”(2). (à direita, a bala de um canhão alemão da Primeira Guerra Mundial)

Uma das hipóteses para a origem da circuncisão era como marca quase universal da escravidão ou da desonra dos prisioneiros militares. Aliás, a nudez masculina de um corpo imaculado era, em Atenas, mas importante do que a nudez feminina. Na Grécia Antiga, os homens se exercitavam nus no ginásio, uma palavra que deriva de gymnos, que significa “nu”. Para um ateniense, a nudez afirmava sua posição de cidadão-guerreiro. As pinturas dos vasos do período clássico retratam, com freqüência, um grego nu expondo seu pênis para uma mulher completamente vestida. O que chamamos de “exibicionismo” eles chamavam de “flerte” (3).


O pênis ereto também simbolizava o poder ateniense. A homenagem que os gregos pediram após derrotarem os persas em Eion, em 476 a.C., foi um monumento com três hermae – colunas de pedra ou madeira encimadas pela cabeça do deus Hermes e logo abaixo um pênis em ereção. Eles desejavam essas estátuas que só tinham cabeça e pênis em grupos de três na agora, a praça do mercado e centro da vida ateniense. Portanto, a civilização grega e a vitória que a preservou foram simbolizadas por três ereções de pedra. O trauma veio em 415 a.C, quando o exército partiria para invadir a Sicília, notou-se que haviam destruído as hermae da cidade. A cidade despertou e se viu castrada! Seja ou não por culpa desse presságio aterrador, a invasão fracassou e acelerou a derrota de Atenas por Esparta (4).

Na Grécia Clássica, a virilidade era aprendida e merecida, o primeiro processo instigado por um professor, o segundo ocorrendo na guerra. No caso dos Romanos, a virilidade era avaliada simplesmente pelo poder dinâmico do sexo. Em suas operações militares, eles costumavam escrever obscenidades ou provocações nos projéteis que arremessavam em seus inimigos. Glans, a palavra latina para projétil, também significa “cabeça do pênis”, como hoje em dia “glande”. No cerco de Perúgia, em 41 a.C., as munições tinham inscrições sobre o ânus do rei inimigo (5). Prática que se popularizou durante a Segunda Guerra Mundial. (ao lado e acima)

Na era moderna, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial, é bastante fácil encontramos imagens dos aviões de combate e bombardeiros norte-americanos e ingleses rodeados de bombas com inscrições. (imagem colorida acima, à direita, uma bomba enderaçada a Saddam Hussein, durante a invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas em 2003, ao estilo de remetente postal; logo abaixo, à esquerda, ainda os norte-americanos, desta vez durante a Guerra do Vietnã, com a inscrição Fuck Communisn; acima, também de avião norte-americano e também no Vietnã, um recado para o líder comunista, esta foto estava datada de 15 de março de 1968)

Quem sabe, uma pesquisa etimológica da palavra “gladiador” revele glans como uma raiz comum. Enquanto isso não acontece, é o gladiador que evidencia a crueldade que impregnava o erotismo romano. A vida do gladiador era penetrar ou ser penetrado por suas armas pontudas e mortais. Os generais romanos, às vezes, promoviam soldados com base no tamanho do pênis (6). E os homens com priapismo eram considerados donos de uma força excepcional. (ao lado, as duas maiores bombas do mundo durante a Segunda Guerra Mundial. Com até 10 toneladas, eram de fabricação inglesa, para serem lançadas de avião)


Durante a Primeira Guerra Mundial, o recrutamento levava em consideração uma relação entre masculinidade física e combatividade. Curiosamente, o cabelo púbico fazia uma grande diferença. Especialmente o contorno da margem superior – eram rejeitados aqueles que, entre outras faltas físicas, apresentavam distribuição lateral de cabelo púbico. Segundo as diretivas dos manuais de alistamento, afirmava-se seriam soldados ruins aqueles homens que possuíssem o tamanho da pélvis, a distribuição do cabelo e a disposição da gordura próximos ao tipo feminino, ou ainda, aqueles que tivessem "características sexuais fracas”. (ao lado, bomba sendo preparada durante a invasão do Iraque, com a inscrição Bow)


Naturalmente, de todos os pedaços do corpo do inimigo que poderiam ser cortados e levados como souvenirs pelos soldados norte-americanos durante a guerra do Vietnã, o pênis estava entre as escolhas. Os próprios oficiais esperavam que o soldado fizesse isso, ou alguma coisa estaria errada com os soldados (7). Afinal, isso não é difícil de concluir, já que o pênis parece ser tão importante para afirmar sua força. Pode parece uma conclusão bizarra ou esdrúxula, mas, muito antes de Freud, era evidente para um observador mais atento aos mitos em torno do suposto poder masculino, que a castração do inimigo resolveria todos os problemas. Só não ganharia a guerra...

(nas imagens ao lado podemos visualizar as diferenças anatômicas dos corpos considerados aptos para a guerra. Abaixo, vemos corpo de homem considerado com características femininas - note a disposição dos cabelos púbicos tendendo para uma distribuição lateral na parte superior. Acima, corpo de homem considerado como uma união da masculinidade com a combatividade. É possível perceber uma constituição quase fusiforme, que lembra os projéteis mortíferos em torno dos quais gira a vida do homem da guerra - note-se a disposição dos cabelos púbicos neste caso, sem a distribuição lateral eles parecem enfatizar o formato fusiforme do pênis do guerreiro; seria esta a única razão da exigência?)


Notas:

1. FRIEDMAN, David M. Uma Mente Própria. A História Cultural do Pênis. Tradução Ana Luiza Dantas Borges. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. P. 15.
2. Idem, p. 16.
3. Ibidem, pp. 17 e 23.
4. Ibidem, p. 24.
5. Ibidem, pp. 27 e 29.
6. Ibidem, p. 31.
7. BOURKE, Joanna. An Intimate History of Killing. Face-to-Face Killing in 20th Century Warfare. US: Basic Books, 1999. P. 30 e 99.

27 de set. de 2008

O Rosto e a Ética na Televisão


“Posso obrigar meu rosto a fazer qualquer coisa”

Marilyn Monroe


No filme Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), o cineasta Orson Welles retratou um grande empresário dos jornais que tinha por costume transformar ficção em realidade – no sentido negativo. O cidadão era Randolph Hearst, magnata da indústria da informação nos Estados Unidos da primeira metade do século 20. De manchetes que eram a mais pura ficção, à pré-julgamento de personalidades públicas, seu império jornalístico cresceu em função de sensacionalismo barato.

Digamos que fossemos convidados a montar os cartazes da campanha eleitoral do Senhor X. Não há dúvidas, mesmo que não seja bonito, deverá manter todos os músculos do rosto em ação. Por outro lado, outros signos emanam de sua postura, pela maneira como levanta os braços... Suas mãos nunca podem ser esquecidas.

Quem se lembra dos óculos no rosto de Jânio Quadros? No entanto, todos daquela época guardam em sua mente a imagem da vassoura com a qual pretendia varrer a corrupção - ao som de “varre, varre, vassourinha” (à esquerda). Coincidência ou não, o atual governador da Califórnia, Arnold Exterminador do Futuro Schwarszenegger, apareceu em público para falar de corrupção com uma vassoura nas mãos. Afirmava que ia varrer esse mal da vida de seus eleitores (à direita).

Benito Mussolini, o ditador italiano, gostava de ser filmado sem camisa, empunhando enxada, pás ou dirigindo tratores. Seu amigo alemão, Adolf Hitler, preferia os palanques. Sua voz e suas mãos/braços faziam uma triangulação com seu rosto. Geralmente, aparecia nas telas do cine-jornais da época num ângulo que deveríamos utilizar se pretendêssemos fazer do Senhor X um deus. Em discursos importantes a câmera era posicionada abaixo dele. Isso fazia com que sua imagem evocasse um ser acima da corrupção mundana. O espectador é colocado na posição do filho pequeno, para quem o pai está sempre numa posição superior (1).



"Minta, minta que
alguma coisa fica"


Josef Goebbels
Ministro da Propaganda de Hitler



John Kennedy, Fernando Collor… Exemplos poderiam seguir ao infinito. O Senhor X é uma construção. Uma imagem construída ao gosto do freguês. A próxima pergunta: mas isto é um problema? Sim e não. Sim, porque obviamente conhecemos os males advindos de confundir uma barba bem feita com um bom administrador. Não, porque assimilação de comportamentos culturais também se dá por um aprendizado imitativo. Portanto, quando Kane/Hearst criava/vendia um personagem, procurava sua “cara” nos leitores. Como afirmou Joan Ferres, “uma escola que não ensina como assistir à televisão é uma escola que não educa” (2). Jesús-Martín Barbero e Germán Rey criticam o asco dos intelectuais em relação à televisão. Acreditam que não se pode negar que a televisão constitui uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo cultural popular (3).

No que denominaram de “mal-olhado dos intelectuais”, chamam atenção para uma “exasperação da queixa”. O que irrita Barbero e Rey é o fato desse olhar, em geral, não perceber que na maior parte das vezes não passa de asco estético misturado com indignação moral (4). Referindo-se ao próprio país, afirmam que aquela tendência a não admitir em público que se vê televisão ainda seria lugar comum entre professores colombianos, numa tentativa de afirmar uma autoridade intelectual. (acima, à esquerda, três poses de Adolf Hitler enquanto praticava seus discursos; acima, Bush, o presidente norte-americano; ao lado, Fernando Collor)

Na opinião de Barbero e Rey, desligar a tv também não é a saída. Agir assim é tornar irrelevantes as lutas contra a lógica mercantil! As próprias políticas educativas falham quando não acreditam ser necessário ensinar a ver tv. Esta atitude acaba tornando o aparelho em si (e não a programação) um veículo de incultura (5).

Eles afirmam que, se atravessamos um desordenamento cultural, ele é fruto da interação (cada dia mais densa) entre dois universos. Por um lado, os modos de simbolização e ritualização do laço social e, por outro lado, os modos de operação dos fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais. (ao lado, o presidente Lula)

Barbero e Rey defendem a hipótese de que essa desordem questiona as formas invisíveis do poder articuladas aos modos do saber e do ver. Ao mesmo tempo, são tornados visíveis novos saberes, novas formas de sentir, novas figuras da sociabilidade (6).

Os personagens criados pelos cidadãos Kane da grande mídia, nossa própria criatura (o Senhor X)… Enfim, não podemos confundir reprodução de estereótipos com criação. Não podemos confundir o puro clichê com a potência do novo.

Notas:

1. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler, é aquele que está por trás dessa produção da imagem do ditador.
2. FERRES Joan. Televisão e Educação. Tradução Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. P. 7. O grifo é meu.
3. MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os Exercícios do Ver. Hegemonia Audiovisual e Ficção Televisiva. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. P. 26.
4. Idem, p. 23.
5. Ibidem, p. 27.
6. Ibidem, p. 18.

23 de set. de 2008

Entre o Rosto e o Corpo



“Nossas feridas do corpo,
eventualmente, fecham e cicatrizam.
Mas há sempre feridas escondidas, aquelas do
coração, e se você sabe c
omo aceitar e suportá-las,
você descobrirá a dor e a alegria que é impossível
expressar com palavras. Você conquistará
o d
omínio da poesia que só
o corpo pode expressar".

Kazuo Ono


O frenesi em torno do rosto se justifica por sua indefinição radical. Por sua exposição excessiva e incrível desvalorização do restante do corpo em relação a ele, o rosto lança constitui um enigma. Como o famoso enigma da esfinge, “decifra-me ou devoro-te”, o rosto cria mais problemas que soluções.


Nosferatu, o vampiro, não é só um rosto. Suas mãos são partes indissociáveis do personagem, especialmente nas cenas onde o foco está em sua sombra (imagem abaixo). Frankenstein é fruto da soma de vários corpos, trata-se de parte crucial do próprio enredo da história (acima). Curioso ter que falar de monstros para falar de corpo!

Não se trata de criticar gratuitamente a relevância que o rosto alcançou como ponto central da comunicação não-verbal na cultura ocidental contemporânea. Olhamos o rosto esquecendo que às vezes uma mensagem tem um campo de significação mais amplo nas posturas assumidas pelo restante do corpo. A dependência em relação ao rosto é tão grande que pouco entendemos das posturas das partes “restantes” do corpo.

Não há como negar, as telenovelas brasileiras investem pesado nos corpos. Porém os rostos estão sempre em destaque. Galã ou estrela, não apenas uma qualidade ligada ao estilo, mas ao rosto, ao olhar. Nas “telasnovelas”, mesmo um corpo escultural não resiste muito tempo a um rosto que não corresponda à máscara da beleza.

Reconheço o poder comunicacional do rosto. Apenas acredito que, reduzindo o corpo ao rosto, simplificamos por demais qualquer análise de comunicação não-verbal. Como sugerem Gilles Deleuze e Felix Guattari, talvez estejamos fazendo do rosto uma ficção (1).

Da pintura ao cinema, da fotografia à televisão e à computação gráfica, a sedução do rosto não cessa de nos provocar. Mas, “quem vê cara não vê coração?” A questão é o olhar viciado de uma sociedade mergulhada em imagens. Olhamos tudo, não vemos mais nada! Uma perda de sensibilidade do olhar, viciado por velocidade/quantidade. É necessário não perder o elo entre a sensação e o olhar. Agenciando olhar e intensificação das sensações, o rosto poderia atualizar alteridades, abdicando de representar universais: clichês, estereótipos. “O rosto não é um universal” (2).


Os comentários de Nelson Brissac sobre o trabalho de Evgen Bavcar (3) nos apontam pistas para buscar um desvio e escapar dos clichês que aprisionam as representações do rosto. Fotografar a sensação, desafio que se lança à cegueira da visão.

Bavcar é um fotógrafo cego, o que talvez o salve da “cegueira da visão”. Apela para outros sentidos que nós os não-cegos não mais enxergamos, escravos que nos tornamos da visão. Ele descreve seu trabalho dizendo: “eu fotografo contra o vento”. Desta forma, o vento recorta a posição daquilo a fotografar. O vento traz o perfil, o cheiro e o ruído das coisas. Essa visão feita pelo vento cria um deslocamento em relação à ótica. O Renascimento instituiu a perspectiva óptica como forma privilegiada de organização do espaço. “A perspectiva é um ordenamento do mundo a partir da visão óptica” (4), mas Bavcar aguça outros sentidos e multiplica seus pontos de vista. (imagem abaixo, La Vista Táctil, Evgen Bavcar)

Bavcar procede a um deslocamento lateral que rompe a relação entre primeiro-plano e profundidade, fruto da visão em perspectiva “Aí está o primeiro elemento extremamente contemporâneo de Bavcar: introduzir uma lateralidade na abordagem do mundo” (5).

Ele introduz o elemento tátil ao apalpar aquilo que fotografa. Apalpando, coloca-se em meios às coisas. Bavcar se insere no mundo que fotografa, não se comportando como um espectador para quem o mundo se descortina à distância. A luz é tratada como inscrição do espaço e não como sua ordenação. Procedendo desta forma, ele que não pode ver, paradoxalmente cria uma polifonia do olhar, multiplicando as formas de ver ao substituir o olho pela mão.


“Existe um belíssimo texto de Gilles Deleuze que mostra como Francis Bacon (1909-1992), na pintura, procedia da mesma maneira. Na verdade, não há novidade em si no trabalho de Bavcar; o que existe é essa afinidade extraordinária dele com pintores tão reconhecidos como, por exemplo, Bacon. Qual é o trabalho de Bacon? É fazer do quadro, da organização do quadro, uma irradiação ou uma justaposição de superfícies, onde as coisas funcionam por composição matérica, onde os diversos planos da cena funcionam todos em um mesmo plano como composições, onde o cromatismo ganha força material. Podemos pensar na enorme semelhança que existe entre as fotos de Bavcar e os quadros de Bacon. É curioso que tenha sido necessário um cego para aproximar a fotografia da pintura”. (6)

Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto

1. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mille Plateaux. Paris: Les Édition de Minuit, 1980. Cap. 7. Na edição brasileira ver Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrênia. Tradução Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Editora 34, vol. 3, capítulo 7 Ano Zero - Rosticidade. 1996.
2. Idem, p. 216.
3. BRISSAC, Nelson. Fotografando contra o vento In O ponto zero da fotografia. Rio de Janeiro: VSArts do Brasil. 2000.
4. Idem, p. 41.
5. Ibidem, p. 42.
6. Ibidem, p. 43. O grifo é meu.

7 de set. de 2008

Retrato e Auto-Retrato



“Um retrato é
uma discórdia”

Henry Matisse


Rosto, eterna esfinge… O universo do retratismo propicia uma chance privilegiada para mergulhar na questão da arte frente ao eterno dilema do rosto. (ao lado, Auto-Retrato, Francis Bacon, 1971)

Todorov nos mostra na pintura flamenga da Renascença como o visível não está mais a serviço do inteligível. Não se trata de uma ruptura com o divino, a questão é a afirmação da humanidade do divino. Não se trata do renascimento do antigo, mas da descoberta do humano. Imitar a natureza, mostrar o visível. Entre os séculos XV e XIX, uma “arte representativa” invade a Europa Ocidental participando do advento do humanismo (1).

Com isto, entre outras características, as práticas da pintura flamenga quanto à individualidade do pintor do retrato permitem que represente não as coisas como são, mas como ele às vê. Introdução do indivíduo no quadro ou, mais exatamente, a introdução da individualidade, significa seu elogio. De fato, não se pode esquecer que por muito tempo os retratos foram pintados com o objetivo explícito de modificar os traços originais do retratado.

A coisa não mudou nada com a chegada da fotografia. O realismo dos traços fisionômicos do retratado podem perfeitamente ser manipulados. Abordagens surrealistas do retrato alcançaram resultados curiosos. As praticamente infinitas possibilidades de manipulação das imagens no universo da computação gráfica deixam claro que o aperfeiçoamento das técnicas de reprodução não impede de forma alguma o abstracionismo.

"Eu não sei se trabalho
para fazer alguma coisa
ou para saber por que
eu não posso fazer
aquilo que desejo"



Alberto Giacometti (2)


O auto-retrato torna-se um elemento ímpar para analisarmos a questão da auto-imagem a partir dos traços escolhidos para representar as disposições subjetivas. O artista frente a frente com seu rosto. Alberto Giacometti sempre teve retratos e auto-retratos como desafios (acima, à esquerda, Os Olhos, Alberto Giacometti, 1962). Desenhar cabeças sempre foi um problema, mais um problema que ele nunca evitou. Jean Genet, num comentário a respeito de Giacometti…

“Quando se soube que Giacomentti estava fazendo meu retrato (eu teria o rosto mais para o redondo e gordo), disseram-me: ‘ Ele vai fazer sua cabeça como a lâmina de uma faca’. O busto em argila ainda não está pronto, mas creio saber por que ele utilizou, para os diferentes quadros, linhas que parecem fugir partindo da linha mediana do rosto - nariz, boca, queixo - em direção às orelhas e, se possível, até a nuca. Acho que é porque um rosto oferece toda a força de seu significado quando está de frente, e tudo deve partir desse centro para ir alimentar, fortificar o que está por trás, escondido. Dói-me dizê-lo tão mal, mas tenho a impressão – como quando se puxam os cabelos para trás da testa e das têmporas – que o pintor puxa para trás (atrás da tela) o significado do rosto”. (3)

A questão do indivíduo exposta por ele mesmo. Pensemos nos auto-retratos de van Gogh. Bernard Denvir nos conta que quando Vincent mandava notícias a seu irmão Theo, dizendo que estava calmo novamente, “verificava” isso com um retrato. Acreditava que o auto-retrato contém uma verdade que pode se esconder tanto da câmera como da mente racional (4).

Pensemos nos auto-retratos femininos, a obra de Frida Kahlo é incontornável. Todas as suas pinturas são auto-retratos, um diário visual de seus problemas físicos e emocionais, expostos de uma maneira talvez nunca antes tão direta na história da pintura. Ela dizia que pintava auto-retratos porque ficava muito sozinha e era o tema que conhecia melhor. Para Frances Borzello, seja Dürer como o Cristo atormentado ou Goya nas garras dos demônios, nada se compara à dor e ao sofrimento nos auto-retratos de Frida Kahlo (5) (abaixo, A Coluna Quebrada, Frida Kahlo, 1944).





"Pensaram que eu era surrealista,
mas nunca fui
. Nunca pintei sonhos,
só pintei minha própria realidade"


Frida Kahlo




O auto-retrato como questão essencial. Certa vez van Gogh disse que não pinta o que vê, mas o que sente. A “cegueira da visão” na dúvida/certeza de que no traço do artista está o seu reflexo. Alguém vai ver alguma coisa nos auto-retratos de van Gogh, mas quando as formas de representação implicam abdicar à possibilidade de fazer-se visível para si mesmo?

Os auto-retratos de Francis Bacon têm sempre aquela marca registrada. Descarnados, esfolados, torcidos, contorcidos, fora do lugar (imagem no início do artigo). Gilles Deleuze nos dá uma pista quanto aos auto-retratos de Bacon (6). Na opinião do filósofo, o corpo tem uma cabeça, mas não um rosto. O rosto seria uma organização espacial estruturada que recobre a cabeça. Somente esta é parte do corpo. Ela, a cabeça, tem um espírito de corpo, um sopro vital e um espírito animal – o espírito animal do homem. Entretanto, esses traços de animais não significam correspondências formais. Não se trata de combinação das formas, é mais o fato comum do homem e do animal; uma zona de indiscernibilidade entre os dois (7). Portanto, não há nenhuma relação com a fisiognomonia na proposta deleuziana, muito pelo contrário.

Segundo Deleuze, o projeto de Bacon é desfazer o rosto e fazer surgir uma cabeça que está abaixo dele (imagem abaixo, Auto-Retrato, van Gogh, 1887). Mas desfazê-lo não é uma coisa simples. O rosto assume uma rostificação, uma organização. O tique nervoso deixa transparecer justamente uma luta entre um traço de rosticidade que procura escapar à organização e uma rostificação que tenta impedir a criação dessa linha de fuga. Na opinião de Deleuze e Guattari, o destino do homem é desfazer o rosto e as rostificações, tornando-se imperceptível:




“(...) Como olhos que
atravessamos ao invés de
nos vermos neles, ou ao invés
de olhá-los no morno face a face
das subjetividades significantes” (...)
“Sim, o rosto tem um grande porvir, com a
condição de ser destruído, desfeito.
A caminho do assignificante,
do assubjetivo. Mas ainda
não explicamos nada
do que sentimos"
(8)






Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto

1. TODOROV, Tzvetan. Éloge de l’individu. Essai sur la Peinture Flamande de la Renaissance. Paris: Adam Biro, 2001. P. 221.
2. MOULIN, Joëlle. L’autoportrait au XX Siècle. Paris: Adam Biro, 1999. P. 45.
3. GENET, Jean. O Ateliê de Giacometti. Tradução Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac & Naify, 2ª ed., 2001. Pp. 70-71.
4. DENVIR, Bernard. Vincent. The Complete Self-Portraits. Pennsylvania: Running Press, 1994. P.12.
5. BORZELLO, Frances. Seeing Ourselves. Women’s Self-Portraits. London: Thames & Hudson. 1998. P. 143.
6. DELEUZE, Gilles. Francis Bacon. Logique de la Sensation. Éditions de la Différence (2 vols), 3ª ed., 1981. P.19.
7. Idem, p. 20.
8. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mille Plateaux.Capitalisme et Schizophrénie. Paris: Les Édition de Minuit, 1980. P. 210. Na edição brasileira, ver Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, Vol. 3, 1996. P. 36.

31 de ago. de 2008

Marketing e Ética? (final)


“Um sistema democrático de educação (…) é um
dos meios mais seguros de criar e ampliar enormemente
os mercados para bens de todos os tipos e especialmente aqueles bens em que a moda
tem importância.

ex-publicitário James Rorty
Our Master’s Voice, 1934



Culture Jamming

Em seu livro, Sem Logo. A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido, Naomi Klein nos fala de uma prática crescente nos Estados Unidos, Canadá e Europa, mas certamente está longe (bem longe) de ocorrer aqui no Brasil.

Culture Jamming é o nome que se dá à prática de parodiar peças publicitárias e utilizar os outdoors adulterando e alterando suas mensagens de forma drástica. Considerado um dos maiores expoentes nessa prática, o americano Rodriguez de Gerada prefere a expressão “arte do cidadão”, e não “arte de guerrilha”. Ao contrário dos publicitários, afirma Rodriguez, esse trabalho implica uma discussão quanto às políticas de espaço público na comunidade em que for colocado. (todas as imagens deste artigo são exemplos de jamming)

Os adbursters (ou subverting, subversão da publicidade, como são chamados em Londres) acreditam que o público tem o direito de responder às imagens que nunca pediram para ver. O termo culture jamming foi cunhado em 1984 pela banda americana de audiocolagem Negativeland. Mas a questão vai muito mais longe, “tentar apontar as raízes da culture jamming é quase impossível, em grande parte porque a prática é em si mesma uma mistura de grafite, arte moderna, filosofia punk faça-você-mesmo e molecagem antiqüíssima” (1).

Robin-hoodismo semiótico, é disso que parece se tratar aqui, sugere Naomi. Seus militantes não acreditam mais que o espaço livre de propaganda pode ser conseguido pacificamente. “A culture jamming rejeita frontalmente a idéia de que o marketing – porque compra sua entrada em nossos espaços públicos – deve ser aceito passivamente como um fluxo de informação unilateral” (2).

Radicalizar a verdade na publicidade, produzir contra mensagens que interferem com a comunicação do anunciante para revelar a verdade mais profunda oculta nos eufemismos publicitários. Seus trabalhos vão de paródias de propagandas à interseções no outdoor original. (imagem acima, intervenção em outdoor da marca de equipamento eletrônico Sony que diz: não há nada real na televisão)

(...)A única ideologia que une o espectro de culture jamming é
a crença de que a livre expressão

não tem sentido se a cacofonia comercial aumentou ao ponto de ninguém mais lhe ouvir (...)

Naomi Klein (3)


Pensemos aqui na questão central deste livro. Lembrem-se da patética superexposição do nu feminino na propaganda, nos filmes, nas novelas… Não se trata de menosprezar a nudez. Também não se trata de pura e nefasta tentativa de diminuir as mulheres que acreditam numa busca da beleza ideal. Entretanto, temos que admitir que fomos tão intoxicados com a avalanche da mesma representação do mesmo ideal de beleza, que estamos nos tornando insensíveis ao fato de que se tratam de representações e não da realidade viva dos corpos. Na crença de que este ideal é um produto à venda no mercado, nem cogitamos mais na hipótese de que beleza talvez seja um estado de espírito. Estamos narcotizados com esta “cacofonia comercial” que diz que a beleza pode ser comprada!

A reação a essa cacofonia comercial levou a culture jamming a se espalhar em redes de organizações coletivistas de mídia. Descentralizadas e anárquicas, combinam a subversão da publicidade com a publicação de zines, rádios piratas, vídeos ativistas, desenvolvimentos na internet (o que inclui hackers ou crackers invadindo sites de grandes corporações) e militância comunitária (4). Vejamos um exemplo. Trata-se da questão do cigarro, mas imaginem quanto resta a ser feito em relação ao machismo presente na propaganda que utiliza o nu feminino? (imagem ao lado, o tenista norte-americano Tiger Woods, patrocionado pela marca Nike, tem sua boca deformada para se assemelhar ao logotipo e sugerir que ele não pode ter opinião própria; na imagem acima, ilustração de uma opinião mais radical a respeito da influência da Nike no cenário esportivo)

“Uma culture jam bem divulgada surgiu no outono americano de 1997 quando o lobby anti-tabaco de Nova York comprou centenas de placas publicitárias de táxis para apregoar as marcas de cigarro ‘Lodo da Virgínia’ (Virginia Slime) e ‘País do Câncer’. Em toda Manhattan, quando os táxis amarelos ficavam presos nos engarrafamentos, as propagandas jammed se acotovelavam com as das empresas de cigarros”. (5)

Agora os correligionários dessa prática dividem-se entre aqueles que dão boas vindas aos avanços tecnológicos em informática (que permitem uma interferência sem mudança do padrão de cores utilizado pelos publicitários que criaram o original, fazendo com que pareça ter sido feita por estes) e os apreciadores das tecnologias já existentes. No primeiro grupo, encontramos gente como Rodriguez de Gerada. No segundo, temos um exemplo que vem do Canadá e deveria interessar às mulheres, por atacar a questão da indústria da moda.

“O artista performático de Toronto Jubal Brown espalhou o vírus visual na maior blitz de adulteração de outdoors do Canadá com nada mais que um marcador. Ele ensinou aos amigos como distorcer as já encovadas faces de modelos de moda usando um marcador para escurecer seus olhos e desenhar um zíper em suas bocas – pronto! Caveira instantânea. Para as mulheres jammers em particular, o ‘encaveiramento’ se ajusta muito bem com a teoria da ‘verdade na publicidade’: se a emancipação é o ideal de beleza, porque não ir até o fim com o zumbi chique – dar aos publicitários algumas modelos do além-túmulo? Para Brown, mais niilista que feminista, o encaveiramento era simplesmente um detournement para acentuar a pobreza cultural da vida patrocinada. (‘Compre, compre, compre! Morra, morra, morra! ‘, diz a declaração de Brown exposta em uma galeria de Toronto). No 1º de abril de 1997, dezenas de pessoas partiram em missões de encaveiramento, atacando centenas de outdooors nas ruas movimentadas de Toronto. Seu trabalho foi impresso em Adburters [o autodenominado boletim da cultura jamming; editado pela Media Foudation de Vancouver, entre outras coisas veicula anticomerciais em televisão acusando a indústria de beleza de causar distúrbios alimentares], ajudando a espalhar o encaveiramento a cidades por toda a América do Norte”. (6)

Resta a todos nós a esperança da ética – conceito empobrecido e desgastado nos dias atuais. A questão é ter a coragem de NÃO mentir. Mentir, isso sim, é apostar na alienação – o que é uma pena, pois o marketing deveria apostar em seus produtos. (imagem do lado esquerdo, adulteração de um outdoor de produto da rede de lanchonetes McDonalds pergunta porque alguém pode se tornar uma pessoa obesa)


O marketing é realmente uma peça importante na engrenagem da interação social e econômica, mas o consumidor também! O bom marketing… nunca deveria esquecer-se disso.

Notas:

1. KLEIN, Naomi. Sem Logo. A tirania das marcas em um planeta vendido. Tradução Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2002. P. 310.
2. Idem, p. 309.
3. Ibidem, p. 312.
4. Ibidem.
5. Ibidem, p. 313. Virgínia é um dos estados americanos.
6. Ibidem, p. 314.

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