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Roberto Acioli de Oliveira

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24 de mar. de 2011

A Vertigem Surrealista de Hitchcock

O  que  chamou
atenção de Hitchcoc
k
foi   o   “ultra-realismo”
das imagens de sonho de Dalí
, muito diferentes da maneira como o cinema costumava representar estados alterados da percepção



A premissa de Quando Fala o Coração (Spellbound, 1945) afirma que uma experiência reprimida gera neurose. Embora na opinião de Sarah Cochran esta pareça uma abordagem datada, na época foi suficiente para levar o longa-metragem a receber uma indicação de melhor filme no Oscar de 1946 (1) – mas ganhou na categoria trilha sonora. David O. Selznick, o produtor de Alfred Hitchcock e de Quando Fala o Coração, era ele próprio um psicanalisado e contratou um terapeuta como consultor técnico. O caráter “científico” da obra foi bastante promovido pela propaganda, como se pode ver inclusive na abertura do filme: “Nossa história é sobre a psicanálise, o método pelo qual a ciência moderna trata os problemas emocionais (...)”. Quando Fala o Coração foi o primeiro mergulho de Hitchcock sobre as repercussões neuróticas ou psicóticas de um choque psicológico, tema que voltaria a inspirá-lo em Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), Psicose (Psycho, 1960) e Marnie, Confissões de Uma Ladra (Marnie, 1964). Chamou muito a atenção de Hitchcock o fato de que os sonhos pintados por Dalí forçariam uma mudança da forma como o cinema representava os sonhos – com imagens borradas ou fora de foco.




 Se fosse  por  Hitchcock
, 
as seqüências de sonhos seriam muito mais ricas






Hitchcock desejava até mesmo filmar ao ar livre, como eram as imagens da maioria dos quadros de Dalí. Mas seu produtor cortou os custos e tudo seria feito em estúdio, mesmo as seqüências de sonhos tiveram seu número reduzido. A cena do homem cortando um olho com uma tesoura certamente é um citação de Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, direção Luis Buñuel e Salvador Dalí, 1929). Mas ao contrário do que possa parecer, esta cena já estava no roteiro antes do envolvimento de Dalí na produção. Sua maior contribuição, de acordo com Cochran, foi a criação da atmosfera inquietante da seqüência do pesadelo. Depois do trabalho terminado, Selznick se preparou para montar o filme quando percebeu que problemas com a iluminação e outras questões técnicas implicariam na remontagem da seqüência do sonho – sem a participação de Dalí. No final, os créditos do filmes se referem à seqüência como “baseada nos desenhos de Salvador Dalí”. (as três imagens do artigo são de Quando Fala o Coração)



Para uma fábrica d
e
sonhos
, Hollywood tinha
dificuldade  em  lidar com
a arte de Dalí
. Embora ele
fosse  bem  realista  em
relação  a  dinheiro





Foi o próprio Hitchcock que desejou trabalhar com Dalí. Embora Selznick acreditasse que era por causa do nome do famoso surrealista, Hitchcock explicou que gostava da maneira como Dalí desenhava os sonhos, com longas perspectivas e sombras negras. Selznick reclamou da exigência de Dalí para ficar com a propriedade de todo o material que ele produzisse. Mas só até depois de saber que o artista catalão já havia feito o mesmo tipo de contrato com a rival Twentieth Century Fox, para a seqüência de pesadelo em Brumas (Moontide, direção Archie Mayo e Fritz Lang [não creditado], 1941) – embora o estúdio tenha desistido de utilizar o trabalho de Dalí. Outra questão foi o quanto Selznick estava disposto a gastar, o pagamento proposto inicialmente estava muito abaixo do valor do nome de Dalí na época. Mas eles sabiam muito bem que o nome de Dalí era boa propaganda, mesmo que o problema com Brumas fossem os questionamentos a respeito da posição política do artista durante – a Segunda Guerra estava em curso e Dalí era visto como um simpatizante do Fascismo, o que levou Hollywood e repensar seu interesse pelo artista (2). Mas tudo que parecia interessar Selznick era que Dalí havia sido capa da revista Life.


Leia também:

Arte e Cultura (I), (II), (III)
Algumas Mulheres de Fellini em A Doce Vida e Amarcord
Buñuel, Incurável Indiscreto
Sergio Leone e a Trilogia do Homem sem Nome
Kieslowski e o Outro Mundo
Roma de Pasolini
Mussolini, o Cipião Africano
O Silêncio de Jacques Tati

Notas:

1. COCHRAN, Sarah. Spellbound In GALE, Matthew (ed.). Dalí & Film. London: Tate Publishing, 2007. Pp. 174-185. Catálogo de exposição.
2. FORT, Ilene Susan. Moontide In GALE, Matthew (ed.). Op. Cit., p. 172. 


19 de mar. de 2011

O Silêncio de Hitchcock




“O cinema
son
oro inventou
o silêncio”

 

Robert Bresson



Música Demais Atrapalha!


Em seus primeiros filmes falados, Alfred Hitchcock colocou pouca trilha sonora musical. Com o advento do cinema falado a música de fundo tomou um novo impulso e o cineasta não estava alheio a isso – independentemente de sua conturbada relação com o produtor David O. Selznick, que fazia questão de “encher” os filmes com música. Hitchcock tinha uma relação problemática com os maestros encarregados das trilhas musicais de seus filmes. Jean-Pierre Eugène acredita que o temperamento do cineasta o impedia de admitir que algum elemento do filme não fosse responsabilidade (e mérito) dele. Por outro lado Franz Waxman, um de seus colaboradores, chegou a dizer que “Hitchcock fazia somente 60% de um filme, eu o terminava para ele” (1). Por outro lado, afirmou Eugène, a maior parte dos músicos que trabalharam com Hitchcock compunha num estilo clássico hollywoodiano (2). Hitchcock era econômico na hora de utilizar trilha musical, a presença dela teria de ser justificada e não gratuita. Contudo, Eugène se confessou instigado por alguns momentos de silêncio que encontro na obra de Hitchcock (3). Em Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940) cobre a quase totalidade do filme. Porém Eugène chama atenção para quatro breves seqüências de total silêncio. Momentos onde ocorre mudança de situação, um encontro inesperado da nova senhora de Winter com um personagem ou um diálogo importante. (as duas imagens à esquerda são de Intriga Internacional; os vídeos: Os Pássaros, Cortina Rasgada e Psicose)


O primeiro momento acontece quando antes de sair às pressas do hotel a futura senhora de Winter procura ficar mais uma vez ao lado de Maxime de Winter, por quem ela está apaixonada. Na opinião de Eugène, ausência de música nesta curta seqüência se justifica pelo fato de que Maxime não responde aos telefonemas dela (ou ele está ausente ou tomando banho). Mais tarde, o silêncio ocupa o espaço do momento ates dele pedi-la em casamento. Os planos anteriores a essas seqüências multiplicam os clichês musicais para sublinhar algum suspense. É então que Franz Waxman, o maestro que cuida da música neste filme, inseriu um silêncio para tornar o desfecho (o pedido de casamento) mais eficaz. Depois do pedido Waxman faz soar o tema da senhora de Winter – ela agora terá de suportar sem música as alfinetadas de sua governanta, com ciúmes de seu casamento. A reunião imprevista com irmã de Maxime e seu marido e depois com Jack Favell, o primo de Rebecca, também não tem acompanhamento musical – a senhora de Winter escuta escondida enquanto eles falam dela. As duas outras passagens sem música são: a seqüência da revisão da instrução sobre a morte de Rebecca e o telefonema de Favell para a governanta avisando sobre o suicídio de sua antiga patroa – o que a levará a incendiar Manderley. Eugène esqueceu da conversa entre Maxime e a esposa quando o corpo de Rebecca foi achado – ele confessa que a matou.

O Silêncio Vale Ouro


Os ruídos (incluíd
o
também o silêncio) como
equivalentes  sonoros  de
toda a encenação




Em Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955), o final da noite traz quase um minuto e meio de silêncio entre o final do baile e a busca no telhado. No final da festa, resta apenas um casal dançando, um deles é “o Gato”. O maestro faz sinal para os músicos pararem de tocar, policiais disfarçados como dançarinos lá estão à volta, e o expectador se pergunta o que vai acontecer. Será que vão conseguir interceptar o ladrão de jóias na propriedade? Os policiais vão desmascará-lo? Um profundo silêncio perpassa toda a seqüência. Em Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), a explosão do avião no episódio da estrada chega após uma seqüência muito longa que, sem ser silenciosa, é não apenas desprovida de diálogos (o homem que espera no carro não é exatamente um tagarela), mas também de música. Como declarou Bernard Hermann, o maestro que trabalhou com Hitchcock neste filme, “se você é pintor, nada o impede de utilizar o branco, e ali o som é branco” (4). Com efeito, conclui Eugène, se esta seqüência é tão célebre, é pela ação que transcorre ali, mas também pela forma como ela é encenada. O suspense é fornecido pelo silêncio e pelos ruídos (carros, avião), equivalentes sonoros da encenação imaginada pelo cineasta.

Mas Eugène sugere que é em Cortina Rasgada (Torn Curtain, 1966) que encontraremos o caso mais interessante a propósito da escolha entre a música e o silêncio. A seqüência do assassinato de Gromek, o agente da ex-Alemanha Oriental, é totalmente muda – fora as reclamações de Gromek. Na opinião de Eugène, em Psicose (Psycho, 1960), com exceção da música durante a fuga de Marion e durante os assassinatos, parece que estamos diante de um filme mudo – ainda que tenha muitas músicas. Os Pássaros (The Birds, 1963) provoca o mesmo efeito, embora neste caso seja devido à utilização de um Trautonium para os efeitos sonoros. Em Quando Fala o Coração (Spellbound, 1945) cujo tema é a psicanálise, Miklos Rozsa utilizou um Theremin – pontuando os momentos delirantes com um clima um tanto próximo de filmes de terror ou invasão espacial. Eugène sugere que Hitchcock deveria ter problemas em admitir que Bernard Hermann, um maestro com que trabalhou muito, pudesse roubar seus méritos – parece que a escolha de fundo musical para Psicose chegou a gerar uma discussão entre eles. Mas Eugène conclui que “tanto Hitchcock quanto Hermann sabiam, sobretudo, que para que uma trilha sonora seja rica, ela não deve se limitar à música, aos ruídos e aos diálogos. O silêncio vale ouro” (5).
Isto é Hollywood!
Bertolucci e o Tango de Bacon (I), (II), (final)
As Tentações do Rosto-Paisagem
Isto é Entretenimento!
Geografia das Ausências em Yasujiro Ozu
Yasujiro Ozu, o Tempo e o Vazio
Entre o Terrorismo e o Martírio
A Bela, a Fera e o Cinema Puritano

1. EUGÈNE, Jean-Paul. La Musique Dans les Films d’Alfred Hitchcock. Paris: Dreamland Éditeur, 2000. P. 17.
2. Idem, p. 165.
3. Ibidem, pp. 162-5.
4. Ibidem, p. 164.
5. Ibidem, p. 165. 


18 de mar. de 2011

A Mulher Futurista!?


“É preciso fazer da luxúria
uma obra de arte”


Os Futuristas rejeitavam a mulher casta e fonte de prazer apresentada ao público italiano pelo poeta Gabriele D’Annunzio (ao lado, Auto-Retrato, Wanda Wulz, 1932). Quando Marinetti proclamou “o desprezo pela mulher”, ele se referia a essa mulher fabricada pela cultura romântica. O programa político futurista exigia a paridade de salários, a igualdade jurídica e o direito ao voto para as mulheres – no caso dos salários, talvez o caminho ainda seja longo e sinuoso... A posição generalizada entre os futuristas era de recusa da visão redutora e tradicional em relação à mulher. Dentre as primeiras telas dos pintores futuristas encontram-se tanto prostitutas (As Novas Sacerdotisas, Carlo D. Carrá, 1910) quanto refinamento e sensibilidade na mulher moderna (A Mulher Futurista, Umberto Boccioni, 1910). Valentine de Saint-Point (1875-1953) aderiu: “Minha vida e minha obra em perfeito acordo tendem sem cessar às virtudes eternas e modernas que preconiza o Futurismo”.

Valentine era escritora, poeta, pintura, dramaturga, crítica de arte, coreógrafa, conferencista e jornalista, e lançaria em 1912 o Manifesto da Mulher Futurista – onde questiona inclusive algumas posturas misóginas contidas no Manifesto Futurista. Valentine propõe um modelo de mulher moderna enquanto “criatura em quem o instinto está pleno de lucidez”. Em 1913, ela lança o Manifesto Futurista da Luxúria. Contestando o feminismo tradicional, Valentine reivindica a libertação erótica da mulher em nome da força vital e da criação: “É preciso fazer da luxúria uma obra de arte”. O inconformismo de sua ideologia feminista reside na luta por uma total emancipação do desejo. Nos anos que se seguem, o Futurismo é o movimento que conta com o maior número de mulheres: escritoras, poetas, fotógrafas, dançarinas, esportistas, aviadoras, pintoras e escultoras, filósofas e atrizes. Elas elaboram uma interpretação feminista do futurismo, fazendo de suas próprias vidas pouco convencionais o modelo da mulher moderna: livre e ativa, capaz de questionar a instituição da família e de participar sem complexos o advento da sociedade futura (1).

Nota:

Leia também:

1. LISTA, Giovanni. Le Futurisme. Paris: Éditions Pierre Terrail, 2001. P. 32.

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Quadro de Avisos

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