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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

23 de jan. de 2009

Me Elogiaram de Imbecil...

Poema

"A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei
.
Meu fado é o de não saber quase tudo
.
Sobre o nada eu tenho profundidades
.
Não tenho conexões com a realidade
.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro
.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias ( do mundo e as nossas )
.
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil
.
Fiquei emocionado e chorei
.
Sou fraco pra elogios"
.

Manoel de Barros

19 de jan. de 2009

A Fabricação do Herói (final)





Obras Encomendadas

A glorificação de Tiradentes encontra muita receptividade no governo, mais do que qualquer outro protagonista de nossa história. Em 1890, um único decreto estabelece as comemorações do 15 de novembro (Proclamação da República) e do 21 de Abril (Inconfidência Mineira). Com muitas obras encomendadas aos artistas de plantão, a imagem do herói-mártir se cristaliza definitivamente na memória nacional. O fato de pouco se saber da vida real de Joaquim José da Silva Xavier até facilitou o trabalho dos artistas, que ficaram livres para recriá-lo. “A vida de Joaquim é parasitada pelo mito”, agora a figura heróica preenche de tal maneira o vazio da biografia dele que, de ilustração, acaba se transformando na verdadeira vida de Joaquim.

É segundo esta perspectiva, afirma Maria Alice Milliet, que a litografia de Décio Rodrigues Villares deve ser compreendida. Com efígies do Tiradentes distribuídas ao povo pelo governo durante o desfile comemorativo da data em 21 de abril de 1890, o pseudo-retrato criado por Villares é considerado a imagem fundante: Tiradentes, para os brasileiros, é uma espécie de Jesus Cristo. Assim ele apareceu na litografia de Villares editada pela Igreja Positivista do Rio de Janeiro e assim permanece até hoje (imagem ao lado)

“O rosto visto de três quartos é o de um homem de tez clara, traços regulares, com pouco mais de 40 anos. A longa barba e os cabelos até os ombros emprestam-lhe um ar de estudada negligência. Seu olhar evasivo não fixa o observador, perde-se na distância. Como único adereço, traz uma corda enlaçada ao pescoço sem, contudo, ameaçar enforcá-lo. Abaixo do busto, vê-se a palma e a coroa de ramos de café enfeixados por uma fita onde se lê: 1792–Libertas Quae Sera Tamen e Ordem e Progresso–1889. No topo da prancha, ao centro, a legenda Tiradentes 1792-21-abril-1890. No canto inferior esquerdo vem: Edição do Apostolado Positivista do Brasil-1890, e na mesma altura, à direita, o autor D. Villares” (1)

Um Rosto Para a República

Na litografia de Villares, o texto controla a recepção da imagem, direciona o sentido, fixa uma interpretação. “Na conjugação palavra/imagem se arma a conotação ideológica do ícone concebido para o grande público”. Como nos lembra Milliet, uma imagem desprovida de pathos, onde o drama é apenas evocado: a corda delicada e frouxa em volta do pescoço pouco lembra o laço da forca. Ocorre também uma contaminação entre a mensagem política e a religiosa.

“A barba crescida sugere as duras condições da prisão, e os olhos mansos voltados para o além indicam desprendimento do mundo. O semblante aproxima-se do arquétipo da santidade: o santo, antes de mais nada, é alguém alheio às contingências da vida mundana. O ícone do herói confunde-se com certa iconografia do Cristo que consagra ‘um tipo fino e aristocrático, um tanto insípido’, cuja fixação ocorre no século XVIII, segundo [Germain] Bazin, na famosa pintura do Sagrado Coração de Jesus, de Pompeu Batoni (1708-87) para a igreja do Gesú de Roma” [imagem ao lado] (...)”Dessa tradição vem a fácil aceitação de figura cristianizada do Tiradentes” (2)

Em seu rosto não se vê tensão, não é o rosto impetuoso de um subversivo (como era visto no tempo do Império) ou o olhar passional do revolucionário. O que sobra é uma efígie olímpica, adocicada, próxima da medalha de devoção ou do santinho do catecismo. Nada, nenhum relato preciso da aparência de Joaquim, remete a essa imagem. Como resumiu Roland Barthes:

“Passando da história à natureza, o mito faz uma economia: abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhe a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições, porque sem profundeza, um mundo plano que se ostenta em sua evidência, cria uma clareza feliz: as coisas parecem significar sozinhas, por elas próprias” (3)

Imagem da República, Imagem Positivista

A litografia de Villares foi encomendada pelos Positivistas do Rio de Janeiro. Seu patrono, Augusto Comte, havia criado em 1847 uma Igreja Positivista (a Religião da Humanidade) cujo objetivo era substituir os personagens religiosos pelos pais da Razão. Assim, seus templos, ao invés de imagens de santos tinham imagens de filósofos como Platão, Aristóteles, Rousseau, Hobbes etc. Homens da Razão e da Ciência. Apesar de se propor como uma opção à religião teológica, o catecismo positivista se apropria de símbolos do catolicismo. Em seu país de origem, a França, ela já estava extinta, mas no Brasil ela está viva até hoje (na Igreja Positivista do Rio de Janeiro). E foi essa Igreja que encomendou a imagem de Tiradentes que se cristalizou nos olhos e na imaginação do brasileiro.

A identidade entre Tiradentes e Cristo está no lema Positivista: Viver para Outrem. Tanto para o cristianismo quanto para o Positivismo, a idéia do mártir está ligada à figura do herói altruísta: a renuncia individual em benefício do interesse social. Uma dedicação dos fortes aos fracos e a veneração dos primeiros pelos últimos. Isso leva a reconhecer os homens ilustres como guias da humanidade e a reverenciá-los como se faz com os santos. O culto aos homens notáveis ou mortos ilustres é integrado então como elemento disciplinador das forças sociais. Segundo a diretiva do próprio Augusto Comte, o Gran-Ser “não incorpora a si senão os mortos verdadeiramente dignos”, “afasta de cada um deles as imperfeições que sempre lhe maculam a vida objetiva”. Era o que faltava para a idealização dos mortos, cuida-se de “melhorar a realidade” (4). Isso acontece também quando só encontramos elogios para alguém que acabou de morrer!

A França da Revolução, entre 1789 e 1799, também havia desenvolvido esse fenômeno. Com a desvinculação entre Estado e Igreja (instituída aqui pela Constituição de 1891), era necessário preencher o vazio. A necessidade do sagrado teria buscado satisfação no culto aos mártires da Liberdade, espécie de santos patriotas (5). (ao lado, o sacrifício do mártir, Tiradentes Esquartejado, de Pedro Américo, 1893)

Com tudo isso acontecendo numa época sem a imprensa e a máquina da propaganda de que dispomos atualmente, podemos imaginar (para aqueles que se arriscam a produzir pensamentos) o que pode estar em jogo na construção da imagem dos homens notáveis que a televisão vomita sobre nós diariamente. Quem são essas pessoas afinal? Nós as vemos e ouvimos, mas como distinguir entre aquilo que elas são e aquilo que elas apenas parecem que são? Sem falar nas imagens cuja legenda nos diz: "esse é bandido". O que exatamente distingue um homem notável de um bandido na sociedade brasileira? Quem define "bandido" e quem define "homem notável"? De repente, “ler” as imagens torna-se uma tarefa muito mais complicada do que fomos acostumados a acreditar...

Notas:

1. MILLIET, Maria Alice. Tiradentes: O Corpo do Herói. São Paulo: Martins fontes, 2001. P. 140.
2. Idem, p. 142.
3. BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1988. Pp. 163-4. In MILLIET, Maria Alice. Op. Cit., p. 144.
4. COMTE, Augusto. Curso de Filosofia positiva, Discurso Preliminar Sobre o conjunto do Positivismo, Catecismo Positivista. São Paulo: Nova Cultural, 1988. P. 74 In MILLIET, Maria Alice. Op. Cit., p. 148. A ênfase é minha.
5. MILLIET, Maria Alice. Op. Cit., p. 152.

18 de jan. de 2009

A Fabricação do Herói (I)


Heróis Convenientes

Joaquim José da Silva Xavier poderia ter sido esquecido para sempre, não fosse a mudança da forma de governo em seu país, que passou da Monarquia para República. Mas quem é Joaquim? A República fez dele um mito, o que sempre acontece quando se instaura um novo governo, que geralmente cria seus próprios mitos de legitimação. Joaquim insurgiu-se contra a Monarquia, insurgiu-se contra o Poder constituído de sua época. Ele foi apanhado, juntamente com seus companheiros de insurgência.

A República, o poder constituído que veio a seguir, mas muito tempo depois disso, fez dele seu herói. Curiosamente, pelo menos para aqueles que não estão acostumados a ler nas entrelinhas da História, todos aqueles que eventualmente, a partir dos mesmos ideais de Joaquim, se insurgem contra a República e são considerados insurgentes, são punidos com infâmia, prisão, a covardia da tortura e a morte. Paradoxalmente, Joaquim se tornou o símbolo de liberdade e justiça que, teoricamente, está nas bases dessa República.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, intitulado Mártir da Liberdade e Patrono da Nação Brasileira, ganha comemoração anual, estátua, efígie, e um lugar nos livros escolares. Todos conhecem (ou já ouviram falar), desde criança, aquela figura de camisolão branco e corda no pescoço, invocando uma indisfarçável semelhança com Cristo. Maria Alice Milliet se pergunta (com alguns de nós): por que o vestiram como santo? (1)

Imagem é Tudo

Qual a relação entre o que é e o que parece que é, entre o real e a representação? Falando especificamente em relação à Inconfidência Mineira, quanto de verdade pode existir nos depoimentos dos conspiradores presos se foram tomados sob “constrangimento”? (2) Resta apenas a documentação oficial, nada existe sobre o plano de ação dos conspiradores. Curiosamente, em 1792, quando foi dada a sentença, apenas um dos conspiradores foi condenado. Joaquim José da Silva Xavier, que ainda não era Tiradentes, foi enforcado, esquartejado, as partes do corpo expostas a execração pública, os bens confiscados (parece que o Estado brasileiro continua gostando muito de fazer isso, ainda que com procedimentos mais sutis e hipócritas), os descendentes desmoralizados. Um cenário de terror sempre montado quando um poder dominante entra em crise e precisa manter seu domínio sobre a população-refém. (na imagem acima, a estátua de Tirandentes na frente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro; ao lado, podemos ver a mesma estátua, agora do ponto de vista da Assembléia. Ou seja, de costas para os legisladores. Abaixo, um protesto durante as comemorações da Inconfidência Mineira, em 21 de abril de 2008)

Um século depois, a Inconfidência Mineira perde o sentido negativo que tinha durante o Império e adquire um valor positivo durante a República. Tiradentes agora é saldado (e divinizado) como um herói. A dificuldade de se reconstituir a verdadeira história de Joaquim acaba permitindo a criação do herói em função de interesses e conveniências políticas. Maria Alice Milliet adverte sobre a importância de se revelar o que existe por trás do mito e sua aparente naturalidade (“isso aconteceu assim”).

“Isto porque a perversidade do mito não está em deformar o objeto a que se refere, mas em fazer com que a deformação pareça coisa natural. Tão natural e verdadeira que a invenção pode parecer mais real do que o real”(...)”Uma pintura pode ser tão relevante quanto um artigo de jornal, uma estátua tão ou mais reveladora que um poema, porque o mito, em sua ânsia de comunicação, não discrimina os meios, usando tanto a palavra quanto a imagem em diferentes suportes. Com habilidade perversa o mito descola-se da história” (3)

Cada Época Escolhe Seu Passado (4)

“Minta, minta que alguma coisa fica”

Josef Goebbels,
Ministro da Propaganda
de Adolf Hitler


Para justificar o presente, recorre-se ao passado. A Inconfidência Mineira entra para a história oficial do Brasil Republicano. A República deveria contar sua história (mesmo que tivesse que inventá-la). Bandeiras, hinos, estátuas, quadros, monumentos, cerimônias oficiais, tudo deve tornar visível e dar lastro histórico para a nova ordem política. Disso fazem parte os heróis da pátria (mesmo que tenham que ser inventados ou, reconstruídos à imagem e semelhança daquilo que a ordem política que ele representa enxergar como sendo ela mesma). Eric Hobsbawn chamou de invenção das tradições a esse procedimento, ao constatar sua freqüência na Europa, de 1870 a 1914, como também no continente Americano.

“Nesse período, os Estados criam deliberadamente mitos, símbolos e práticas sociais com o objetivo de mobilizar a sociedade em torno da idéia de nação. Das operações de caráter institucional, as artes visuais participam inseridas num amplo sistema de representações voltado para a sensibilização coletiva. Também no Brasil, o nacionalismo é o grande gerador de mitos, convocando uma variedade de significantes (textos, quadros, estátuas, monumentos, cerimônias públicas etc), frequentemente subsidiando encomendas oficiais. Sob essa diversidade aparente é possível reconhecer as constantes, revelar certas fórmulas, certos padrões de funcionamento, identificar significados recorrentes” (5)

O Culto aos Heróis, como é o caso de Tiradentes, é parte de uma política de reforço da coesão sociopolítica da nação. Hobsbawn mostrou que, durante o século XIX, os Estados Nacionais empenham-se no estreitamento dos laços com a nação (os habitantes e seus territórios, considerados povo, ou seja, cidadãos com deveres e direitos). A massa começa a tornar-se visível para os governos. Depois de 1880, começa a fazer diferença como os homens e mulheres que compõem a nação sentem-se em relação à nacionalidade. Como bem lembra Hobsbawn, já não se poderia mais dizer como o coronel Pilsudiski, libertador da Polônia: “É o Estado que faz a nação e não a nação que faz o Estado” (6).

O patriotismo surge como uma pedagogia cujo objetivo é inculcar o sentimento de lealdade cívica nos cidadãos (neutralizando a vontade de mudar de opinião a respeito do Estado a qualquer momento), além de legitimar o Estado (ou, mais especificamente, o governo que estiver no poder). Os poderes instituídos (os governos) percebem que, se utilizado a seu favor, o nacionalismo (que pode irromper com força contra eles) pode se tornar um instrumento poderoso.

“Nesse sentido, procuram manipular por todos os meios o imaginário social, fazendo recair sobre si os benefícios de uma crença comum. Utilizam vários dispositivos de comunicação, especialmente bandeiras, hinos, cerimônias e obras públicas, o ensino para difundir datas, heróis, feitos militares: em suma, toda uma herança cultural que funciona como matéria de aglutinação do sentimento nacional” (7)

Notas:

1. MILLIET, Maria Alice. Tiradentes: O Corpo do Herói. São Paulo: Martins fontes, 2001. P. 11.
2. Idem, p. 13.
3. Ibidem, pp. 16 e 17.
4. Frase de Marguerite Youcenar, lembrada por Milliet.
5. MILLIET, Maria Alice. Op. Cit., p. 19.
6. HOBSBAWN, Eric. A Invenção das Tradições, p. 271 e Nações e Nacionalismo Desde 1780, p. 56. In MILLIET, Maria Alice. Idem.
7. MILLIET, Maria Alice. Op. Cit., p. 20.

15 de jan. de 2009

Bullying


O Hábito de Zombar e a Patologia Social

Atitudes de chacota, piadinhas e agressões entre pessoas, sejam crianças ou adultos: quando alguém, ou um grupo, ataca moralmente outra pessoa ou grupo com freqüência. Acredito que tal comportamento poderia ser resumido pela frase: desprezar o semelhante é preciso, pensar/sentir não é preciso!

O hábito de zombar dos outros, seja por que motivo for, está se alastrando pela sociedade. Quando se fala de bullying, geralmente se comenta sobre crianças e adolescentes em sala de aula que adotam uma posição arrogante em relação a outras – porque alguém é alto demais, ou baixo demais, ou gordo, ou magro, ou estudioso, ou porque não estuda, ou pela religião, ou racial, ou financeiro etc, etc, etc. Enfim, porque é diferente, e atacar o diferente é preciso! Mas quando isso chega ao comportamento de pessoas adultas a coisa muda de figura. Justamente daqueles que se espera que tenham superado sua fase adolescente, é de onde cada vez mais afloram condutas absolutamente infantis (intolerantes) em relação à vida alheia e à diferença.

Parece que algumas pessoas sentem prazer em fazer tortura psicológica em outras pessoas. Uma tortura que “parece” uma brincadeira. “Estamos apenas zoando fulano”, diriam os praticantes desta distorção de comportamento. Entretanto, entre a gozação e o bullying existe certa distância. Isso não é gozação, é pura intolerância. É como se utilizássemos a pata de um elefante para esmagar uma formiga. É uma atitude desproporcional, essa seria a diferença entre a gozação e o bullying. É a banalização da violência. Será que ela pode ser um dos efeitos colaterais da banalização da vida nos tempos atuais?

A Mé(r)dia da Mídia e o Bullying


Mas qual poderia ser a relação da mídia com tudo isso? Na verdade, aqui e ali (sem citar nomes), podemos assistir a uma série de programas e reportagens jornalísticas na televisão aberta que (talvez) constituam bullying ou o estímulo a ele. Se nos lembrarmos daquilo que se chama de “vídeo cacetadas”, o que temos é a suposição de que vamos rir ao assistir pessoas, e até crianças e idosos, tropeçando e levando tombos que poderiam levar a pernas e braços, ou talvez uma coluna vertebral, quebrados. Portanto, a idéia parece ser “sentir prazer com a desgraça do outro”. A mídia acaba incentivando o bullying ao sugerir que isso é “engraçado”: se alguém levar um tombo na sua frente, a primeira atitude não é correr para ajudar, mas rir ou ficar indiferente. O bullying parece se caracterizar pelo desprezo ao semelhante: quando consideramos alguém como um objeto e não como um ser humano, tratá-lo como coisa fica mais fácil.

Não está longe dessa lógica a notícia de jornal que expõe ao ridículo todos aqueles assaltantes (via de regra pobres) que são apanhados (porque os ricos não são expostos ao ridículo). Eles são mostrados e são feitas perguntas a eles pelos jornalistas como se a tela da televisão fosse uma espécie de “tribunal-vitrine”. A primeira pergunta que se pode fazer é: por que humilhar um bandido na televisão? A resposta é simples: porque dá audiência. O que, exatamente, dá audiência? Assistir alguém ser espezinhado publicamente sem poder reagir. É como se a audiência dependesse do grau de covardia da situação.

A mídia acaba incentivando o bullying ao sugerir que isso é “engraçado” ou é a coisa certa a fazer: quando um grupo de pessoas na rua consegue pegar um ladrão, batem nele e xingam, ao invés de simplesmente entregá-lo a polícia. E naturalmente irão espezinhar alguém que tente defender o direito dos próprios linchadores de receber um pronto atendimento da polícia ao sugerir que fazer justiça com as próprias mãos é não ver que o poder público é totalmente omisso em relação à segurança pública. Desta forma, a horda de linchadores fará inclusive o trabalho sujo da segurança pública ao espezinhar também quem deseja apenas abrir seus olhos.

Uma malhação do Judas que dá audiência, esse tipo de abordagem acaba incentivando (porque funciona como modelo) um comportamento hostil entre as pessoas. Uma chacota que funciona como linchamento moral, podendo levar a reações fatais. Quem sabe, muitos dos homicídios e chacinas sem causa aparente ou classificadas como motivo fútil tenham como origem esse tipo de comportamento, levando a vítima (que acaba transformada em algoz), psicologicamente despreparada, a reagir na única linguagem que conhecem aquelas pessoas que não sabem dialogar – ou que só dialogam para fazer fofoca sobre a vida alheia: por causa de uma chacota fruto de uma fofoca, destroem-se vidas.

A mídia patrocina uma patologia social em nome do lucro fácil. Noticiar a violência não pode se igualar a ela, da mesma forma como a polícia não pode agir com a irresponsabilidade social dos bandidos. Caso contrário, não se saberá mais quem é quem! É como uma pedagogia do ódio. E o que é pior, um ódio mútuo travestido de “brincadeira” e fofoca. Tudo isso, com o consentimento das emissoras de rádio e televisão que veiculam esse tipo de programação. Apesar de todas serem concessões públicas, insistem em pensar apenas no próprio lucro. E o poder público, que deveria disciplinar a situação, mais uma vez é o primeiro a se omitir.

É curiosa a desproporção entre a atenção absurda que a mídia comercial dá a dramas sociais do tipo em que se fazem reféns e a nenhuma cobertura que se dá a casos de suicídio. Por que se noticiam os primeiros à exaustão enquanto nunca vemos nada sobre o segundo? Será que as pessoas não se suicidam? Não devemos mostrar aquilo que acontece na sociedade?

De fato, esta é a questão, existem “formas e formas” de dizer alguma coisa ou de mostrar um fato. Não pretendo “ensinar o padre a rezar missa”, suponho que os profissionais da mídia têm capacidade de perceber os desdobramentos de seus atos e modificá-los caso desejem. Algum deles irá desejar perder audiência só para avisar aos telespectadores que se as coisas continuarem assim todos nós vamos nos transformar em monstros?

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