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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

20 de fev. de 2012

Hollywood e as Guerras Patrióticas




“Estamos
prontos  para
nos  afastar do curso
agradável e rentável do
entretenimento  para
nos  envolver  em
propaganda?” (1)

Production  Code  Administration,
memorando interno, dezembro, 1938






A Balela do Bem Contra o Mal

A Segunda Guerra Mundial começou na Europa com a invasão da Polônia pelas tropas de Hitler em 1939. Até aquele momento, havia um debate em torno da possibilidade de os Estados Unidos participarem diretamente – durante um bom tempo, o máximo que fizeram foi mandar suprimentos e equipamento para a Europa e uma esquadrilha não oficial, conhecida como Tigres Voadores, operava na China contra o avanço japonês. Mas então veio o ataque nipônico à base naval norte-americana em Pearl Harbor em dezembro de 1941 e os argumentos dos chamados Isolacionistas (políticos que eram contra o envolvimento no conflito) já não encontravam ouvidos receptivos. Até aquele momento, os grandes estúdios de Hollywood vinham produzindo filmes de guerra relativamente neutros. Entretanto, com o ataque japonês, os estúdios saíram de cima do muro, já que não havia mais a possibilidade de almejarem os mercados invadidos, seja na Europa, seja na Ásia. A adesão foi absoluta, dos mil e duzentos filmes produzidos em Hollywood entre 1942 e 1945, mais de quinhentos tratavam da guerra de uma maneira ou de outra. Por ocasião do ataque japonês, alguns prédios receberam pinturas de camuflagem. Talvez por se sentir preterido pelo fato de alguns dos estúdios da Warner Brothers na Califórnia não receberem pintura (e pelo fato de se assemelharem às fábricas de aviões militares quando vistas do alto), Jack L. Warner pintou um aviso irônico no telhado de uma delas que indicava a direção das fábricas reais. Naturalmente, logo as autoridades militares ordenaram sua retirada! (2) (imagem acima, Missão em Moscou, cartaz provavelmente direcionado à América Latina, apresentando o genocida soviético Joseph Stalin com cara de vovozinho inocente)




Filmes com
aviões  sempre
foram  populares.
Toda a contribuição da
aviaçã
o durante a Segunda
Guerra Mu
ndial apenas
tornaria o tema ainda
mais interessante
do ponto de vista
comercial (3)




Rápidos para capitalizar o espírito do momento, seis estúdios simultaneamente contataram a Motion Picture Association para garantir os direitos autorias da frase “Lembre-se de Pearl Harbor” (“Remember Pearl Harbor”). Três estúdios imediatamente correram para registrar seus direitos pelo título “Nos mandem mais japoneses” (“Send us more japs”). A frase foi dita pelo piloto norte-americano Colin Kelly, que morreu nas Filipinas nos primeiros dias da guerra. Os títulos registrados variavam entre “Tributo para Kelly”, Kelly o Terceiro” e “Kelly dos Estados Unidos da América” (“Kelly of U.S.A.). No caso dos filmes de guerra planejados para mostrar a Força Aérea (naquela época ela ainda era um componente do exército), o grande problema então passou a ser a quase total indisponibilidade de aviões modernos para as filmagens, e a utilização de seqüências reais de combate aéreo filmadas em batalhas nos anos anteriores nem sempre eram indicadas. De qualquer forma se, desde os acontecimentos de 1939, 68% do público norte-americano era contra o envolvimento do país na guerra, agora era justamente o contrário. Se até antes de Pearl Harbor Hollywood só havia produzido pouco mais de cinquenta filmes em torno de temas antinazistas, agora a situação mudou radicalmente e até Walt Disney começou a produzir desenhos animados maniqueístas caricaturando nazistas e japoneses como idiotas e/ou malucos – depois da guerra, e com o advento da Guerra Fria, o interesse dos Estados Unidos na Alemanha e no Japão fez com que esses desenhos fossem rapidamente banidos. (cartaz acima, à direita, Os Tigres Voadores)

Céu de Brigadeiro Para Hollywood


Hitler e Mussolini
conheciam a força do
cinema para conquistar
os corações e mentes do
público. Quando os dois
perderam a guerra, os
norte-americanos
dominaram a
distribuição




James Farmer relatou suas impressões ao descobrir em 1969 um terreno em Culver City (Califórnia) onde se encontravam vários aviões militares da Segunda Guerra em variados estados de apodrecimento. Eram algumas dezenas de aeronaves da chamada “Força Aérea MGM”, uma referência ao estúdio da Metro Goldwyn Mayer. Farmer chegou na hora que a MGM estava leiloando o “ferro-velho”, aviões fora de serviço que o estúdio comprou das forças armadas na década de 40 para utilizar em seus filmes. Eram bombardeiros B-17 (como os que se pode ver em Almas em Chamas, Twelve o’Clock High, direção Henry King, 1949) e B-24 e um B-29 que apareceu em dois filmes, The Beginning or the End (direção Norman Taurog, 1947) e Above and Beyond (direção Melvin Frank e Norman Panama, 1952). Longas-metragens já do pós-guerra, retratavam Paul Tibbets, o piloto do B-29 Enola Gay, que jogou a bomba atômica em Hiroshima – os atores Barry Nelson e Robert Taylor representaram o papel de Tibbets, no primeiro e segundo filmes respectivamente. Também se podiam ver aviões torpedeiros e caças como o P-38 Lightning que Irene Dunne tenta roubar em Dois no Céu (A Guy Named Joe, direção Victor Fleming, 1943); ou ainda, o F-4 U-1A Corsair que voará muito tempo depois, na segunda temporada da série Black Sheep Squadron da NBC (1976-78). Mas Hollywood tratava bem os alemães até 1941, edições inglesas de periódicos germânicos como Signal e Der Adler (revista oficial da força aérea nazista) tinham grande circulação nos Estados Unidos. (imagem acima, à esquerda, quadro retirado de um cine jornal produzido pelo Instituto Luce, 1937. A frase "O cinema é a arma mais forte", encimada pela figura de Mussolini utilizando uma câmera de filmagens, evidencia a importância dada por ele a esse meio)

O objetivo disso, de acordo com Farmer, era encorajar a neutralidade do país, simultaneamente projetando imagem de uma Luftwaffe moderna e invencível e o colapso iminente da força aérea britânica. O cinema de Hitler também chegava aos Estados Unidos já em 1939. Em Goal in the Clouds (Ziel in dem Wolken, direção Wolfgang Liebeneiner) os personagens procuram desenvolver aviões capazes de aterrorizar os países vizinhos, e D.III-88, The New German Air Force Attacks (D.III-88, direção Herbert Maisch e Hans Bertram, 1940) expandiria o tema. Filmes descritos como “propaganda” por Farmer, que cita ainda Stukas (1941) e Legion Condor (ambos com direção de Karl Ritter, 1939). Neste último, em suas palavras, “voluntários” alemães se apresentam para lutar na guerra civil espanhola. Quando os Estados Unidos entra na guerra, a falta de imagens de combates aéreos para Hollywood foi suprida em parte por estes filmes. Por conta disso, Farmer aponta a incongruência histórica de filmes como Tigres Voadores (Flying Tigers, direção David Miller, 1942). Ambientado na China, não existiam os JU-86 alemães da legião Condor que aparecem e também caças Spitfire ingleses do também inglês The Lion has Wings (direção Alexander Korda e outros, 1939) inseridos como dublês dos P-40 Warhawks norte-americanos! O futuramente famoso cineasta italiano Roberto Rossellini realizaria três filmes de propaganda das forças armadas de Mussolini, para a aeronáutica com Un Pilota Ritorna (1942), para a marinha com La Nave Bianca (1942) e para o exercito com L’uomo dalla Croce (1943).

O Cinema e o Mundo... Livre




É curioso constatar
como apenas os filmes
do perdedor são vistos
como propaganda
de mau gosto






É muito comum encontrar críticas e estudos a respeito da manipulação promovida no cinema pelos órgãos de propaganda de Hitler. É assim, por exemplo, que um filme como Mocidade Heróica (Hitlerjunge Quex: Ein Film vom Opfergeist der deutschen Jugend, direção Hans Steinhoff, 1993) será considerado propaganda barata, enquanto Os Carrascos Também Morrem (Hangmen Also Die!, 1943) apresenta um personagem principal nazista caricato, da fase de Fritz Lang nos Estados Unidos, contando ainda com um roteiro escrito por Bertold Brecht (ambos fugidos da Alemanha de Hitler e precisavam “se fazer úteis” aos Estados Unidos) (imagem acima, à esquerda). O fato de que os clichês neste filme sejam menos sutis do que no primeiro é mero detalhe. Em Mocidade Heróica, os personagens comunistas são retratados como bêbados e bandidos, enquanto Hollywood lançava Missão em Moscou, um filme pró-soviético (primeira imagem do artigo). Fala-se muito sobre a maneira horrível como os judeus foram retratados em filmes nazistas como O Judeu Eterno (Der Ewige Jude, direção Fritz Hippler, 1940), mas quantos ouviram falar de Know your Enemy – Japan, documentário dirigido por Frank Capra em 1945 onde os japoneses eram mostrados a partir de estereótipos racistas? (4) (Imagem abaixo, à direita, 30 Segundos Sobre Tóquio {30 Seconds Over Tokio, 1944}; filme baseado em fatos reais que reconstitui um irrelevante ataque norte-americano ao Japão logo após o triunfante ataque japonês a Pearl Harbor. O objetivo explícito era levantar o moral dos norte-americanos)





De 1934 até a década de
50
,   ao  cinema nos Estados
Unidos não era garantida a

liberdade de expressão (5)






Mas pouco se fala a respeito da postura do governo de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) durante a guerra em relação ao cinema. Durante a Segunda Guerra, o governo norte-americano estava convencido de que filmes poderiam mobilizar a opinião pública a favor da entrada no conflito. Clayton Koppes e Gregory Black mostram até que ponto chegou o envolvimento do governo em Hollywood. Integrantes do Office of War Information (OWI), agência do governo para a propaganda, cumpriam as seguintes tarefas: Publicaram um manual instruindo os estúdios em como ajudar no esforço de guerra; assistiam a reuniões da cúpula de Hollywood; analisavam os roteiros de cada grande estúdio (exceto com a Paramount), pressionavam para modificações e destruíam filmes considerados questionáveis; e, às vezes, chegaram mesmo a escrever os diálogos (6). É curioso que até hoje se fale dos filmes realizados durante o nazismo como pura propaganda, enquanto os filmes de propaganda realizados pelos norte-americanos continuam a passar na televisão e/ou estar disponíveis em dvd’s. Poderíamos citar Missão em Moscou (Mission to Moscow, direção Michael Curtiz, 1943), produzido para gerar um ambiente pró-soviético nos Estados Unidos (eles eram os únicos capazes de enfrentar Hitler naquele momento), está repleto de mal entendidos e incongruências do ponto de vista histórico. Contudo, terminada a guerra, o governo norte-americano trata de encomendar filmes que fizessem o público odiar/temer os russos... Era a Guerra Fria (7).

Puro Entretenimento Puro




(...) Os filmes da capital
do cinema ocupavam 80 %
da
s telas do mundo na década
de 30
, e os tablóides e revistas de
fotografias de Paris a Pequim
, de
Roma ao Rio
, davam grande
atenção a Hollywood” (8)






A OWI tinha considerável influência com o Escritório de Censura, que expedia licenças de exportação e controlava a exibição de filmes norte-americanos nas áreas libertadas. Uma vez que a exibição no estrangeiro muitas vezes determinava a diferença entre lucro e prejuízo para um filme, os executivos dos estúdios consideravam muito conveniente seguir os conselhos do OWI. Desta forma, o governo acabou conseguindo exercer considerável influência em relação ao conteúdo dos filmes de Hollywood em tempo de guerra. Contudo, Koppes e Black consideram enganoso focar apenas na influência do governo. Essa experiência durante a guerra só poderia ser compreendida no contexto mais amplo da censura imposta pela própria indústria. Se a intromissão do governo era algo novo, a censura surgiu praticamente junto com Hollywood. Em sua forma mais acabada, era exercida pela Production Code Administration (PCA), uma ramificação do Motion Picture Producer and Distributors of America – mais conhecido como Escritório Hays, em função de seu chefe de longa data, William Harrison (Will) Hays. Um dos paradoxos da história do cinema norte-americano afirma Koppes e Black, é que quando Hollywood era mais popular ela era também firmemente controlada por uma oligarquia empresarial e um rígido código de censura. (acima, à esquerda, John Wayne em Os Tigres Voadores; abaixo, à direita, Dois no Céu)






Hollywood só
assumiu  a  auto
-censura
por uma razão pura
mente
mercadológica





Desde 1915 a indústria norte-americana do cinema tinha problemas, pois a Suprema Corte decretou que o cinema não era nada além de um “puro e simples” negócio, sendo assim não estariam incluídos na garantia de liberdade de expressão promulgada na Primeira Emenda da Constituição. Foi justamente por iniciativa de Hays que Hollywood estabeleceu sua auto-censura em 1934. Naquela época, a sociedade norte-americana ainda estava sendo duramente afetada pela Grande Depressão. Hays percebeu que a profusão de filmes de gangster, apelos cada vez maiores à nudez (feminina) nas telas e roteiros que se aprofundavam em questões sociais, poderiam incitar o governo federal a agir, com possíveis desastrosas conseqüências para o “negócio”. Em 1934, a cúpula da Igreja Católica nos Estados Unidos lançou uma campanha nacional para “purificar” Hollywood. Desde 1930 já havia um código de conduta, os bispos forçaram Hays a acatá-lo em troca do fim do boicote. O código era um misto de moralidade católica e postura burguesa, a transgressão da lei seria sempre punida, não haveria exposição da carne, não haveria homens e mulheres na cama juntos (mesmo se casados), falar de aborto estava fora de questão, assim como a homossexualidade e o controle de natalidade. O crime e a corrupção deveriam ser mostrados como aberrações individuais, nunca como problemas sistêmicos.

“(...) Na maior parte dos círculos literários e intelectuais, contudo, o código era regularmente denunciado como o pior tipo de censura – aquela dos ‘fanáticos sexuais’. Eles condenavam especialmente as restrições relativas a temas sociais e políticos do código Hays.

“Sempre controversas, as mensagens nos filmes [norte-]americanos ganharam uma nova urgência quando o mundo mergulhou na guerra em 1939. A guerra foi um tema irresistível para Hollywood, mas isso também ameaçava as confortáveis e lucrativas pretensões do código e a doutrina do ‘puro entretenimento’. Esta foi uma ‘guerra total’, como os políticos e especialistas entoaram incessantemente. Como as nação foi orientada para a guerra até ao mais íntimo detalhe da vida diária (...), os filmes se tornaram um instrumento privilegiado para persuasão pública. A guerra trouxe o envolvimento mais contínuo e íntimo jamais visto na América [do Norte] entre o governo e uma mídia de cultura de massa, já que a administração Roosevelt fez pressão sobre Hollywood para realizar longas-metragens que eram veículos de propaganda. O conflito entre os estúdios e o governo, e a eventual cooperação entre eles, ajudou a formar a opinião pública durante e depois da guerra. O relacionamento entre os propagandistas do governo e uma mídia de cultura de massa colocou em destaque questões cruciais a respeito de como o público é mobilizado para a guerra e o controle de uma mídia popular, mas empresarial. Hollywood 1939: o palco estava pronto para uma luta na mídia de cultura popular dominante, a respeito de demandas conflitantes de política, lucros e propaganda” (9)

Uma Coisa é Uma Coisa... Outra Coisa é Outra Coisa 



“O espetáculo
que começou em 9 de
setembro
, 1941, exigiu os
melhores talentos de Hollywood
e do Senado dos Estados
Unidos
duas instituições [norte
-]americanas
que
, sejam quais fossem suas
intenções sérias
, não eram
estranhos à ilusão ou
ao melodrama” (10)




Havia um grupo de políticos nos Estados Unidos que defendia a neutralidade dos Estados Unidos em relação às questões européias. Chamados de isolacionistas, eles afirmavam na época que a indústria do cinema de Hollywood estaria paulatinamente inserindo elementos de propaganda política em seus filmes, cujo objetivo primário deveria ser o puro entretenimento. Alegaram que possuindo o monopólio da produção e distribuição de filmes, os presidentes dos grandes estúdios utilizariam seu poder para incentivar a participação dos Estados Unidos na guerra ao alardear a perseguição a que estavam sendo submetidos os judeus na Europa – os isolacionistas chegaram a mencionar que seria natural por parte desses presidentes, já quem em grande parte eram judeus também (11). Mas tudo isso mudou quando o Japão atacou o país em 1941 – a guerra na Europa havia começado em 1939. Até então, os estúdios em Hollywood vinham se adaptando à situação. Quando Hitler, bem antes de 1939, exigiu que os empregos na Alemanha fossem ocupados apenas por arianos, os grandes estúdios norte-americanos rapidamente demitiram seus funcionários judeus que trabalhavam na terra do Führer – ainda que, como sabemos, os próprios donos fossem judeus. (imagem acima, à esquerda, Almas em Chamas; abaixo, à direita, Nossos Mortos Serão Vingados {Wake Island, direção John Farrow, 1942})






Aparentemente,
caso os Estados Unidos
não  entrassem  na guerra
,
Hollywood teria continuado
a agradar Hitler para não
perder o mercado
alemão






Acontece que a indústria norte-americana do cinema era muito dependente de suas exportações, assumindo uma postura conivente com os desmandos de Hitler. Contudo, além de já estar perdendo o mercado alemão desde 1937, depois de 1941 Hollywood começará a produzir filmes antinazistas, o que faz com que o líder alemão proíba a importação de filmes norte-americanos – o que não significa que Josef Goebbels, Ministro da Propaganda nazista deixasse de admirar a maneira como Hollywood conseguia produzir entretenimento anestesiante. Foi então que Hollywood se voltou para os interesses propagandistas (rentáveis para eles) do governo Roosevelt. Em 1938, a United Artists produz Bloqueio (Blockade, direção William Dieterle), um filme que comenta a Guerra Civil Espanhola que estava então ocorrendo – na qual Hitler e Mussolini tiveram papel ativo ao lado do futuro ditador Francisco Franco, cuja ditadura, aliás, sobreviveria a ambos. No ano seguinte, Confissões de Um Espião Nazista (Confessions of a Nazi Spy, direção Anatole Litvak) foi baseado em caso verídico, espiões nazistas foram presos nos Estados Unidos.

Glorificação da Guerra?



Com Sargento 
York,   o  cinema
hollywoodiano deixa d
e
recear temas políticos e passa
a assumir uma postura
intervencionista

agressiva (12)




Com o acirramento das batalhas, Hollywood multiplicou seus temas. Da marinha de guerra à infantaria, da força aérea à marinha mercante, todas as armas do teatro de operações receberam uma “roupagem moral”. A Casa Branca estava agradecida, como Roosevelt deixaria claro no Oscar em 1941. Agradeceu a “esplêndida cooperação com todos que estão dirigindo a expansão de nossas forças de defesa”, e apelou por suporte continuado. Lowell Mellett, que fazia a ligação entre a presidência e a mídia afirmou em 1941: “Praticamente tudo sendo mostrado na tela, de cine jornal à ficção que toca nossos objetivos nacionais, é do tipo correto”. O patriotismo é um dos ingredientes, mas Mellett também atribuiu o apoio ao “fato de que a indústria do cinema está consciente do Departamento de Justiça”. Na época Fritz Hippler, que comandava o cinema de Hitler, afirmou que se os filmes de Hollywood carregam os “ideais de uma nação livre” através do mundo, então “os ideais [norte-americanos] devem ser diversão leve” (13) – Goebbels detestava filmes políticos, substituindo propaganda por entretenimento (14). Ao contrário de outros veículos de comunicação norte-americanos, o cinema custou para falar da guerra. Por outro lado, sua estrutura oligopolista engendrava um produto político monolítico. Isolacionistas como o Senador Gerald P. Nye, contrário à entrada dos Estados Unidos no conflito, dizia que Hollywood glorificava a guerra ao invés de entreter, drogando a razão do povo com a febre da guerra (15). (imagem acima, à esquerda, A Yank in the R.A.F.; abaixo, à direita, Comboio Para o Leste)




Com frases de
Roosevelt ditas pelo
próprio, Comboio Para o
Leste
(16), um filme sobre
os heróis sem glamour
da marinha mercante,
agradou muito aos
envolvidos na
propaganda
de guerra




Em meados de 1941, contam Koppes e Black, os filmes ultrapassaram outro limiar. Sem fazer julgamentos políticos explícitos, alguns deles estabeleciam proposições intervencionistas por analogia. Em pelo menos dois filmes os norte-americanos estavam tão ligados no perigo que corria a Inglaterra que se alistaram na Força Aérea Real para tomar parte ativa na batalha contra o Nazismo. A presença de pilotos norte-americanos na força aérea britânica (R.A.F.) durante a Batalha da Inglaterra será apontada em A Yank in the R.A.F. (direção Henry King). Ronald Reagan, futuro presidente republicano dos Estados Unidos na década de 80, atuou em International Squadron (direção Lothar Mendes e Lewis Seiler) (imagem abaixo, à esqurda) como um piloto norte-americano na R.A.F., ele morre no final devido a suas “falhas morais”. No primeiro filme, protagonizado por Tyrone Power, originalmente seu personagem morria no fim. Contudo, temendo que os norte-americanos concluíssem que eventualmente poderiam morrer na guerra, os ingleses solicitaram uma mudança e Power sobrevive (17). O crítico do New Herald Tribune Howard Barnes defendeu o filme com essas palavras:



“Os Isolacionistas
sem  dúvida  ficarão
horrorizados  com  o  novo
filme no Roxy.
A Yank in the R.A.F.
não apenas admite que haja uma guerra
sendo travada,
mas de forma muito
franca fica do
lado dos galantes pilotos 
britânicos que salvaram um fragmento
da Europa para a democracia há
um ano...
A Yank in the R.A.F.
talvez seja a comercialização
da guerra. É isso que faz
dele um entretenimento

de valor na tela” (18)




O tipo de abordagem de A Yank in the R.A.F. atingiria seu ápice com Sargento York (Sergeant York, 1941), que pretendia mostrar a história de Alvin York, um pacifista que acabou se tornando um herói na Primeira Guerra Mundial quando matou uns vinte soldados alemães e capturou 132 no campo de batalha. Depois que ele foi recebido com uma parada na 5ª Avenida em 1919, tentou-se sem sucesso fazer um filme sobre o evento. Em 1940, Alvin foi procurado novamente para contar sua história nas telas e ajudar outros soldados que estivessem passando por uma crise de consciência. Ele concordou em vender o roteiro em troca de cinqüenta mil dólares – supostamente para a construção de uma escola religiosa. E foi Alvin que sugeriu Gary Cooper para o papel principal. Depois de um dia e uma noite questionando as demandas conflitantes entre a Bíblia e a guerra por uma suposta democracia, York optar pela guerra ao concluir: “a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”.

O Grande Ditador




(...) Hitler tinha de
ser ridicularizado”

Charles
Chaplin





De acordo com Koppes e Black, talvez o filme antifascista mais significativo do período tenha sido uma produção independente (em relação a Hollywood). Charles Chaplin produziu, escreveu e atuou em O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940). Ele foi pressionado a cancelar o projeto – sugeriram que poderia prejudicar os judeus que ainda estavam na Alemanha... Chaplin contou que autoridades na United Artists (que ele fundou com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D.W. Griffith), a realizadora do projeto, lhe disseram ter sido avisados pelo Escritório Hays que poderiam ser censurados. Mas Chaplin respondeu que “(...) estava determinado a ir em frente, porque Hitler tinha de ser ridicularizado” (19). Já em 1938 o Cônsul alemão em Los Angeles manifestará oposição ao projeto. No ano seguinte, a censura inglesa avisou que nenhum personagem vivo podia ser representado na tela sem consentimento por escrito - com o início da guerra isso não é mais problema. Joseph Breen, diretor do PCA, saúda o filme como “entretenimento soberbo” - mas solicita o corte da palavra proibida lousy (nojento, sujo), na cena em que Hannah experimenta chapéus. Breen suspeitava que, através de Hollywood, judeus estariam usando o tratamento dispensado pelos nazistas aos judeus na Alemanha para fazer filmes de propaganda – chegou a identificar o epicentro dessa “conspiração” na Hollywood Anti-Nazi League. Dois anos depois, em Hollywood, Ernst Lubitsch também procurou rir de Hitler em Ser ou Não Ser (To Be or Not To Be, 1942)

O Grande Ditador não pode ser classificado como um “filme de ódio”, porque sugere que nem todos os alemães odiavam judeus. Essa abordagem era uma fórmula hollywoodiana, mas também uma diretiva do PCA. Alemães maus deveriam ser contrabalançados por alemães bonzinhos. O PCA utilizava essa fórmula para evitar controvérsias – os políticos podiam ser corruptos, mas nem todos; os advogados podiam ser charlatões, mas nem todos –, aplicando-a inclusive aos alemães. Embora isso nem sempre ocorresse, vide um filme maniqueísta onde todos os nazistas são maus como Man Hunt (direção Fritz Lang, 1941), o PCA exigiu que Hollywood continuasse a reforçar uma doutrina de imparcialidade, pouco importa o quão maléfico fosse o regime político. Os Carrascos Também Morrem seguira o mesmo padrão, os nazistas são brutais (ou ridículos como Heinrich Heidrich, o nazista assassinado na vida real e que inspirou o filme) enquanto os tchecos da resistência são íntegros. No entanto, concluem Koppes e Black, a sátira em O Grande Ditador se mostrou mais efetiva do que filmes sobre a resistência. Mas também não se trata apenas de uma questão de risada, em Ser ou Não Ser, que mostra um sósia de Hitler caminhando na rua em Varsóvia, nem todo mundo estaria disposto a rir, uma vez que a Polônia já havia sido invadida pelos nazistas desde 1939 (20).




Chaplin
parou de rir

de Hitler quando
ele finalmente
invadiu a

Europa




 Saudado por alguns na época como “o melhor filme de propaganda desde o início da guerra”, O Grande Ditador teria o mérito de atacar o ditador alemão através de um humor inteligente. De acordo com Ray Bradbury, “quando se está diante de regimes totalitários, da loucura que impõem ao mundo, não basta ter coragem. Precisa-se rir na cara deles. Gargalhar e dizer: ‘vocês não valem nada. Eu os descarto assim, dando uma gargalhada eterna, a gargalhada da aceitação que os dissolve” (21). É possível que a referência a César em Sargento York seja uma resposta/provocação às palavras que Chaplin coloca na boca do grande ditador. No início da famosa cena da dança com o globo terrestre, Hynkel recita em latim “Ou César ou nada!” (a frase “aut Caesar aut nullus” é uma citação incorreta de “aut Caesar aut nihil”) (22). As filmagens de O Grande Ditador estavam quase terminadas quando Hitler se lançou na conquista da Europa. Chaplin ficou tão chocado que pensou em suspender o lançamento do filme, afirmando que Hitler “(...) é uma ameaça horrível para a civilização ao invés de alguém de quem se possa rir”.






Talvez O Grande Ditador representasse um enorme
contraponto em relação às
“tentati
vas” de Hollywood





Quando Hitler invadiu a França, Chaplin ainda estava ocupado com o discurso na cena final, o que o fez reescrevê-lo como um apelo pela paz e pela razão. No dia em que Chaplin estava gravando a cena, o próprio Hitler chega à Paris para saborear a vitória. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do ditador, o clima de caça às bruxas do macarthismo (que inauguraria uma nova fase do cinema de propaganda Hollywoodiano) atingiu Chaplin. Apenas muitos anos depois Chaplin voltaria ao país para receber um Oscar pelo conjunto da obra, oferecido pela indústria cinematográfica de Hollywood. Mas por hora, durante a década de cinqüenta, foi considerado um inimigo da democracia norte-americana. Chaplin, que era um imigrante inglês (e nasceu no mesmo ano e na mesma semana que Hitler), seria forçado a exilar-se fora dos Estados Unidos. Enquanto isso, aqueles que levaram para as telas do cinema um filme patético como Missão em Moscou, assim como seus colegas, colhiam os frutos da recompensa por serviços prestados à desinformação patrocinada pelo governo norte-americano.




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Fellini Romano de Rimini
Chaplin e o Macarthismo
Jean-Luc Godard e a Colagem
Isto é Hollywood!
A Primeira Onda do Cinema Francês
A Múmia Hollywoodiana e a Islamofobia

Notas:

1. KOPPES, Clayton R.; BLACK, Gregory D. Hollywood Goes to War. How Politics, Profits & Propaganda Shaped World War II Movies. London: I.B. Tauris, 1987. P. 17.
2. FARMER, James H. Celluloid Wings. The Impact of Movies on Aviation. Pensilvânia/ EUA: Tab Books Inc., 1984. Pp. vii, viii, xiii, ix, 133, 135, 141-2, 159-61.
3. Idem, p. 161.
4. KOPPES, Clayton R.; BLACK, Gregory D. Op. Cit., p. 250.
5. Idem, p. 14.
6. Ibidem, pp. vii-viii, 13-26, 31-2, 35.
7. Ibidem, p. 185-6.
8. Ibidem, p. 2.
9. Ibidem, p. 16.
10. Ibidem, p. 17.
11. Ibidem, p. 41.
12. Ibidem, p. 39.
13. Ibidem, pp. 37-9, 333n43.
14. Goebbels, Mestre da Propaganda In 4º Poder, série O Poder e a Mídia, TVE, canal 2, RJ. 05/09/1996. BBC.
15. KOPPES, Clayton R.; BLACK, Gregory D. Op. Cit., p. 39, 40.
16. Idem, p. 114, 119. Action in the North Atlantic, direção Lloyd Bacon, não creditados: Byron Haskin e Raoul Wash, 1943.
17. FARMER, James H. Op. Cit., pp. 156, 316.
18. Idem, p. 156.
19. Ibidem, p. 31.
20. Ibidem, p. 297.
21. O Vagabundo e o Ditador, documentário de Kevin Brownlow e Michael Kloft. Nos extras do DVD de O Grande Ditador, lançado no Brasil pela Warner Brothers, 2001.
22. IMDB. http://www.imdb.com/title/tt0032553/faq 


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