“Uma
escola que
não ensina como
assistir a televisão
é uma escola
que não
educa”
Obesidade e Propaganda
A obesidade já é um problema planetário. Mas não é uma questão de gente gulosa, trata-se do efeito colateral óbvio e previsível do hábito de ingerir gordura saturada. Em particular, a obesidade infantil já adquiriu um caráter epidêmico. Biscoitos, refrigerantes, cheeseburgers dos mais variados tipos, salgadinhos, atualmente esta é a dieta básica das crianças. Na verdade, há muitas décadas é a dieta inclusive nas escolas. Muitas delas estão tentando modificar o cardápio de suas lanchonetes, retiram as balas e doces, os salgadinhos, e oferecem sucos. O problema é que os próprios pais reclamam que seus filhos não encontram o que comer na escola e eles estão pagando pelo serviço. Mesmo que a escola mantenha a posição, as crianças acabam comprando do lado de fora da escola.
E onde a mídia entra nisso? Como não podia deixar de ser, na propaganda. Todos os produtos são coloridos, interessantes. Nos anúncios de TV todos parecem muito felizes com aqueles chicletes e batatas fritas! Nas prateleiras dos supermercados é a mesma coisa. Tudo é feito para encher os olhos (e esvaziar os bolsos). O valor nutricional dos produtos, que deveria ser o dado primário, nem entra mais na conta, o que interessa é se é gostoso! Aliás, se não for gostoso, nem adianta ser colorido. Só que o “gostoso” não tem relação nenhuma com nutritivo, mas com produtos artificiais que ninguém sabe exatamente do que são feitos. Resultado, nós engordamos mas não nos alimentamos.
Em Super Size Me – A Dieta do Palhaço (Kathbur Pictures, 2004), com o devido acompanhamento médico para registro da experiência, Morgan Spurlock se propôs a comer por trinta dias apenas itens do cardápio do McDonalds. Quase morreu. Eu poderia dizer que o “palhaço” do título é Ronald MacDonald, o garoto propaganda da rede de lanchonetes. Mas talvez nós é que sejamos os palhaços, pois damos lucro comprando essa “comida” e depois damos mais lucro comprando remédios – para nos curar dessa mesma “comida”. Assim, alimentamos duas grandes indústrias ocidentais, redes de fast food e indústria farmacêutica. Alguns números da mania de fast food nos EUA: 37% das crianças e adolescentes estão gordos demais, e dois em cada três adultos está acima do peso ou obeso. O filme mostra o mundo dos programas de merenda escolar, diminuição das turmas de educação física, vícios alimentares e as medidas extremas do pessoal que resolve parar e tentar reencontrar a saúde perdida.
Preste atenção na maneira como são veiculadas as propagandas de alimentos. Todos, sem excessão, aparecem super macios, coloridos e brilhantes.... Qual o motivo disso? Porque não se mostrar as coisas como elas realmente são? A verdade não vende? O filme Crazy People – Muito Loucos (Paramount Pictures, 1990), com o subtítulo “A Propaganda Falando a Verdade”, tratava de um publicitário que foi internado num hospício porque um de seus projetos desagradou ao patrão – mas os cartazes da campanha que havia proposto foram impressos por engano e a estratégia foi um sucesso. Entretanto, ele resolve ficar no manicômio e acaba criando uma agência de publicidade com os outros internos, sendo ainda mais bem sucedido. Qual era a proposta da campanha? Dizer a verdade. A idéia era dizer o que realmente estava sendo vendido... Inicialmente, o patrão do publicitário achou ridículo e coisa de maluco. Mas, com o sucesso da campanha, não só mudou de posição como tentou roubar a idéia.
A existência de um filme como este mostra que a mídia não está o tempo todo contra nós ou tentando nos manipular. Como exemplo de outra boa influência em relação à saúde dos indivíduos, posso citar o um programa da série Globo Repórter (13/07/2002) sobre alimentação, onde pudemos observar como os americanos estão engordando. É recorrente neste programa o tema da edução alimentar. Vimos como os americanos estão sendo sistematicamente induzidos à obesidade por uma indústria de alimentos Light e Diet que, além de não emagrecer, são muito mais nocivos ao ser humano. Por outro lado, no programa Fantástico, também da Rede Globo, já assistimos a uma campanha contra o cigarro levada à cabo pelo dr. Dráuzio Varela – o que poderia ser visto como uma outra boa influência da mídia em relação à saúde dos indivíduos.
O que podemos ver aí? A indústria de alimentos vende mais (porque as pessoas são induzidas a comer mais, já que tais alimentos não suprem as necessidades básicas do organismo), a indústria de remédios vende mais e mais (para curar o estrago feito pela indústria de alimentos) já que boa parte dos remédios ou é placebo, ou causa dependência química. Não disponho de dados sobre o Brasil, mas diria que vai pelo mesmo caminho. Pelo menos quem mora nas cidades e é jovem, esses vivem na gordura saturada. Não falo como nutricionista, mas diria que os fast food são um péssimo hábito. Por pelo menos dois motivos.
Segundo informações que obtive de fontes ligadas à vigilância sanitária hamburgers e cheeseburgers devem ser consumidos imediatamente, mas as entregas de sanduíches (delivery) estendem esse prazo – a não ser que você confie capacidade de conservação dos recipientes das motocicletas que nos trazem os pedidos. Isto significa que, passados alguns minutos, “aquilo” já pode causar problemas – quem nunca teve um desarranjo sem explicação após de haver comido [mesmo que dias depois] essas coisas ? Eu tive, e agora acho que sei porque.
As propagandas de pizza e/ou “sanduíches americanos”. Se a mídia influencia as atitudes em relação a estes produtos ? É só começar a comparar o big mac do cartaz com aquele que você recebe e/ou vê na TV... Este é o exemplo mais corriqueiro de simulação por parte da mídia. A televisão faz a realidade parecer o que ela não é: acessível e organizada! Os produtos são invariavelmente lindos, suculentos, sempre acondicionados corretamente. As pizzas que aparecem na TV tem uma mágica propriedade que transforma toda aquela gordura que ela normalmente fica babando em algo como um néctar nutritivo. Os anúncios do MacDonalds mostram sanduíches em closes onde os ingredientes parecem tudo menos os produtos industrializados que realmente são. A chamada maquiagem dos produtos se transformou numa espécie de regra dominante.
O Corpo e a Mídia
O que buscamos afinal quando recorremos à mídia procurando respostas para nossas dúvidas existenciais em relação ao tipo de corpo que desejamos? Certezas? Não é errado buscar respostas. O problema é quando não percebemos as reais intenções daqueles a quem recorremos. O compromisso da mídia com o mercado é muito maior do que conosco. As propagandas querem vender produtos. Não importa se temos um anúncio de cheeseburger, depois um de pílulas emagrecedoras, e então um de sutiãs, passagens aéreas, macarrão, propanganda do governo (que será paga com nosso dinheiro), maquiagem, bebidas alcoólicas... Também pouco importa para eles se tudo isso vem no intervalo de programação infantil.
Eles vão nos dizer o que quisermos ouvir, até que não saibamos mais o que queremos. Queremos corpos esbeltos? Queremos comer comidas gordurosas? Queremos fumar cigarros e ao mesmo tempo subir montanhas? Afinal, o que queremos fazer de nossos corpos? Compramos alimentos que engordam mas não alimentam, compramos roupas que fazem nossas filhas parecerem vadias só porque elas tem que seguir a moda... Estamos cada vez mais fascinados pela embalagem, enquanto deixamos de lado o produto. Ou melhor, consumimos o produto que compramos não pelo que ele é, mas por sua imagem na propaganda ou na embalagem. E isto parece valer cada vez mais para as pessoas também, nossa “embalagem” vale mais do que aquilo que somos por dentro.
Recuperar a realidade de nossos corpos, suas possibilidades e limitações. Somos tão escravizados pelas expectativas daquilo que a mídia diz que podemos fazer com nossos corpos que não vivenciamos mais sua realidade, preferindo a virtualidade de uma imagem daquilo que poderíamos nos tornar – neste caso, apenas se comprarmos esse ou aquele produto ou, frequentemente, todos os produtos. No final, nos transformamos em caricaturas de um ser fisicamente perfeito que nunca existiu. Não pretendo sugerir que tudo na mídia é nocivo. Apenas acredito que falta discernimento para distinguirmos entre o real e a ficção. A imagem de nós mesmos que nos é transmitida pelos meios de comunicação de massa é uma idealização ou, quando muito, uma tentativa de mercantilizar nosso mundo simbólico.
O Que Fazer Sem Ter Que Desligar a TV?
existe uma moeda
(aquela de 1 centavo) cuja
única função seria permitir ao comércio roubar no troco. O que poderíamos esperar de um país como este? Como a culpa é toda nossa (porque este país somos
nós), a pergunta deveria ser:
o que podemos esperar
de nós mesmos
agora?
As iniciativas vêm se multiplicando pelo país, uma lista incompleta poderia conter as seguintes opções: Na internet, temos dois exemplos. O projeto Desligue a TV é uma iniciativa que visa, antes de mais nada, principalmente repensar este hábito automático e inconsciente de ligar a televisão como se a ela devêssemos uma obrigação de nos fazer companhia. Ou seja, a questão não é simplesmente desligar, mas discutir sua utilização. Quantas vezes ligamos a televisão e abrimos uma revista, ou vamos para outro cômodo, ou assistimos programações as mais irrelevantes por pura falta de criatividade em relação à nossa vida? Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania é uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e organizações da sociedade civil para promoção dos direitos humanos e da dignidade do cidadão na mídia. Promove um acompanhamento permanente da programação da televisão, indicando os programas que desrespeitam os tratados assinados pelo Brasil, princípios constitucionais e legislação em vigor que protegem os direitos humanos e a cidadania. Na TV a cabo, programas como o VER TV, que vai ao ar na TV Câmara, é outra iniciativa muito salutar e bem vinda de um fórum de discussão sobre os usos e costumes (e as manipulações políticas e comerciais) em torno deste eletrodoméstico – recentemente passou a ser transmitido em TV aberta, pela TVBrasil, antiga TVE do Rio de Janeiro. Na TV aberta, o Observatório da Imprensa, que vai ao ar na TVBrasil, nos dá um amplo painel das questões éticas que atravessam a mídia - e o jornalismo em particular.
Desligar este eletrodoméstico poderia não ser uma solução definitiva, pois a concessão pública para a autorização de funcionamento de canais de TV exige (e isto é parte do próprio texto da constituição da República) que a programação das redes comerciais encampe também temas de interesse público – portanto não é só vender, vender e vender! Desligar não é a solução porque temos direito de assistir a uma programação educativa de qualidade, pois o espectro eletromagnético (o ar por onde nos chegam os sinais de TV) é de propriedade da sociedade, apenas as redes de TV são particulares. Resta à sociedade brasileira tomar posse de si mesma!
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