Este sítio é melhor visualizado com Mozilla Firefox (resolução 1024x768/fonte Times New Roman 16)

Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

9 de jul. de 2010

Os Auto-Retratos de Francis Bacon



“O importante
é conseguir agarrar
aquilo que não cessa
de se transformar”


Francis Bacon (1)

Francis Bacon (1909-1992) é o pintor de um tema único: o corpo humano em todos os seus estágios. Entretanto, foi apenas nos anos 60 do século passado que ele começou a pintar a si mesmo. Lá pelos 50 anos de idade Bacon começa a fazer auto-retratos, ao contrário de grande parte dos pintores, que sempre começavam pintando a si mesmos. Não que desejassem pintar a si mesmos, mas porque não tinham dinheiro para contratar modelos. E foi justamente por este motivo que Bacon, já na metade da vida, optou por se retratar.


Embora Bacon considerasse muito difícil representar seu rosto, confessou que “em dado momento, quando não pude mais encontrar outros modelos, eu me pintei, mas por falta de coisa melhor e não porque eu achasse que isso fosse em si mais interessante” (2). Seu primeiro Auto-Retrato (1958) irá mostrá-lo numa atitude de pensador melancólico. Depois disso, o auto-retrato se tornará um gênero recorrente em sua vida, purgando seu narcisismo e suas paixões naquilo que possuem de mais violento e exacerbado, de mais desconfortável e perigoso.



Bacon  
pinta   a   carne
e  livra  o  corpo da alma! Coloca
à nu o corpo do homem
, fora dos
subterfúgios do espírito


J
oëlle
Moulin




Desde 1944, bastante tempo antes do final da carnificina da Segunda guerra Mundial, o britânico Francis Bacon assimilou a carne do corpo ao aspecto filamentoso das carcaças que via nos açougues. “Nós somos carcaças em potência”, disse. Em seus retratos e auto-retratos, vemos as infinitas metamorfoses da carne decepada que está ferida e uiva (para nós? Para o próprio Bacon?). A pele rasgada, os vermelhos crus das gengivas e os músculos brilhando, arroxeados, nos auto-retratos dos anos 60 (1967, 1969, 1970). Corrosivos e alaranjados no Auto-Retrato de 1971 e em Três Estudos para um Auto-Retrato (1974), depois misturados com azuis, verdes, cores de carne decomposta em outros Três Estudos para um Auto-Retrato (1983), Estudo para um Auto-Retrato (1973), Auto-Retrato (1975), Três Estudos para um Auto-Retrato (1976, 1979). A partir de 1976, uma máscara pálida tende a apagá-los (Três Estudos para um Auto-Retrato, 1976, 1977 e 1979; os dois Auto-Retratos de 1978). Asas acinzentadas, depois negras, as dominarão em breve nos Estudos para um Auto-Retrato, de 1980 e 1981. A lista de variações é quase infinita... (primeira imagem do artigo, Auto-Retrato, 1969; segunda imagem, Três Estudos para Auo-Retrato, 1976; acima, Auto-Retrato, 1973; ao lado, outro Auto-Retrato de 1973)


“O pintor não pinta sobre
 uma   tela   virgem,   nem   o
escritor   escreve   sobre   uma
página   em  branco;  a  página
ou    a    tela   já   estão   de    tal
modo     cobertas     de    clichês
 preexistentes,  preestabelecidos, 
que  é   preciso   antes   de  tudo
apagar,   limpar,   laminar,    até
mesmo   retalhar,   para   fazer
passar uma corrente de ar do
caos que nos dá a visão” (3)


De acordo com o filósofo Gilles Deleuze e o psicanalista Felix Guattari, Francis Bacon teria sido um dos maiores coloristas desde van Gogh e Gauguin. A carne "dos seus rostos" se constrói a partir de “tons quebrados” de muitas cores. Azuis, vermelhos ou ocre-violeta, que acompanham a contorção da carne, escavam, mutilam e expressam o sangue, enquanto os brancos e outros tons de azul sublinham as deformações. A anatomia explode, além da geometria subversiva do rosto, ela também será sacrificada no processo à golpes de pano desferidos pelo pintor sobre a tela. É assim que Bacon tem amputadas sua testa nos Três Estudos de Retrato (um auto-retrato), de 1969; a metade de sua boca no Auto-Retrato, também de 1969; uma bochecha no Auto-Retrato, de 1976, enquanto a outra está hipertrofiada no Auto-Retrato, de 1973, e no Estudo para um Auto-Retrato, de 1982. Encontramos também queixos fraturados, metades rasgadas de seu rosto, etc. Apesar de tudo isso, pelo menos um elemento do rosto sempre irá se repetir: o cabelo. Joëlle Moulin se questiona sobre o que Francis Bacon estaria desejando mostrar com esses rostos feridos e desfigurados até a monstruosidade. (imagem acima, Auto-Retrato, 1976; ao lado, Auto-Retrato, 1972; imagens abaixo, à esquerda, Três Estudos Para Auto-Retrato, 1979-80; à direita, Auto-Retrato, 1975)


“Bacon quer apenas pintar o rosto tal como o vê, sabendo que na era da fotografia o pintor está livre da obrigação da similaridade. Seu objetivo está em outro lugar. Quer arrancar uma parcela de verdade da fisionomia do modelo. Ora, este é sempre diferente, sempre instável (...). E Bacon deforma, cerca, rasga, risca para melhor apreender esse instante de vida, esse movimento da aparência".




"O que eu quero
fazer  é  deformar a
coisa    e   afastá-la   da
aparência
.    Mas,    nessa deformação, trazê-la de
volta  a  um registro
da a
parência" (4)






Notas:

Leia também:

O Rosto que Temos e Aquele que Vemos (I), (II), (final)
Retrato e Auto-Retrato
O Rosto no Cinema (VII), (VIII), (IX)
Picasso e as Cabeças das Mulheres

1. MOULIN, Joëlle. L’autoportrait au XXe Siècle. Paris: Adam Biro, 1999. P. 95.
2. Idem.
3. DELEUZE, Gilles ; GUATTARI, Felix. Qu’est-ce que la Philosophie?. Paris: Minuit, 1991. P. 192.
4. MOULIN, Joëlle. Op. Cit., p. 96. 


Postagens populares (última semana)

Quadro de Avisos

Salvo quando indicado em algum ponto da página ou do perfil, este blog jamais foi patrocinado por ninguém e não patrocina nada (cursos, palestras, etc.), e jamais "doou" artigos para sites de "ajuda" a estudantes - seja no passado, presente ou futuro. Cuidado, não sejam enganados por ladrões da identidade alheia.

e-mail (no perfil do blog).
....

COMO CITAR ESTE BLOG: clique no título do artigo, verifique o link no alto da tela e escreva depois do nome do autor e do título: DISPONÍVEL EM: http://digite o link da página em questão ACESSO EM: dia/mês/ano

Marcadores

Action Painting Androginia Anorexia Antigo Egito Antonioni Antropologia Antropologia Criminal Aristóteles Armas Arquitetura da Destruição Artaud Arte Arte Degenerada Arte do Corpo Auto-Retrato Balthus Bat Girl Batman Baudrillard Bauhaus Beckmann Beleza Biblioclasta Body Art botox Brecht Bulimia Bullying Buñuel Burguesia Butô Cabelo Carl Jung Carnaval de Veneza Carolee Schneemann Castração Censura Cesare Lombroso Cézanne Chaplin Charles Darwin Charles Le Brun Chicago Cicciolina Ciência Ciência do Concreto Cindy Sherman Cinema Claude Lévi-Strauss Claus Oldenburg Clifford Geertz Clitoridectomia Close up Código Hays Comunismo Corpo Criança Cristianismo Cubismo Cultura Da Vinci Dadaísmo David Le Breton Descartes Desinformação Déspota Oriental Deus Diabo Distopia Erotismo Eugenia Europa Evgen Bavcar Expressionismo Fahrenheit 451 Falocentrismo Família Fascismo Fellini Feminilidade Feminismo Ficção Científica Filme de Horror Fisiognomonia Fluxus Fotografia Francis Bacon Francisco Goya Frankenstein Franz Boas Freud Frida Kahlo Fritz Lang Frobenius Futurismo Games Gaudí Gauguin George Lucas George Maciunas Giacometti Giambattista Della Porta Gilles Deleuze Giuseppe Arcimboldo Goebbels Grécia Griffith Guerra nas Estrelas H.G. Wells Herói Hieronymus Bosch História Hitchcock Hitler Hollywood Holocausto Homossexual HR Giger Idade Média Igreja Imagem Império Romano imprensa Índio Infibulação Informação Inquisição Ioruba Islamismo Jackson Pollock Jan Saudek Janine Antoni Johan Kaspar Lavater Judeu Judeu Süss Kadiwéu kamikaze Konrad Lorenz Koons Ku Klux Klan Kurosawa Le Goff Leni Riefenstahl Livro Loucura Loura Lutero Madonna Magritte Manifesto Antropofágico Maquiagem Marilyn Monroe Marketing Máscaras Masculinidade Masumura Maternidade Matisse Max Ernst Merleau-Ponty Michel Foucault Mídia Militares Minorias Misoginia Mitologia Mizoguchi Morte Muçulmanos Mulher Mulher Gato Mulher Maravilha Mussolini Nascimento de Uma Nação Nazismo Nova Objetividade Nudez O Judeu Eterno O Planeta Proibido O Retrato de Dorian Gray O Show de Truman Olho Orientalismo Orson Welles Orwell Oshima Ozu Palestinos Panóptico Papeis Sexuais Papua Paul Virílio Pênis Perdidos no Espaço Performance Picasso Piercing Pin-Ups plástica Platão Pornografia Primitivismo Privacidade Propaganda Prosopagnosia Protestantismo Psicanálise Publicidade Purgatório Puritanismo Racismo Razão Religião Retrato Richard Wagner Rita Haywood Robert Mapplethorpe Rosto Sadomasoquismo Salvador Dali Sartre Seio Semiótica Sexo Sexualidade Shigeko Kubota Silicone Simone de Beauvoir Sociedade Sociedade de Controle Sociedade Disciplinar Sociedades Primitivas Sprinkle Stanley Kubrick Suicídio Super-Herói Super-Homem Surrealismo Tatuagem Televisão Terrorismo Umberto Eco Vagina van Gogh Viagem a Tóquio Violência Walt Disney Woody Allen Xenofobia Yoko Ono Yves Klein

Minha lista de blogs

Visitantes

Flag Counter
Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-No Derivative Works 3.0 Brasil License.