Nós Tratamos Bem Nossas Mulheres!
Em seu livro, O Monstruoso Feminino, (1) Bárbara Creed nos mostra como, a partir do universo dos filmes de ficção científica, se dá a satanização da figura feminina no Ocidente. A misoginia também encontra seus elementos no gigantismo. Neste particular, mulheres, aranhas gigantes e extraterrestres concorrem quanto a maior monstruosidade. Vale lembrar também O Ataque da Mulher de 10 Metros (Attack of the 50-foot Woman, 1957), de Natan Hertz (imagem ao lado). Neste filme, uma esposa traída encontra um extraterrestre verde gigante que passava pelo nosso planeta em um disco voador, é transformada num enorme monstro vingador que estripa o marido infiel com as próprias mãos.
Que a mulher esteja associada a algo negativo não seria novidade no ocidente cristão. É como se na guerra tivéssemos a atualização de um rito de sacrifício masculino frente a alteridade feminina. E a ditadura da beleza (física)? Espartilhos, cremes anti-rugas e anti-celulite, plástica... Esticar é preciso? Por quê? Ah! Para realçar a juventude da alma... Por que pintar os cabelos brancos, que deveriam ao contrário ser motivo de orgulho, cada um deles. Ah! Para realçar a juventude da alma... Lipoaspiração... Lembremos da modelo Claudia Liz, que entrou em coma durante uma dessas invasões. Afinal, qual é a diferença entre a burka e o espartilho? A artista americana Alice Matkin pinta quadros de mulheres velhas nuas como forma de chamar atenção contra essa ditadura da “jovem, magra, beleza exterior”.
“Por que não se pode
confiar nas mulheres?
Como alguém pode
confiar em algo que
sangra por cinco dias
e não morre?”
confiar nas mulheres?
Como alguém pode
confiar em algo que
sangra por cinco dias
e não morre?”
Felix Guattari descreve a experiência das Mirabelles (grupo de teatro musical), que buscam incitar a exploração do movimento de transformação. Trata-se de um movimento de devir outro que pretende fugir daquilo que o corpo social repressivo nos impôs. O que significa buscar uma relação verdadeira com o desejo. É a idéia de viver essa relação ao nível dos corpos. (imagem acima, A Mulher Vespa, 1960; imagem abaixo, à esquerda, A Monstra, 1957. Juntamente com O Ataque da Mulher de 10 Metros, A Mulher Demônio de Marte, e tantos outros títulos, o cinema de ficção científica disseminava uma representação de mulher bem ao gosto do puritanismo norte-americano; na imagem ao lado, Jonsey, uma senhora de 64 anos pintada pela artista norte-americana Alice Matkins; imagem abaixo, detalhe de O Nascimento da Vênus, de Botticelli, 1485)
“A questão não é mais a de saber se vamos desempenhar o papel feminino contra o masculino, ou o contrário, e sim fazer com que os corpos, todos os corpos, consigam livrar-se das representações e dos constrangimentos do ‘corpo social’, bem como das posturas, atitudes e comportamentos estereotipados, da ‘couraça’ de que falava Wilheim Reich. A alienação sexual, que é um dos fundamentos do capitalismo, implica na polarização do corpo social na masculinidade, enquanto que o corpo feminino se transforma em objeto de cobiça, em mercadoria, um território ao qual só se poderá ter acesso na culpabilidade e submetendo-se a todas as engrenagens do sistema (casamento, família, trabalho, etc...)” (2)
Como se pode dizer que é um horror o tratamento que os muçulmanos dispensam às mulheres quando vulgarizamos as nossas, quando vendemos sua nudez, quando as chamamos de cachorras? Qual é exatamente a diferença entre obrigar mulheres a cobrir (Islã) ou descobrir (Ocidente) totalmente o corpo? A mistura entre sexo e violência parece ter se tornado uma ética/estética banal. Qual seria a motivação por trás desse excesso de visibilidade do corpo feminino no Ocidente? A pornografia, em seus vários graus, faz das mulheres objeto ou sujeito nas relações homem-mulher? Numa sociedade machista, com grandes doses de donjuanismo, poderíamos concluir que a mulher é objeto. E se provocássemos o falocentrismo sugerindo que esse desejo obcecado deriva do desejo de ser mulher, mais do que possuí-la?
“O que têm cerca de 20
centímetros de comprimento,
mais ou menos cinco de
largura e deixa as mulheres
malucas? Dinheiro”
centímetros de comprimento,
mais ou menos cinco de
largura e deixa as mulheres
malucas? Dinheiro”
Temos também o futebol, bastião da masculinidade brasileira. Já repararam na maioria das comemorações de vitória em campo? Beijos, abraços, corpos sobre corpos, beijos, beijos, homens suados se tocando... Por outro lado, e para falar de Brasil, temos o turismo sexual e a cada vez mais descendente faixa etária das meninas que começam a carreira de modelo e manequim – por agora, 12 anos de idade. Nem vou questionar o fato de que a sociedade deveria preferir que nesta idade essas crianças utilizassem seu tempo para a escola e os estudos. (ao lado, A Mulher Demônio de Marte, 1954)
Afinal, qual é a chave para compreender o papel da superexposição da mulher no seio de uma sociedade machista como a ocidental, e na brasileira em particular? Alguém pode dizer que a mulher tira a roupa e posa nua porque quer, ela não é obrigada. Havendo machismo lá como cá, a questão não parece ser mais quem mostra o que quiser. A questão parece ser quem manda, impõe, obriga a mostrar ou não! Coberta por uma burka ou pelada, a mulher sempre foi objeto. Tanto faz tirar-lhe ou não toda roupa. A liberdade delas foi sufocada muito antes. (na imagem ao lado, a burka)
Heloneida Studart, comentou sobre o hábito machista de chamar uma mulher de cachorra. Aos 15 anos escreveu 3 artigos contra a frase “a mulher é um corpo lindo”. No colégio de freiras em que estudava as madres aprovaram. Porém, ela não via pelo prisma religioso, para o qual a mulher nem devia ter corpo, só espírito. Seu ponto de vista ia além, a mulher seria também caráter, emoção, intelecto e inteligência... (ao lado, deformações causadas pelo espartilho)
Entretanto, eleita ao posto de cachorra, a mulher passaria a ser literalmente (posto que indiretamente sempre fora) identificada com um animal que lambe a mão do dono mesmo depois de espancada, e que no cio aceita 10, 15 ou 20 cães ao mesmo tempo. Heloneida chama atenção para os anos de luta pela valorização feminina que estariam sendo renegados pelas próprias mulheres ao permitirem ser apelidadas de cachorras. Termina dizendo que “ter convicções é urgente. Antes que, depois de sermos chamadas de cachorras, passemos a ser tratadas como baratas” (3). Por que os homens não se questionam a respeito das piadas que fazem sobre mulheres... no Ocidente? Talvez porque alguns homens não são suficientemente machos para deixar de tomar atitudes misóginas e preconceituosas!
Notas:
Leia também:
As Deusas de François Truffaut
1. CREED, Barbara. The Monstrous-Feminine. Film, Feminism, Psychoanalysis. London: Routledge, 1993.
2. GUATTARI, Felix. Revolução Molecular: Pulsões Políticas do Desejo. Tradução Suely Belinda Rolnik. São Paulo: Ed. Brasiliense S A, 3a ed. 1987. P.43.
3. STUDART, Heloneida. Mulher não é cachorra. Rio de Janeiro: LÚMEN – Boletim Cultural do Colégio Rio de Janeiro. Ano LXIII – Abril-Maio-Junho/2001.