O Hábito de Zombar e a Patologia Social
Atitudes de chacota, piadinhas e agressões entre pessoas, sejam crianças ou adultos: quando alguém, ou um grupo, ataca moralmente outra pessoa ou grupo com freqüência. Acredito que tal comportamento poderia ser resumido pela frase: desprezar o semelhante é preciso, pensar/sentir não é preciso!
O hábito de zombar dos outros, seja por que motivo for, está se alastrando pela sociedade. Quando se fala de bullying, geralmente se comenta sobre crianças e adolescentes em sala de aula que adotam uma posição arrogante em relação a outras – porque alguém é alto demais, ou baixo demais, ou gordo, ou magro, ou estudioso, ou porque não estuda, ou pela religião, ou racial, ou financeiro etc, etc, etc. Enfim, porque é diferente, e atacar o diferente é preciso! Mas quando isso chega ao comportamento de pessoas adultas a coisa muda de figura. Justamente daqueles que se espera que tenham superado sua fase adolescente, é de onde cada vez mais afloram condutas absolutamente infantis (intolerantes) em relação à vida alheia e à diferença.
Parece que algumas pessoas sentem prazer em fazer tortura psicológica em outras pessoas. Uma tortura que “parece” uma brincadeira. “Estamos apenas zoando fulano”, diriam os praticantes desta distorção de comportamento. Entretanto, entre a gozação e o bullying existe certa distância. Isso não é gozação, é pura intolerância. É como se utilizássemos a pata de um elefante para esmagar uma formiga. É uma atitude desproporcional, essa seria a diferença entre a gozação e o bullying. É a banalização da violência. Será que ela pode ser um dos efeitos colaterais da banalização da vida nos tempos atuais?
A Mé(r)dia da Mídia e o Bullying
Mas qual poderia ser a relação da mídia com tudo isso? Na verdade, aqui e ali (sem citar nomes), podemos assistir a uma série de programas e reportagens jornalísticas na televisão aberta que (talvez) constituam bullying ou o estímulo a ele. Se nos lembrarmos daquilo que se chama de “vídeo cacetadas”, o que temos é a suposição de que vamos rir ao assistir pessoas, e até crianças e idosos, tropeçando e levando tombos que poderiam levar a pernas e braços, ou talvez uma coluna vertebral, quebrados. Portanto, a idéia parece ser “sentir prazer com a desgraça do outro”. A mídia acaba incentivando o bullying ao sugerir que isso é “engraçado”: se alguém levar um tombo na sua frente, a primeira atitude não é correr para ajudar, mas rir ou ficar indiferente. O bullying parece se caracterizar pelo desprezo ao semelhante: quando consideramos alguém como um objeto e não como um ser humano, tratá-lo como coisa fica mais fácil.
Não está longe dessa lógica a notícia de jornal que expõe ao ridículo todos aqueles assaltantes (via de regra pobres) que são apanhados (porque os ricos não são expostos ao ridículo). Eles são mostrados e são feitas perguntas a eles pelos jornalistas como se a tela da televisão fosse uma espécie de “tribunal-vitrine”. A primeira pergunta que se pode fazer é: por que humilhar um bandido na televisão? A resposta é simples: porque dá audiência. O que, exatamente, dá audiência? Assistir alguém ser espezinhado publicamente sem poder reagir. É como se a audiência dependesse do grau de covardia da situação.
A mídia acaba incentivando o bullying ao sugerir que isso é “engraçado” ou é a coisa certa a fazer: quando um grupo de pessoas na rua consegue pegar um ladrão, batem nele e xingam, ao invés de simplesmente entregá-lo a polícia. E naturalmente irão espezinhar alguém que tente defender o direito dos próprios linchadores de receber um pronto atendimento da polícia ao sugerir que fazer justiça com as próprias mãos é não ver que o poder público é totalmente omisso em relação à segurança pública. Desta forma, a horda de linchadores fará inclusive o trabalho sujo da segurança pública ao espezinhar também quem deseja apenas abrir seus olhos.
Uma malhação do Judas que dá audiência, esse tipo de abordagem acaba incentivando (porque funciona como modelo) um comportamento hostil entre as pessoas. Uma chacota que funciona como linchamento moral, podendo levar a reações fatais. Quem sabe, muitos dos homicídios e chacinas sem causa aparente ou classificadas como motivo fútil tenham como origem esse tipo de comportamento, levando a vítima (que acaba transformada em algoz), psicologicamente despreparada, a reagir na única linguagem que conhecem aquelas pessoas que não sabem dialogar – ou que só dialogam para fazer fofoca sobre a vida alheia: por causa de uma chacota fruto de uma fofoca, destroem-se vidas.
A mídia patrocina uma patologia social em nome do lucro fácil. Noticiar a violência não pode se igualar a ela, da mesma forma como a polícia não pode agir com a irresponsabilidade social dos bandidos. Caso contrário, não se saberá mais quem é quem! É como uma pedagogia do ódio. E o que é pior, um ódio mútuo travestido de “brincadeira” e fofoca. Tudo isso, com o consentimento das emissoras de rádio e televisão que veiculam esse tipo de programação. Apesar de todas serem concessões públicas, insistem em pensar apenas no próprio lucro. E o poder público, que deveria disciplinar a situação, mais uma vez é o primeiro a se omitir.
É curiosa a desproporção entre a atenção absurda que a mídia comercial dá a dramas sociais do tipo em que se fazem reféns e a nenhuma cobertura que se dá a casos de suicídio. Por que se noticiam os primeiros à exaustão enquanto nunca vemos nada sobre o segundo? Será que as pessoas não se suicidam? Não devemos mostrar aquilo que acontece na sociedade?
De fato, esta é a questão, existem “formas e formas” de dizer alguma coisa ou de mostrar um fato. Não pretendo “ensinar o padre a rezar missa”, suponho que os profissionais da mídia têm capacidade de perceber os desdobramentos de seus atos e modificá-los caso desejem. Algum deles irá desejar perder audiência só para avisar aos telespectadores que se as coisas continuarem assim todos nós vamos nos transformar em monstros?