O Mundo Surrealista
O Cubismo e o Expressionismo direcionaram sua atenção para as manifestações estéticas africanas, especialmente no que diz respeito às máscaras. O Surrealismo, por sua vez, privilegiou as artes tribais da Oceania e do norte da América do Norte.
No início da década de 40 do século XX, o antropólogo Claude Lévi-Strauss, juntamente com Max Ernst e outros surrealistas, montaram suas coleções particulares de peças indígenas a partir de visitas frequentes aos antiquários de Nova York. Nesse tempo, conta o antropólogo, peças indígenas não despertavam nenhum interesse do público em geral.
No mapa do mundo apresentado pelos surrealistas (1929) (imagem acima), onde o Oceano Pacífico está no centro, a ilha de Páscoa é tão grande quanto a África, e a França se reduz a um ponto. Os Estados Unidos são engolidos pelo Canadá e pelo Alaska, embora os surrealistas reconheçam a contribuição das culturas indígenas do sul da América do Norte (como os Hopi, Pueblo e Anazazi do Arizona). Max Ernst foi muito influenciado pelas culturas indígenas do sul dos Estados Unidos – tanto as remanescentes, confinadas em reservas, quanto as pré-históricas.
A Rússia aparece gigantesca, mas seu tamanho se deveu mais ao interesse político pela revolução comunista do que pelo reconhecimento de algum atributo estético considerado relevante entre os povos primitivos desta vasta região. Na América do Sul, maior relêvo é dado às culturas andinas.
Os Ismos e o Brasil
Antes de ser expulso do Brasil pela polícia de Getúlio Vargas, Benjamin Péret fez alguns estudos sobre o candomblé e o quilombo de palmares, visitou também algumas aldeias indígenas. Contudo, sendo poeta, as análises de Péret não enfatizavam os elementos iconográficos (pelo menos como um artista plástico o faria), mais preocupado que estava em definir o homem primitivo e sua sociedade. Ainda assim, salta aos olhos a dificuldade de acesso (no Brasil) ao material deste que foi um dos fundadores do movimento surrealista (1).
De fato, nos sugere Valentim Facioli, talvez as análises de Péret possam até ser consideradas um presente inesperado. O Surrealismo teve uma presença muito pequena no Brasil, o que contribuiu para um abafamento e ocultamento de suas manifestações por aqui (2).
Os modernistas de São Paulo prestavam mais atenção ao Futurismo (ao lado, Auto-Retrato, de Enrico Prampolini, 1940; coloração invertida pelo autor), ao Cubismo, um pouco de Expressionismo e quase nada de Dadaímo e Surrealismo (3). Em 1924 os modernistas paulistanos experiemtam um divisão interna em seu movimento. Oswald de Andrade lança um manifesto chamado Pau-Brasil. Será criticado por outro grupo surgido dessa divisão, o Verde-Amarelo. De cunho conservador e nacionalista, os verde-amarelos criticavam no movimento de Oswald justamente uma tendência ao Dadaísmo e ao Surrealismo (4).
Em 1926, no Congresso Brasileiro de Regionalismo, o futuro sociólogo Gilberto Freyre, aluno do antropólogo Franz Boas e muito conhecido posteriormente por seu livro Casa Grande e Senzala, defende como genuínos valores nacionais aqueles da província, da região, do município, das pequenas cidades nativas. Na opinião de Gilberto Freyre, olhar nesta direção seria a condição básica para produzirmos obras de arte honestas, autênticas e genuinamente criadoras. O Congresso defendia também a idéia de que o Nordeste seria a alma do Brasil. Em 1926 o Movimento Verde-Amarelo se radicaliza e muda de nome, torna-se o Movimento Anta – tormando esse animal como uma espécie de totem da nacionalidade (5).
Em 1928, Oswald de Andrade radicaliza o Movimento Pau-Brasil e lança do Manifesto Antropofágico (abaixo, O Abaporu, quadro que Tarsila do Amaral pintou em 1928). Na interpretação de Facioli, aqui Oswald se aproxima muito das propostas do Surrealismo, exaltando as forças inconscientes reveladas por Freud e as energias das culturas primitivas e populares. O Manifesto defendia a revolução bolchevista, a revolução surrealista e a revolução caraíba (do indígena). Deveríamos devorar os valores da civilização cristã ocidental para reconstruí-la através de um novo homem, uma espécie de “primitivo tecnizado”. Benjamin Péret, de quem já falamos, conviveu com os “antropófagos” de Oswald de Andrade – embora não tenha chegado a contribuir efetivamente na Revista de Antropofagia (6).
Nacionalismo e Surrealismo no Brasil
Facioli insiste no argumento de que a situação política reinante na década de ’30, onde campeou uma estética nacional-populista, acabou por sufocar o desenvolvimento do Surrealismo. Ainda assim, defende a hipótese de que o movimento não deixou de florescer até hoje no Brasil.
Na verdade, prossegue Facioli, a conclusão de alguns quanto ao fim do Movimento seria desencadeada pela própria visão de mundo surrealista. O Surrealismo não se colocava como uma vanguarda artística e sim como uma prática de vida. O surrealista não se relaciona bem nem com a noção de produzir sua obra para um mercado, nem com a chamada indústria cultural e sua lógica homogeneizante. Nas palavras do poeta português Adolfo Casais Monteiro…
“(…)O surrealismo aparece aos olhos da maior parte da gente, mesmo ilustrada, como uma aberração estética. É que a ação surrealista tem como programa fundamental a necessidade de violentar as máscaras do espírito para pôr o homem face a face consigo mesmo”.
Notas:
1. Quem sabe o motivo seja seu histórico ativismo de esquerda, motivo, aliás, de sua expulsão do Brasil pela polícia de Getúlio Vargas. Portanto, nada teria a ver com suas propostas surrealistas. Na opinião de Facioli, foram as particularidades políticas posteriores à década de ’30 que, cooptando tanto o público quanto os artistas à uma arte nacionalista, condenaram como alienação uma certa atitude cosmopolita predominante entre 1922 e 1930. Havia então uma intenção paradoxal de descoberta e revelação da realidade brasileira, uma vez que alicerçava sua busca em bases conservadoras, procurando criar um vínculo entre os valores das classes dominantes e aquilo que seria o verdadeiro caráter nacional.
2. FACIOLI, Valentim. Modernismo, vanguardas e surrealismo no Brasil In Surrealismo e Novo Mundo. Organização de Robert Ponge, ed. UFRGS, 1999. P. 293.
3. Ibidem., p.298.
4. Faziam parte dos Verde-Amarelos Menotti del Picchia e Plínio Salgado. Este último, na década de ’30, seria o líder de um movimento nos moldes do nazi-fascismo conhecido como Integralismo.
5. PONGE, Robert. Op. Cit., p.302.
6. Ibidem, p. 304.