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Roberto Acioli de Oliveira

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7 de jan. de 2011

Todas as Cabeças de Arcimboldo (I)





Desvalorizadas por muitos
ao longo de toda história da arte

como um
divertimento banal, as “cabeças compostas” valorizam tudo aquilo que em sua Retórica um dia Aristóteles chamou de “erros”

Gustav René Hocke (1)





Chargista Polític
o e Místico?

Alguns historiadores da arte classificaram Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) (imagem acima) como um pintor Maneirista, escola artística que sucedeu ao primeiro Renascimento na Itália, França, Viena e Praga. Em forma e conteúdo, geralmente as obras Maneiristas são complexas. Esses pintores desenvolveram um interesse pela Grécia Clássica e Roma de forma problemática e ultra-acadêmica. A idéia era envolver o espectador, espantá-lo e levá-lo ao engano. Portanto pareceria legítimo enquadrar Arcimboldo nesta escola, embora outros historiadores da arte o classifiquem de forma exatamente inversa, como um anti-Maneirista. Seus quadros fizeram muito sucesso na corte dos Habsburgos em Viena. Desde então, muita coisa foi feita a partir das idéias de Arcimboldo. Uma das técnicas que ele desenvolveu é a que podemos ver em O Horticultor (1590), onde uma vasilha com frutas e vegetais se transforma num rosto humano ao ser invertida. Do homem Arcimboldo também se conhece muito pouco, e talvez também não venhamos a descobrir muito sobre sua obra maior, a série das Estações (1573) e dos Elementos (1566). Pontus Hulten divide, grosso modo, a obra de Arcimboldo em três interpretações possíveis. Primeiramente, como uma curiosidade engraçada. Em segundo lugar, como uma alegoria do Império dos Habsburgos e da ciência do século XVI. Em terceiro lugar, como uma afirmação metafísica, uma nova visão do homem (2).



O imperador
Maximiliano nutria um
interesse
pelo ocultismo. Talvez
o
Verão, de Arcimboldo, seja
baseado nas profecias de

Nostradamus (3)





Alterações no rosto humano geralmente carregam uma carga de humorismo. As cabeças compostas de Arcimboldo, Hulten sugere, perecem ser realizadas sem esforço algum, uma desestruturação e recomposição dos traços fisionômicos que irradia uma espécie de ironia. Em Água, que talvez represente a imperatriz dos Habsburgos, a boca é a de uma espécie de tubarão pequeno e não muito perigoso. Neste caso, por exemplo, a veia humorística poderia levar a conseqüências bastante sérias. Provavelmente, afirma Hulten, a pequena e afastada corte vienense dos Habsburgos favorecesse a criação dessas cabeças compostas mais do que as cortes das grandes cidades, como Paris ou Florença. Arcimboldo servia ao Império Habsburgo, e para alguns suas cabeças compostas seguramente representavam a vida daquela corte. O pintor este ao serviço de três imperadores: Ferdinando I, Maximiliano II e Rodolfo II. As Estações e os Elementos talvez tracem um paralelo entre o universo natural e a liderança política e espiritual que deveria levar adiante no mundo o Sacro Império Romano Habsburgo. Como as estações e os elementos, os Habsburgos são onipotentes, onipresentes e serão eternos – ao que parece, esse tipo de megalomania é recorrente ao longo da minúscula história dos seres humanos. (imagem acima, à direta, Verão)




Rodolfo II

foi representado por
Arcimboldo como Vertuno
,
misterioso deus Etrusco
e Romano
(4)








Primavera
, Verão, Outono e Inverno, representariam os adolescentes, os jovens, os homens adultos e os anciãos da casa dos Habsburgos. O fato de que geralmente os retratos só mostram a cabeça (ou no máximo descem até a cintura) está em consonância com a hipótese simbólica de que a cabeça governa o corpo, assim como o príncipe (a cabeça do governo) governa seus vassalos. No Inverno, o manto porta um atiçador como brasão, a Sociedade da Ordem do Velo de Ouro, a ordem a qual pertenciam os Habsburgos. Os quatro lados formam a letra M, inicial de Maximiliano. Os Romanos, esses fundadores do Império Romano, consideravam o inverno o início do ano, caput anni – a cabeça do ano. Portanto, era a melhor estação para representar o imperador. Assim como o inverno era a cabeça do ano, Maximiliano era a cabeça do mundo, caput mundi – a cabeça do mundo. O Bibliotecário é o retrato de Wolfgang Lazius, literato e antiquário, importante membro do circulo intelectual em torno do imperador. O Advogado (ou Calvino, como foi erroneamente identificado, não datado), é o retrato de Johan Ulrich Zazius, administrador encarregado das finanças do império. Uma última pergunta se faz Hulten a propósito das “cabeças de Arcimboldo”, por que estão sempre de boca aberta? (5) (imagem acima, à esquerda, Vertuno, ca. 1590; abaixo, à direita, Flora, ca. 1591)





“A pedido do imperador
,
o artista repetiu as séries
As Quatro Estações e os Elementos
com bastante freqüência”


Werner Kriegeskorte (6)







Roland Barthes sugeriu que às vezes as cabeças compostas podem parecer monstruosas, ou, pelo menos, causa certo mal-estar. Barthes conta que o século em que viveu Arcimboldo considerava o monstro uma coisa maravilhosa. Os Habsburgos possuíam galerias de arte e curiosidade onde guardavam bizarrias: acidentes naturais, efígies de anões, de gigantes, de homens e mulheres cabeludos. A “maravilha” ou o monstro, é aquilo que transgride os reinos, é a metamorfose e a transmigração. Além disso, Barthes nos dá uma notícia que poderia esclarecer dois pontos. Contam que, na época de Arcimboldo, circulavam pela Europa miniaturas indianas representando animais fantásticos cujo corpo era constituído por um “mosaico de formas humanas e animais entrelaçado”. Os seres compostos eram representavam encarnações. Trata-se da doutrina Hindu da unidade interior dos seres. O princípio dos “monstros” de Arcimboldo poderia ser resumido pela constatação de que a Natureza não pára (7). Desta forma, poderíamos supor o interesse de Arcimboldo tanto no aspecto estético quanto no religioso. (imagem abaixo, à esquerda, Terra, parte da série Elementos, 1570; abaixo à direita O Bibliotecário, 1566)

Arcimboldo e a Piada Séria




Os Habsburgos se
con
sideravam descendentes
de Hércules
. A pele de leão e de carneiro (que remete ao velocino
de ouro)
, lado a lado em Terra,
ligam os Habsburgos

a Hércules (8)





Existe certa unanimidade quanto a enfatizar o papel da fantasia na arte de Arcimboldo. O imaginário se reveste de um significado bem preciso e o fantástico coincide com o alegórico. A obra deste italiano é bastante vasta, embora não sem razão as cabeças compostas sejam suas realizações mais visíveis. Gregorio Comanini, contemporâneo e amigo de Arcimboldo, chegou a definir como imitação fantástica a arte envolvida na produção das cabeças. Imitação porque os elementos são reproduzidos assim como existem no mundo real. Entretanto, os elementos são combinados de uma maneira que não se encontra no real: por exemplo, a cabeça de uma mulher composta por flores. O próprio Arcimboldo utiliza o termo macchia (mata, mancha) para se referir a “suas cabeças” e esboços. Este termo ecoa as freqüentes discussões renascentistas sobre o poder da imaginação para criar formas a partir de “coisas confusas”. Da Vinci também se refere a “mancha” como algo do que ele se servia para estimular a inteligência – no século XVI, este termo designava a faculdade de descobrir e compreender a afinidade escondida entre as coisas. Tudo isso reproduz um debate da época que contrapunha os antigos aos modernos, cuja questão principal era saber qual seria a função da invenção livre ou da imitação no universo da arte. Arcimboldo assumiu uma posição moderna: propunha representar um sujeito “moderno” de forma tradicional (9).




Na época em que
foram feitas as cabeças
compostas
, humorismo seria
menos importante do que a demonstração do poder
da inteligência
(10)







Mesmo que desde aquela época se considerasse as cabeças compostas de Arcimboldo como uma bizarria ou uma piada, também se admitia que ambos os casos pudessem apresentar um lado sério. A representação do imperador Rodolfo II como Vertuno não tinha como objetivo fazê-lo rir, a imagem se resolveria num âmbito mais profundo. Por outro lado, não seria errado articular as pinturas de Arcimboldo com aquelas dos fabricantes de emblemas e brasões, ou mesmo a elementos do grotesco. Alguns de seus contemporâneos ofereceram interpretações das pinturas de Arcimboldo através de poemas, como aqueles de Giambatista Fonteo (Fontana) e o de Comanini sobre Vertuno (1590). De acordo com Fonteo, a conjugação harmônica das quatro estações tem significado profético. Existe um “diálogo” visual entre as estações e os elementos: o Verão e o Inverno estão virados para a direita, enquanto a Primavera e o Outono estão voltados para a esquerda; o Ar e a Terra estão voltados para a direita, a Água e o Fogo, para a esquerda. Tudo isso para proclamar a sobrevivência no tempo do domínio “clemente e harmonioso” dos Habsburgos (11).

Notas:

Leia também:

Arte do Corpo: Veruschka e a Pele Nua
A Bela, a Fera e o Cinema Puritano
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Picasso e as Cabeças das Mulheres
Pier Paolo Pasolini: É Intolerável Ser Tolerado
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A Poesia e o Cinema em Tarkovski
O Olho e o Corpo: Erotismo em Pablo Picasso
Arte do Corpo: Todos os Bowery

1. FALCHETTA, Piero. Antologia de Testi del XX Secolo in Effetto Arcimboldo. Trasformazioni del Volto nel Sedicesimo e nel Ventesimo Secolo. Milano: Grupo Editoriale Fabbri, Bompiani, Sonzogno, Etas S.p.A., 1987. Pp. 217, 224 e 225. Catálogo de Exposição.
2. HULTEN, Pontus. Tre Diversi Modelli Interpretativi in Effetto Arcimboldo... pp. 18-20.
3. EVANS, R.J.W. La Corte Imperiale dei Tempi di Arcimboldo in Effetto Arcimboldo... p. 49.
4. Idem, p. 51.
5. HULTEN, Pontus. Op. Cit., pp. 22-4.
6. KRIEGESKORTE, Werner. Giuseppe Arcimboldo. Tradução Paula Reis. Köln/Lisboa: Taschen/Paisagem, 2006. P. 30.
7. BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso: Ensaios Críticos III. Tradução Léa Novaes, [1978] 1982. Pp. 133.
8. KAUFMANN, Thomas DaCosta. Le Allegorie e i Loro Significati in Effetto Arcimboldo... p. 103.
9. Idem, pp. 89, 93 e 94.
10. Ibidem, p. 96.
11. Ibidem, p. 100.

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