A Guerra dos Seios nas Histórias em Quadrinhos
Existe um ponto onde se encontram “peitões de silicone”, “peitões de papel” e os “tigres de papel”. Chamo de peitões de papel aos mamilos das heroínas de histórias em quadrinhos que, principalmente a partir das vésperas da Segunda Guerra Mundial, começam a povoar os olhos, corações e mentes dos garotos e garotas (na América do Norte) e os soldados (norte-)americanos nos campos de batalha. Tigres de papel era como os chineses se referiam aos (norte-)americanos. (ao lado esquerdo, a Bat Girl na versão para tv na década de 60 do século 20; do lado direito, sua rival, a Mulher Gato também na da década de 60 na versão para tv)
Entre dezembro de 1941 e janeiro de 1942, poucas semanas antes da América (do Note) entrar oficialmente na Segunda Guerra Mundial, a indústria dos quadrinhos apresenta a Mulher Maravilha aos garotos americanos; e também para as garotas e mulheres, que tiveram que assumir a casa e o trabalho nas fábricas. Ela vivia numa ilha perdida com um monte de amazonas com poderes mágicos e imortais – o que significa que elas não precisavam de homens para se reproduzir. Então um piloto americano cai ali e a rainha manda a própria filha com ele para o mundo exterior para “lutar pela América, a última cidadela da democracia, e dos direitos iguais para mulheres” (1). A própria rainha desenha a roupinha da filha, que vem a ser um biquíni (da época) com as cores e estrelas da bandeira (norte) Americana. Tempos depois, lá pela década de ’70, a heroína ressurge na televisão. Em 1976, “a mulher” aparece tentando reabilitar sua inimiga, uma espiã nazista (2).
A Mulher Maravilha compartilha com Batman e Super-Homem a distinção de manter uma publicação por mais de 50 anos. Ela foi a primeira mulher e objeto da cultura de massas que batia e subjugava os homens além de ser mais honesta que eles. Com o fim da guerra as vendas caíram, pois com a volta dos seus homens e maridos, as mulheres foram forçadas a voltar para a cozinha. Curiosamente (ou não), seu criador foi um psicólogo, um crítico das histórias em quadrinhos e inventor do detector de mentiras, que acabou sendo menos efetivo nos americanos do que o personagem que criou – seu precursor parece ter surtido mais efeito, a Mulher Maravilha (imagem do lado esquerdo, na versão da década de 90 do século 20; ao lado direito, a versão para televisão na década de 60) possuía uma corda mágica que fazia qualquer um dizer a verdade quando estava envolto em seu laço. Além disso, também escrevia livros de auto-ajuda como “A Arte do Casamento”. Depois de ler o artigo do psicólogo contra os quadrinhos, um dos executivos dessas revistas consegue contratá-lo, com o suposto objetivo de tornar as estórias mais benéficas do ponto de vista psicológico. William Moulton Marston, o psicólogo, afirmou “parecia a mim, de um ponto de vista psicológico, que a pior ofensa dos quadrinhos era sua masculinidade aterrorizante. Um herói homem, na melhor das hipóteses, não possui as qualidades de amor maternal e ternura que são tão essenciais para a criança como o sopro da vida”.
Ele pretendia desenvolver uma personagem que fosse “terna, submissa, amante da paz como são as boas mulheres”, uma que tivesse “a força de um Super-Homem além de toda a sedução de uma boa e maravilhosa mulher”. Marston acreditava que o fato dos consumidores de quadrinhos serem predominantemente de homens não seria problema. Como ele disse, “apresente uma mulher sedutora mais forte que eles e ficarão orgulhosos em tornarem-se seus escravos!” (3). Além de misturar feminismo e patriotismo, a Mulher Maravilha tinha o principal: peitões e um decote bem pronunciado. E isso parece mesmo fazer diferença, tanto é que tentaram modernizar o visual da heroína em 1968, mas as vendas despencaram e a coisa não durou mais que 25 números da revista. Outra super-heroína e boazinha que não durou muito foi a Bat Girl que, apesar de peitos empinados, era muito menos interessante que a vilã e também peituda Mulher Gato. Ao contrário daquela do seriado de tv da década de 60, uma nova versão com Michelle Pfeiffer (acima, do lado esquerdo) já não tinha seios fartos. Depois veio a versão com a afro-americana e meio branca Halle Berry (acima, do lado direito), com cabelos curtos, mas peituda novamente. Nos primórdios, a Mulher Gato praticava atos ilícitos apenas por diversão, na versão com Michelle ficou implícito que foi o chauvinismo masculino que a empurrou para uma vida fora da lei. Outro traço de personalidade que não costuma ser questionado em seus desdobramentos psicológicos (ou psicóticos) é o fato de que, como tantos outros super-heróis, estas heroínas têm dupla personalidade, pois se fantasiam de “gente normal” enquanto não estão em ação; o que não acontecem com vilãs como a Mulher Gato, que é ela mesma o tempo todo.
O Seio Empinado e o Soldado (Norte-)Americano
Uma curiosa associação entre seio (o doador do leite da vida) e morte foi inaugurada por nossos irmãos do berço da democracia no Novo Mundo. Durante a Segunda Guerra Mundial, os bombardeiros americanos pintavam mascotes em sua fuselagem para dar sorte. Na verdade, enquanto os nazistas estavam vencendo, só era permitido que se escrevessem frases (já que desenhos poderiam facilitar a visualização dos aviões), que podiam variar desde mensagens afetuosas (dirigidas a mulheres e não ao inimigo) até libelos do politicamente incorreto. Os tais desenhos também variavam em função de temas, de personagens de desenho animado, passando por charges depreciativas ao inimigo e… mulheres sedutoras. E os seios estavam lá, bem visíveis, para que os inimigos pudessem ver, com seus próprios olhos e antes de morrer, a ilibada e elevada moral do combatente (norte-)americano. Como paredes de borracharias voadoras, os aviadores copiavam os desenhos e fotos de pin-ups da época, para tornar as viagens mais agradáveis e garantir aos outros pilotos que ali naquele avião só tinha macho.
Nuas por inteiro ou até a cintura, essas figuras seriam um eco daquelas nas proas dos veleiros de outros tempos. Revistas de mulheres nuas eram mandadas sem despesa ao campo de batalha para “levantar o moral” do soldado americano. Entre 1942 e 1945, foram enviados seis milhões de cópias da revista Esquire, com as pin-ups criadas pelo mítico desenhista (de mulheres-objeto em poses sensuais) Alberto Vargas (4). Vargas girl: pouca roupa, seios empinados, pernas longas. Criada em 1942, a revista Yank não era de graça, custava uns cinco centavos aos soldados. Nessa revista, as mulheres eram mais parecidas com uma vizinha comum, mas também havia as maliciosas de seios grandes quase pulando das blusas que estavam quase caindo dos ombros. Muitas atrizes de Hollywood também eram eleitas como “bonecas de papel” pelos soldados, Jane Russel e Linda Darnell tiveram um grande impulso em suas carreiras seguindo este caminho. Muitos daqueles seios de Hollywood que iam para a guerra eram falsos, preenchidos com espuma no sutiã. Acho que a moda pegou aqui em nossas praias.
E por falar em praia, imaginem a cena, milhões de soldados desembarcam nas praias da Normandia, “arrombando” a Europa dominada pelos nazistas. Em suas mãos armas, em suas mochilas honradez, justiça, alimentos para os famintos, enfim, liberdade. Vamos tentar novamente, em suas mãos armas, em suas mochilas revistas de mulher pelada! Naquele filme famoso, O Resgate do Soldado Ryan (1998) (do famoso bom moço e diretor de cinema Steven Spielberg), faltou esse detalhe. Imagine aquela cena do desembarque, famosa por seu realismo: soldados sendo explodidos e pedaços de corpos por todo lado, a água vermelha de sangue e, espalhadas nesse cenário muitas, muitas revistas de mulher pelada. Será que se os soldados não tivessem as revistas de mulher pelada poderiam perder a guerra? É a moral deles que era levantada com essas revistas? O que talvez os soldados preferissem não lembrar é que suas esposas em casa poderiam também ter dificuldades em manter a abstinência sexual (ou o moral baixo, como os militares americanos preferiam referir-se em relação à “seus homens”). Então, mesmo que estivéssemos do lado do mundo livre (como os americanos gostam de se auto-intitular), tudo ia depender da quantidade de pornografia (leve é verdade) disponível para que eles concordassem em continuar morrendo em nome de um sistema financeiro? Bem, aqui no Brasil já temos a pornografia, só está faltando entender como ela se articula com a moral…
“O que viria a ser chamado o seio fetiche americano dos anos da guerra e do pós-guerra correspondia aos mais baixos [ou básicos] desejos psicológicos. Ao nível mais simples, os seios são sinais biológicos de diferença sexual que podem ser realçados de acordo com o momento histórico. A Segunda Grande Guerra foi um desses momentos. Os homens em combate no ultramar viam o peito feminino como uma lembrança dos valores que a guerra destrói: amor, intimidade, alimento. As funções maternal e erótica do seio ganharam um sentido acrescentado para uma geração inteira de soldados durante a guerra e muito depois dela, quando eles regressaram à ‘normalidade’”. (5)
Um seio é apenas um seio?
Notas:
1. DANIEL, Les. DC Comics: sixty years of the world´s favorite comic book heroes. New York: Bullfinch Press. 1995. P. 60.
2. Idem, p. 170.
3. Ibidem, p. 58
4. YALOM, Marilyn. História do Seio. Tradução Maria Augusta Júdice. Lisboa: Teorema, 1998. p. 167.
5. Idem, p. 169.
“O que viria a ser chamado o seio fetiche americano dos anos da guerra e do pós-guerra correspondia aos mais baixos [ou básicos] desejos psicológicos. Ao nível mais simples, os seios são sinais biológicos de diferença sexual que podem ser realçados de acordo com o momento histórico. A Segunda Grande Guerra foi um desses momentos. Os homens em combate no ultramar viam o peito feminino como uma lembrança dos valores que a guerra destrói: amor, intimidade, alimento. As funções maternal e erótica do seio ganharam um sentido acrescentado para uma geração inteira de soldados durante a guerra e muito depois dela, quando eles regressaram à ‘normalidade’”. (5)
Um seio é apenas um seio?
Notas:
1. DANIEL, Les. DC Comics: sixty years of the world´s favorite comic book heroes. New York: Bullfinch Press. 1995. P. 60.
2. Idem, p. 170.
3. Ibidem, p. 58
4. YALOM, Marilyn. História do Seio. Tradução Maria Augusta Júdice. Lisboa: Teorema, 1998. p. 167.
5. Idem, p. 169.