Muitas vezes
nós acreditamos que
estamos a tentar entender
o que há por trás de um rosto,
mas geralmente descobrimos
que tudo que queremos ver
é aquilo que os olhos
nos entregam
A Fisiognomonia Serve Para Fazer Arte
Fascinado pelo interesse que o rosto humano desperta na maioria das pessoas e pelo produto da pesquisa em fisiognomonia, o fotógrafo Lang reapresenta o trabalho desta pseudociência de um ponto de vista estético (1). Enquanto saber quem se pretendia objetivo, o ponto de vista da fisiognomonia durante o século 19 e início do seguinte era político-ideológico: mostrar que é possível conhecer o interior do ser humano a partir de seu exterior e provar a superioridade da raça branca. Lang se debruça apenas sobre o subproduto dessa pesquisa, um gigantesco acervo de imagens do rosto humano. Em 1869, o biólogo darwinista Thomas Huxley inicia um projeto com o objetivo de mapear as características físicas das tribos das colônias inglesas. O antropólogo francês Paul Broca foi uma inspiração, com sua classificação de medidas cranianas que supostamente permitiriam a determinação do grau de inteligência de algumas pessoas consideradas “boas” ou “más”, gente “de bem” ou criminosos. Na Itália, Cesare Lombroso colecionava fotografias de rostos de criminosos com o objetivo de classificar a “face do mal”. (Todas as imagens são de Palaeanthropical Physiognomony)
Gerhard Lang
produziu algumas
imagens muito próximas
dos trabalhos da
fisiognomonia
produziu algumas
imagens muito próximas
dos trabalhos da
fisiognomonia
Muito tempo se passou e outros nomes surgiram no horizonte dessa busca contraditória, o trabalho de Lang traz a luz essa obsessão pela taxonomia e chega a classificar o formato das nuvens e das manchas das vacas na Suíça! Lang também produziu cabeças compostas à maneira de Francis Galton (1822-1911), um antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico inglês que sobrepunha várias imagens de criminosos com o objetivo de chegar ao traço físico básico da “face do mal”. No caso de Lang, cujas intenções são menos racistas-salvacionistas, produziu duas séries, em, daquilo que chamou Palaeanthropical Physiognomy (1991/2002). Inicialmente, o trabalho consistia em projetar fotografias de crânios do departamento de paleo-antropologia do Museu Senckenberg em Frankfurt, e também rostos de animais como corujas, abelhas e vespas sobre rostos humanos. Curiosamente, Lang acabou por produzir imagens bastante parecidas com aquelas de fisognomonistas e como Giambattista della Porta (1535-1615) e Petrus Camper (1722-1789), assim como de artistas interessados em representar as paixões como Charles Le Brun (1619-1690).
Com suas cabeças
compostas, Gerhard Lang
tirou uma coisa do espaço
neutro do museu e a jogou
na galeria de arte
Em O Habitante Típico de Schloss-Nauses (1992), Lang fotografou todos os 52 habitantes de sua cidade natal na Alemanha de uma forma que lembra muito o método de composição de cabeças elaborado por Galton e pelo francês Alphonse Bertillon (1853-1914), um dos fundadores da antropometria criminal. Ao final, Lang sobrepôs as imagens de todas as mulheres e de todos os homens, depois juntos todos num só. Lang se refere a um “vazio” criado pelas composições de cabeças, pela natureza “não palpável” das imagens. O artista confessou que o impacto visual das composições enquanto imagens é incrivelmente poderoso, um dado que havia permitido a Galton fazer sucesso em sua época com esse experimento - antes que os cientistas começassem a se afastar dele. Para Lang, a classificação da imagem de um rosto humano é tão esquiva quanto a taxonomia das nuvens ou do malhado de uma vaca. Em suas tentativas para chegar à identificação de feições e, portanto, aproximar-se da “verdade fotográfica”, Lang e Galton encontraram uma matéria ambivalente e intangível.
“É estranho que
não tenhamos mais
capacidade de descrever
a forma e feições pessoais do
que atualmente possuímos. De minha parte, freqüentemente
me irritei com a incapacidade
para explicar verbalmente
semelhanças e tipos
de feições” (2)
Leia também:
As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
Arte do Corpo: Veruschka, Cindy Sherman, Carolee Schneemann, Shigeko Kubota
Yoko Ono, Jan Saudek, HR Giger, Leigh Bowery, A Dança das Trevas
A Face do Mal (I), (II), (final)
Rostos: Fisiognomonia (I), (II), (III), (IV), (V), (Epílogo)
Todas as Cabeças de Archimboldo (I), (II), (final)
Notas:
1. KEMP, Martin; WALLACE, Marina. Spectacular Bodies. The Art and Science of the Human Body from Leonardo to Now. Berkeley: University of California Press, 2000. Pp. 190-9. Catálogo de exposição.
2. Idem, p. 199.
Notas:
1. KEMP, Martin; WALLACE, Marina. Spectacular Bodies. The Art and Science of the Human Body from Leonardo to Now. Berkeley: University of California Press, 2000. Pp. 190-9. Catálogo de exposição.
2. Idem, p. 199.