O que chamou
atenção de Hitchcock
foi o “ultra-realismo”
das imagens de sonho de Dalí, muito diferentes da maneira como o cinema costumava representar estados alterados da percepção
atenção de Hitchcock
foi o “ultra-realismo”
das imagens de sonho de Dalí, muito diferentes da maneira como o cinema costumava representar estados alterados da percepção
A premissa de Quando Fala o Coração (Spellbound, 1945) afirma que uma experiência reprimida gera neurose. Embora na opinião de Sarah Cochran esta pareça uma abordagem datada, na época foi suficiente para levar o longa-metragem a receber uma indicação de melhor filme no Oscar de 1946 (1) – mas ganhou na categoria trilha sonora. David O. Selznick, o produtor de Alfred Hitchcock e de Quando Fala o Coração, era ele próprio um psicanalisado e contratou um terapeuta como consultor técnico. O caráter “científico” da obra foi bastante promovido pela propaganda, como se pode ver inclusive na abertura do filme: “Nossa história é sobre a psicanálise, o método pelo qual a ciência moderna trata os problemas emocionais (...)”. Quando Fala o Coração foi o primeiro mergulho de Hitchcock sobre as repercussões neuróticas ou psicóticas de um choque psicológico, tema que voltaria a inspirá-lo em Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), Psicose (Psycho, 1960) e Marnie, Confissões de Uma Ladra (Marnie, 1964). Chamou muito a atenção de Hitchcock o fato de que os sonhos pintados por Dalí forçariam uma mudança da forma como o cinema representava os sonhos – com imagens borradas ou fora de foco.
Hitchcock desejava até mesmo filmar ao ar livre, como eram as imagens da maioria dos quadros de Dalí. Mas seu produtor cortou os custos e tudo seria feito em estúdio, mesmo as seqüências de sonhos tiveram seu número reduzido. A cena do homem cortando um olho com uma tesoura certamente é um citação de Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, direção Luis Buñuel e Salvador Dalí, 1929). Mas ao contrário do que possa parecer, esta cena já estava no roteiro antes do envolvimento de Dalí na produção. Sua maior contribuição, de acordo com Cochran, foi a criação da atmosfera inquietante da seqüência do pesadelo. Depois do trabalho terminado, Selznick se preparou para montar o filme quando percebeu que problemas com a iluminação e outras questões técnicas implicariam na remontagem da seqüência do sonho – sem a participação de Dalí. No final, os créditos do filmes se referem à seqüência como “baseada nos desenhos de Salvador Dalí”. (as três imagens do artigo são de Quando Fala o Coração)
Para uma fábrica de
sonhos, Hollywood tinha
dificuldade em lidar com
a arte de Dalí. Embora ele
fosse bem realista em
relação a dinheiro
Foi o próprio Hitchcock que desejou trabalhar com Dalí. Embora Selznick acreditasse que era por causa do nome do famoso surrealista, Hitchcock explicou que gostava da maneira como Dalí desenhava os sonhos, com longas perspectivas e sombras negras. Selznick reclamou da exigência de Dalí para ficar com a propriedade de todo o material que ele produzisse. Mas só até depois de saber que o artista catalão já havia feito o mesmo tipo de contrato com a rival Twentieth Century Fox, para a seqüência de pesadelo em Brumas (Moontide, direção Archie Mayo e Fritz Lang [não creditado], 1941) – embora o estúdio tenha desistido de utilizar o trabalho de Dalí. Outra questão foi o quanto Selznick estava disposto a gastar, o pagamento proposto inicialmente estava muito abaixo do valor do nome de Dalí na época. Mas eles sabiam muito bem que o nome de Dalí era boa propaganda, mesmo que o problema com Brumas fossem os questionamentos a respeito da posição política do artista durante – a Segunda Guerra estava em curso e Dalí era visto como um simpatizante do Fascismo, o que levou Hollywood e repensar seu interesse pelo artista (2). Mas tudo que parecia interessar Selznick era que Dalí havia sido capa da revista Life.
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O Silêncio de Jacques Tati
Notas:
1. COCHRAN, Sarah. Spellbound In GALE, Matthew (ed.). Dalí & Film. London: Tate Publishing, 2007. Pp. 174-185. Catálogo de exposição.
2. FORT, Ilene Susan. Moontide In GALE, Matthew (ed.). Op. Cit., p. 172.
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Notas:
1. COCHRAN, Sarah. Spellbound In GALE, Matthew (ed.). Dalí & Film. London: Tate Publishing, 2007. Pp. 174-185. Catálogo de exposição.
2. FORT, Ilene Susan. Moontide In GALE, Matthew (ed.). Op. Cit., p. 172.