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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

20 de mar. de 2012

Roma de Mussolini




“Hoje em Roma,
para cada lugar que
alguém encontra o nome
de Mussolini raspado de
uma placa ou coluna
,
existe um outro que
permanece
(...)(1)



Repagina
ndo o Eterno

Durante boa parte dos seus vinte anos no poder, Benito Mussolini empreendeu uma interferência urbanística profunda na capital da Itália. Il Duce pretendia reconstruir a cidade à sua própria imagem como o ponto central de sua “revolução fascista”. Às muitas camadas de história entranhadas nas paredes dos prédios e monumentos em Roma, Antiguidade, Idade Média, Renascença e Barroco, deveriam juntar mais uma: o período fascista. Muitos foram os prédios medievais postos abaixo pelo sventramento, nome pelo qual ficou conhecida a intervenção fascista em Roma. Como resultado, muitos dos monumentos que podemos ver e visitar hoje em dia foram redescobertos, e várias avenidas foram abertas. De fato, segundo Borden Painter, a cidade carrega uma marca fascista que mudou a forma como nós olhamos para ela atualmente. Fora do centro histórico, destacam-se áreas inteiras ou “cidades” construídas pelos fascistas: Foro Mussolini (hoje Foro Itálico), a cidade para esportes e educação física, a Cidade Universitária de Roma, o bairro EUR e a famosa Cinecittà. Com o final da guerra, procurou-se apagar o legado arquitetônico fascista, mas o pouco que se conseguiu foi retirar e derrubar algumas placas e estátuas de Mussolini. Passadas muitas décadas de negação dos fatos, hoje se admite que a Cidade Eterna foi transformada pelo Fascismo (2). (imagem acima, Mussolini no Stadio dei Marmi em 1939; inalgurado em 1932, e ostentando sessenta estátuas vindas de sessenta cidades italianas, ele se parece muito com o estádios usado pelos abastados da elite rica em Metropolis, o famoso filme mudo realizado pelo alemão Fritz Lang, em 1927)



“A definição que
o Fascismo dá de si

mesmo e de sua função
histórica é vista mais
claramente em Roma
do que em qualquer
outro lu
gar” (3)



Em 1938, Il Duce realizou uma visita triunfal a vários canteiros de obras da cidade. Dentre eles estava a larga e nova Via del Mare que, fazendo a ligação entre a Piazza Venezia e o Circus Maximus, expusera construções antigas como o Teatro de Marcellus, o Arco de Janus e os templos de Vesta e Fortuna Virilis. Os arquitetos que serviam a Mussolini haviam removido prédios e barracos do Circus Maximus vários anos antes e o transformaram no local de exibições e demonstrações fascistas. Logo ali, o edifício África ficava próximo ao obelisco de Axum, trazido da Etiópia como um símbolo do império fascista (a partir de 2005 ele seria devolvido). Atualmente, o prédio abriga a Organização das Nações unidas para Comida e Agricultura (FAO). A Via del Mare agora se chama Via del Teatro di Marcello, mas a rua fascista continua lá, assim como os edifícios fascistas que a ladeiam. O complexo de esportes conhecido como Foro Mussolini se tornou o Foro Itálico, mas o obelisco com o nome de Mussolini continua lá, assim como os mosaicos fascistas, placas comemorativas e edifícios da década de 30. A Viale Adolfo Hitler mudou de nome para Viale delle Cave Ardeatine e comemoração as vítimas da ocupação nazista da Itália. De acordo com o historiador da arquitetura Spiro Kostof, não é possível erradicar o legado de Mussolini à cidade Eterna. Por toda Roma encontram-se ruas, estádios, estações de trem, escolas, correios, complexos de apartamentos e estruturas de todo tipo construídos durante o período fascista. Fora da cidade, mas incluído no projeto urbano de Roma, os pântanos Pontine foram drenados. Na terra ganha foram fundadas cinco cidades na década de 30: Littoria (atual Latina), Sabaudia, Pomezia, Pontinia e Aprilia. (imagem acima, à direita, os Mercados de Trajano ao centro, no canto direito, parte do monumento a Vitorio Emmanuel; entre eles, a Via dei Fori Imperiali)



Antes de se tornar
um fascista, Mussolini
achava que Roma era um
parasita. Com o tempo, ele
compreendeu a importância
dessa cidade na construção
de uma ideologia que
unisse o passado e
o presente
(4)



O regime fascista ofereceu certo número de razões como justificativa para promover as mudanças da paisagem urbana de Roma. Eliminar edifícios velhos e muitas vezes decrépitos abriria espaço em torno de sítios imperiais antigos, como o Teatro de Marcellus, para exibição, deixando orgulhosos aos italianos e inspirados e estupefatos aos turistas. O espaço ganho permitiria a construção de novas e mais largas avenidas para receber mais tráfego. As moradias derrubadas, habitualmente caracterizadas pelo regime como favelas insalubres, levariam a uma Roma mais saudável. O governo mudaria os moradores para novas áreas fora do centro da cidade (conjuntos habitacionais, as borgate), onde passariam a viver em melhores condições (mas isso também poderia ser usado para controlar os trabalhadores, especialmente aqueles com tendências antifascistas). Quando a guerra chegou ao território italiano em 1943, fazia anos que a cidade era um grande canteiro de obras. Alguns projetos interrompidos só seriam retomados e terminados uns vinte anos depois, como foi o caso do bairro EUR (abreviatura de Esposizione Universale di Roma, 1942). Planejado para tornar-se um retrato da Roma moderna, foi concluído na década de 60 com, mesclando prédios oficiais, de empresas e apartamentos de classe média. É provável que sua aparição mais famosa nas telas do cinema italiano tenha sido em O Eclipse (L’eclisse, 1962), realizado por Michelangelo Antonioni. (imagem acima, à esquerda)




O único aspecto
geralmente lembrado
são os conjuntos habitacionais
problemáticos afastados do centro
da cidade, destino dos moradores
de baixa renda retirados
dos cortiços




A materialização dos projetos começou em 1920, os projetos do Largo Argentina e da abertura da Via del Mare ao lado do Capitoline deixariam uma marca do Fascismo nas áreas históricas. A construção de uma “cidade do esporte”, o Foro Mussolini, representou algo totalmente novo e totalmente dentro da estética fascista. O caso do Largo Argentina é bastante ilustrativo para se compreender até onde vai a desinformação a respeito do projetor urbanístico de Mussolini. Os trabalhos começaram em 1926 ele foi aberto ao público em 21 de abril, dia tradicional do “aniversário” de Roma. Os planos de intervenção naquela área são anteriores ao regime fascista, mas somente em 1926 o desejo de demolir os prédios se materializou. Em 1925, o entorno era uma bagunça de vielas e moradias em péssimo estado de conservação – a confusão seria um legado da desordem urbanística que se seguiu a 1870, quando a Itália conseguiu se tornar um país unificado. A destruição de uma construção do século XVI, a igreja de San Nicola ai Cesarini, revelou o primeiro de quatro templos antigos. Comunicado sobre o fato, o Duce compareceu ao local em 1928 e ordenou a suspensão das demolições: “eu iria me sentir desonrado se permitisse que uma nova estrutura subisse aqui um metro que fosse” (5). Atualmente, as ruínas são visíveis abaixo do nível da rua. Em 1968, Bernardo Bertolucci filmou algumas seqüências de Partner (última imagem do artigo) nos Mercati Traianei (Mercados de Trajano, outro sítio histórico que Mussolini decidiu não destruir), que também são localizados abaixo do nível da rua - defronte ao Monumento a Vitorio Emmanuel (Vitoriano, o “altar da pátria”), que Mussolini não começou, mas ajudou a terminar em 1935; entre os dois, a Via del Impero (atualmente Via dei Fuori Imperiali), que começa no Coliseu e termina na Piazza Venezia, avenida onde Mussolini realizava muitos desfiles militares. (imagem acima, à direita, a borgata de Tiburtino III; abaixo, à esquerda, Os Vencidos {I Vinti, direção Michelangelo Antonioni, 1953}, mostrando o estádio construído por Mussolini a partir das casas dos ricos em Parioli, do outro lado do estádio havia uma favela)


Parioli é um bairro
com apartamentos de
luxo e estádios desde os
anos 30
. Em OsVencidos,
Antonioni teria mostrado
a favela que surgiu bem
em frente
, nos 50, mas
a censura vetou


O regime fascista patrocinava uma revista de turismo escrita em inglês chamada Travel in Italy (Viagem na Itália). Romano de nascimento, em 1954 o cineasta Roberto Rossellini realizou um filme chamado Viagem à Itália (Viaggio in Italia). Especialmente se, ao assistirmos ao filme, descobrimos tratar-se de um casal inglês que vai passar um tempo na casa de um parente em Nápoles (e não em Roma). Não há notícia de que os especialistas em cinema italiano tenham estabelecido alguma conexão entre os dois títulos, mesmo que a guisa de anedota. Os compêndios de cinema costumam festejar um filme de Rossellini realizado alguns anos antes, em 1945, Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta). Alguns vão além e incluem o filme numa trilogia que caracterizam como antifascista. Mas apenas poucos se lembram que o mesmo Rossellini realizou uma outra trilogia, desta vez fascista, quando trabalhava financiado por Mussolini e seu filho Vittorio. Em tempo, Mussolini, que se auto proclamou cidadão romano, nasceu na região de Forlì, ao sul de Veneza. Em Roma, se mudou do palácio Chigi para o Palácio Venezia, diante da Piazza Venezia (praticamente no centro geográfico da “Roma de Mussolini”), onde a massa se reunia para ouvi-lo. Il Duce seria derrubado em 1943 quando da invasão das tropas aliadas na Itália, ele ainda fundaria uma “república de Salò” de curta vida ao norte do país com a ajuda de Hitler. Em 1945 o fim era inevitável, Mussolini foi morto e seu corpo pendurado em praça pública. Seria apenas uma coincidência que isso tenha ocorrido na cidade de Milão e não em Roma?


(...) Bem ou mal,
a Roma de ho
je não
é apenas a cidade dos
imperadores romanos
,
papas Católicos e reis
italianos
. É também a
‘Roma de Mussolini’”
(6)

Antonioni e a Trilogia da Incomunicabilidade (IV)
Rossellini e Sua Europa (I)
Blow-Up: Antonioni e a Ficção da Realidade

1. PAINTER, Borden W. Mussolini’s Rome. Rebuilding the Eternal City. New York: Palgrave Macmillan, 2005. P. 153.
2. Idem, pp. vii, xv, xvi, 2, 3, 6, 7, 8, 155.
3. Ibidem, p. xv.
4. Ibidem, p. 2.
5. Ibidem, 8.
6. Ibidem, p. xix.

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