Algumas pessoas
acreditam que para
conhecer o espírito
norte-americano
temos que assistir
filmes de faroeste...
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Quando Dois Mais Dois é Igual a Cinco
Algumas pessoas acreditam que, indiretamente, monstros, répteis e aliens nas telas da televisão e do cinema seriam projeções da sexualidade humana. São estes monstros que o puritanismo pretende manter fora dos corpos. A sexualidade feminina dos monstros não estaria num erotismo vulgar, mas na figura de um negativo. Na opinião de Alexandre Hougron, eliminar monstros e alienígenas dos filmes de ficção científica e horror equivalem a uma castração. O protestante puritano norte-americano só poderá deixar ver o monstro (da sexualidade) em função da maternidade. Desta forma, sua mulher jovem e loura continuará casta – a concepção a purificará. A loura constitui um arquétipo de “pureza puritana” e de virgindade (1). Mas em Alien, o Oitavo Passageiro (Alien, 1979), nossa heroína é morena! O que isso poderia significar? Bem, talvez a opção pela morena se possa explicar pelos filmes da seqüência: ela acaba virando a mãe de um dos monstros-moluscos-gosmentos. Não esqueçamos que no primeiro filme temos uma loura. É a astronauta Lambert, que tem um temperamento passivo e hesitante. Medrosa, ela corresponde ao estereótipo puritano da loura: não serve para agir, somente para reproduzir. Morrerá, sugestivamente, com a penetração do tentáculo do monstro entre as pernas – sendo punida com a morte por permitir uma penetração cujo objetivo não é reprodução. (imagem acima, o monstro faz mais uma vítima na tubulação de ar, um lugar que se assemelha a um canal vaginal; abaixo, à direita, as entradas na vane alienígena lembram vaginas)
Feministas
norte-americanas
identificam a criatura de
Alien com a mulher-ogro
castradora dos mitos
arcaicos (2)
norte-americanas
identificam a criatura de
Alien com a mulher-ogro
castradora dos mitos
arcaicos (2)
Outra categoria sexual da ficção científica são os aliens moluscos. São bissexuais ou tem um sexo indistinto, encarnando pulsões ambivalentes. Feministas americanas identificam a criatura de Alien com a mulher – castradora dos mitos arcaicos. Todas essas leituras nos levam a uma construção de natureza histérica, fruto de um simbolismo cristão (3). Hougron tem uma opinião negativa inclusive em relação ao próprio H.R. Giger. Criador do monstro, Giger estaria demonstrando com seus desenhos de pesadelo e penetrações monstruosas como somos marcados pelos códigos morais dos quais queremos supostamente nos libertar: o sexo em suas ilustrações é simultaneamente infernal, patológico e insalubre. Ou melhor, Giger reintroduz o universo puritano ainda que pareça romper com ele ao desenhar o interdito. A questão é que o interdito não é o oposto, mas parte integrante da histeria puritana. Aliens-moluscos geralmente estão aparelhados com tentáculos. Às vezes esses tentáculos são inseridos entre as pernas (no ânus?) de suas vítimas humanas, outras vezes vão direto perfurar o estômago delas. Muitas vezes os tentáculos extraem substâncias do corpo da vítima, outras vezes injetam. Analogia entre tentáculo-falo, esperma-implante ou esperma-substância alienígena, são recorrentes na ficção científica.
Em Alien, um astronauta aproxima o rosto de um ovo alienígena. O ovo se abre como uma vagina e “ejacula” uma criatura que lembra um caranguejo, ela se prende ao rosto do astronauta enfiando um tentáculo fálico por sua boca – daí a criatura injeta um filhote no corpo do hospedeiro (acima, à esquerda). Esta “injeção nojenta” faz lembrar uma felação - prática sexual que é punida pela lei em alguns estados americanos, mesmo quando praticada por casal legítimo. Mais tarde, esse falo que entrou pela boca sai pela barriga. Como uma simulação de parto, onde o astronauta perde a vida, vemos pular um pequeno monstro em forma de lagarto-cobra, que será ejetado do ventre quente e sangrado do homem como um pênis em ereção. Já adulto, o monstro segue matando todos os astronautas. Em certo momento, a astronauta Lambert encara o monstro. Nós, espectadores, vemos apenas um tentáculo se encaminhar por entre as pernas dela e subir. Ouvimos então seus gritos (de dor ou de prazer?). Na seqüência final, a heroína morena enfrentará o monstro (4). Quando finalmente se descobre que tudo foi um complô (usar a nave espacial para trazer a criatura para a Terra), já é tarde demais. Descobre-se também que o cientista da tripulação era um robô e sua missão era justamente essa. Os três astronautas restantes conseguem dominar e destruir o robô. Então perguntam a ele como destruir o monstro, e o robô afirma que isso é impossível. E completa:
Robô - “Ainda não entende com o que está lidando. Um organismo perfeito. A perfeição de sua
estrutura só é igualada por sua hostilidade”.
Lambert – “Você o admira”.
Robô – “Admiro a sua pureza. Um sobrevivente desprovido de consciência, remorso ou ilusões
de moralidade”.
estrutura só é igualada por sua hostilidade”.
Lambert – “Você o admira”.
Robô – “Admiro a sua pureza. Um sobrevivente desprovido de consciência, remorso ou ilusões
de moralidade”.
Notas:
Leia também:
As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
Tarkovski e o Planeta Água
Puritanismo e Ficção Científica (I), (II), (final)
1. HOUGRON, Alexandre. Science-Fiction et Société. Paris: PUF. 2000. Pp. 130-2.
2. Idem, p. 138.
3. Ibidem, p. 137.
4. Ibidem, pp. 136-7.